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12 de setembro de 2014
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15:29

Qual é a relevância dessa pergunta?

Por
Sul 21
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Qual é a relevância dessa pergunta?
Qual é a relevância dessa pergunta?
Marina propõe a independência do Banco Central e Aécio não explica o mensalão mineiro
Marina propõe a independência do Banco Central e Aécio não explica o mensalão mineiro

Maria Wagner*

Entre uma e outra mordida na torrada, resolvo cometer uma indiscrição. Por que não? Mas tomo o cuidado de anunciar a intenção. Então pergunto ao jovem dono da lanchonete se ele tem uma ideia de quem vai ganhar as eleições. “Ahn?” É a primeira reação dele. Depois ouço: “E qual é a relevância dessa pergunta”? Digo que a fiz somente porque sou esse tipo de pessoa muito curiosa.

“Tá. Entendi”. Ele se aproxima da mesa e começa a falar. E o que antes me parecia manifestação de desagrado diante da minha curiosidade logo ganha a forma de um apaixonado discurso de desprezo pela política e pelo comportamento dos políticos brasileiros que vê nas coberturas jornalísticas. Do que lê, do que vê e do que ouve lhe vem convicção de que ambos são absolutamente desnecessários – na verdade, prejudiciais – à saúde do Brasil em todos os sentidos. Por isso, “até agora sempre anulei meu voto”, declara. “E não será diferente desta vez”.

Para esse brasileiro, que está farto das notícias negativas nos jornais e telejornais, que está igualmente farto “dessa gente que se desmerece mutuamente acreditando que com isso vai ganhar a simpatia do eleitor”, o Estado não precisa de um governador e o país pode muito bem ficar sem um presidente. Como assim? “Ora, o povo assume as rédeas e escolhe as prioridades”. E quem vai decidir se a sua prioridade é mais importante que a minha?

Fácil de resolver. O bom senso vai pesar nas escolhas. É nisso que ele acredita. E o que tem como bom senso está claramente na contramão, por exemplo, “do que descobri na internet sobre o papel dos bancos na vida do cidadão brasileiro”. É da subserviência à voracidade do sistema bancário que o povo precisa se libertar, afirma. Por isso, considera “ignorante” quem se deixa seduzir por um candidato que defende a independência do Banco Central. “Se agora já nos afogam na cobrança de juros, imagina o tamanho da orgia que esse bando de urubus vai praticar com nosso dinheiro se não houver um olho vigilante para controlar a mão-grande”, observa.

Então, no que depender da avaliação desse pequeno empresário brasileiro – e de outros como ele –, Marina não tem a menor chance de chegar à presidência. E Carlos Sardenberg, que nesta quinta-feira (11) explicou no Jornal da Globo o funcionamento do Banco Central independente em países como Israel, Chile e Reino Unido como virtuoso, certamente também não passa pelo crivo dele. O problema é o tal do olho vigilante. Difícil encontrá-lo no meio do povo. Será que já vizinhou comigo num dos tantos semáforos de Porto Alegre? Talvez o tenha bem no meio da testa a jovem que, faz algumas semanas, se achou no direito de atravessar o corredor de ônibus empurrando sua bicicleta. Nada contra, contanto que o sinal não estivesse fechado para ela e os demais pedestres. Aliás, o sinal estava vermelho também para a vovó que, levando o neto no carrinho, atravessou a rua Ramiro Barcelos numa tarde ensolarada.

Esse comportamento voluntarioso, que muitos tentam legitimar como jogo de cintura ou “jeitinho brasileiro”, esconde algo abominável: a vocação que temos para o autoritarismo. Claro que não todos, mas uma boa parte de nós vê como “mané” ou “trouxa” a pessoa que, munida de suficiente paciência diante de um sinal de trânsito, espera sua vez de avançar. Isso vale tanto para os motoristas quanto para os pedestres. Somos incoerentes. Queremos liberdade, mas para fazer o que nos dá na telha, mas quando levamos a vaca ao brejo reclamamos da falta de leis, da falta de proteção, da omissão do Estado.

Por isso, noves fora os abusos que determinados veículos de comunicação cometem – beneficiando candidatos ao mesmo tempo em que fazem editoriais em que defendem a imparcialidade – o que nos contam sobre o Brasil e suas políticas é nosso reflexo no espelho. Quem está lá no planalto se criou aqui, na planície. Não veio do inferno, nem veio do céu. Está num jogo que não se renova nem mesmo quando os nomes mudam, porque nesse tabuleiro só aparece quem aprendeu a jogar. Os jornais participam desse jogo – é xadrez ou dominó? – quando, por exemplo, replicam o que Marina diz, sem questionar: que foi o PT quem colocou Roberto Costa, esse que agora pretende se beneficiar da delação premiada, na Petrobras. Na verdade, ele estava lá desde o governo Fernando Henrique Cardoso. Por que não explicar isso devidamente?

No mesmo tabuleiro, Aécio se defende da cobrança de explicações sobre o mensalão mineiro e o trensalão, protagonizados por tucanos. Quando perguntado, como foi no Jornal Nacional, ele se esquiva afirmando que “ainda não foram a julgamento”. E fica nisso.Traduzindo: roubei a bolsa de Fulana, mas como não fui julgada, o roubo não aconteceu. Se política só pode ser feita dessa maneira, faz sentido a resposta do dono da lanchonete à minha curiosidade sobre quem, na opinião dele, vai vencer as eleições: “Qual é a relevância dessa pergunta”? Em todo caso, o olho vigilante ele precisa definir melhor.

* Jornalista


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