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25 de setembro de 2014
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18:16

Intervenção do Estado na economia e redução da burocracia pautam agenda econômica de presidenciáveis

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Sul 21
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Em seu programa, Dilma se compromete com o setor produtivo do país | Foto: ABr
Em seu programa, Dilma se compromete com o setor produtivo do país | Foto: ABr

Luís Eduardo Gomes

Dependendo da visão política e econômica, há quem diga que o Brasil vive um momento muito perigoso na economia, graças a ações inadvertidas do governo federal, e quem diga que a situação não é tão preocupante, tendo sido agravada pela crise internacional. Com o tema no centro do debate eleitoral, examinamos o que os três principais candidatos à presidência da República dizem sem seus programas de governo sobre Economia e Infraestrutura e conversamos com economistas sobre as propostas apresentadas.

Como é natural de um candidato que ocupa o cargo, o programa da presidenta Dilma Rousseff (PT) é consideravelmente mais enxuto do que o de seus principais adversários e versa, em grande medida, sobre as realizações do governo federal durante as três administrações consecutivas do Partido dos Trabalhadores.

Para o próximo quadriênio, o programa do PT promete um novo ciclo, focado em dois alicerces: o fortalecimento de uma política macroeconômica sólida, intransigente no combate à inflação e que proporcione um crescimento econômico e social robusto e sustentável; e o compromisso com o Brasil produtivo.

Bruno Alencastro/Sul21
André Scherer, economista: “O recurso prioritário desse governo Dilma foi financiar a indústria diretamente” | Foto: Bruno Alencastro/Sul21

André Scherer, economista da Fundação de Economia e Estatística e professor da PUCRS, afirma que, apesar dos temores sobre o retorno da inflação alta, a situação da economia está sob controle no momento. Ele também acredita que o emprego está em um nível “bastante bom” e combinado com o aumento da massa salarial. No entanto, afirma que o governo apostou nos últimos anos em políticas econômicas, especialmente em relação ao setor industrial, que não deram certo, mais notadamente as políticas de financiamento público do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) à indústria brasileira.

“O recurso prioritário desse governo Dilma foi financiar a indústria diretamente e isso aí não pagou, não teve retorno. A situação da indústria é precária mesmo com todo o recurso que foi investido. Eu acho que tem uma lição aí de que o governo tem que investir prioritariamente em infraestrutura, em vez de subsidiar a indústria”, diz.

Já Virene Roxo Matesco, professora de Economia das faculdades FGV/Decision, não faz uma leitura positiva do governo Dilma na área econômica. “Nesses quatro anos de governo Dilma, a economia cresceu em média 2%. Este último, nós vamos ter um crescimento previsto próximo de 0%, com uma inflação em torno de 6%, cuja média dos últimos quatro anos ficou em 5,70%, mais ou menos. Em síntese, a economia tem um histórico baixo de crescimento e com a inflação na meta superior, como a meta de inflação é 4,5%, 6,5% é algo fora da meta. Então é um crescimento pífio com inflação alta”, afirma Matesco.

Para ela, as causas para o resultado ruim da economia passam, especialmente, pelo excesso de intervenção estatal na economia e políticas e medidas que seriam contraditórias. “Tomou uma decisão numa direção e medidas em outras, o que gerou total falta de confiança dos agentes econômicos, do mercado financeiro, dos empresários e dos trabalhadores em geral”, afirma Matesco, criticando ainda a política industrial do governo Dilma, que diz ter sido voltada para o atendimento de demandas específicas de certos setores, como o automotivo.

Aécio propõe "reforma e aprimoramento da infraestrutura nacional" |Eduardo Seidl / Palácio Piratini
Aécio propõe “reforma e aprimoramento da infraestrutura nacional” |Eduardo Seidl / Palácio Piratini

O programa do candidato Aécio Neves (PSDB), ainda que não delimite de forma específica as propostas, traz como uma de suas diretrizes promover a “reforma tributária, com o propósito de fortalecer a federação, simplificar o sistema tributário e reduzir o custo Brasil, aumentando a produtividade e gerando mais empregos”. Outra proposta é a “reforma e aprimoramento da infraestrutura nacional, por meio de um amplo programa de investimento em todas as dimensões da infraestrutura do país, a partir de regras claras e estáveis, incluindo mobilização de capital privado e a coordenação das várias instâncias de governo”.

Para Scherer, pode se esperar de um eventual governo Aécio um choque de produtividade que deve contemplar uma abertura comercial mais forte e a redução de impostos sobre a importação de forma generalizada. “Essa, obviamente, seria uma receita que levaria a indústria brasileira a acelerar ainda mais a desindustrialização no futuro”, diz.

O programa de Marina Silva (PSB) traz o compromisso com o chamado tripé macroeconômico e promete “trabalhar com metas de inflação críveis e respeitadas, sem recorrer a controle de preços que possam gerar resultados artificiais; (…) gerar o superávit fiscal necessário para assegurar o controle da inflação; (…) manter a taxa de câmbio livre, sem intervenção do Banco Central”.

Autonomia do Banco Central

É justamente a autonomia do Banco Central uma das questões mais discutidas da campanha eleitoral para a área econômica. O programa de Marina Silva fala em “assegurar a independência do Banco Central o mais rapidamente possível, de forma institucional, para que ele possa praticar a política monetária necessária ao controle da inflação”.

Marina Silva fala em “assegurar a independência do Banco Central o mais rapidamente possível"  |Foto: BCB/Divulgação
Marina Silva fala em “assegurar a independência do Banco Central o mais rapidamente possível” |Foto: BCB/Divulgação

Já o de Aécio Neves defende a autonomia operacional ao Banco Central, “que irá levar a taxa de inflação à meta de 4,5% ao ano. Uma vez atingida, a meta será reduzida gradualmente, assim como a banda de flutuação, atualmente em mais ou menos 2%. O Banco Central deverá também suavizar as flutuações do ciclo econômico e zelar pela estabilidade financeira”.

Atualmente, o governo adota a chamada autonomia operacional do Banco Central. O presidente da República tem o poder de nomear e destituir a qualquer momento o presidente do BC e o banco teria a autonomia necessária para atingir metas estipuladas e supervisionadas pelo governo.

Para Scherer, a proposta de independência do Banco Central não traz vantagens para a população, apenas para o setor financeiro. “Tu acabas dissociando, colocando o BC exclusivamente no sentido de redução da inflação, sem levar em conta mais nenhum aspecto da sociedade e da política econômica”, diz.

Matesco, por sua vez, afirma que seria algo positivo dar mais autonomia ao Banco Central, que atualmente estaria tomando medidas contraditórias para combater a inflação. “Ele (BC) aumenta os juros para combater a inflação, ao mesmo tempo em que faz liberação do crédito e faz fortes intervenções na taxa de câmbio”, diz, indicando que estas ações geram efeitos opostos na economia.

Segundo ela, a falta de autonomia do BC só traz desvantagens para o Brasil e para o mundo. “Porque o poder público tem interesses diferentes do BC, que deve zelar pela moeda”.

Desburocratização e reforma tributária

Em geral, os três candidatos à presidência apresentam como diretrizes econômicas para os próximos quatro anos o compromisso com a simplificação tributária e a redução da burocracia.

Dilma, Marina e Aécio querem reduzir a burocracia | Foto: giganteconsultoria.com.br
Dilma, Marina e Aécio querem reduzir a burocracia | Foto: giganteconsultoria.com.br

O programa de Dilma Rousseff promete assumir o compromisso com o Brasil produtivo, através de políticas Industrial, Científica, Tecnológica e Agrícola que vão atuar para reduzir os custos de investimento e produção. Para isso, ela promete redução drástica da burocracia, diminuição dos documentos exigidos para a criação de empresas, que passa pela implementação de um cadastro único e a informatização do sistema. Promete também universalizar a cobertura do Simples Nacional (regime tributário diferenciado para micro e pequenas empresas) e a implantação da Redesim (Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios, sistema que busca simplificar a abertura, fechamento, alteração e legalização de empresas em todas as Juntas Comerciais do País).

O programa de Marina Silva prevê uma Reforma Tributária cujas diretrizes seriam: compromisso com a não-elevação da carga, redução dos impostos sobre faturamento de empresas, desoneração de investimentos e desarme da guerra fiscal.

Já o programa de Aécio Neves critica a alta carga tributária do país, mas não prevê uma proposta de reforma. Fala apenas em “simplificação do sistema tributário nacional, objetivando revisar as competências tributárias, unificando impostos e contribuições que incidam sobre a mesma base, com respeito aos princípios federativos”.

Redução da carga tributária é proposta comum aos três principais candidatos à presidência da República
Redução da carga tributária é proposta comum aos três principais candidatos à presidência da República

Para Scherer, a questão da simplificação dos impostos seria “bem saudável, mas não é essencial”. No entanto, ele alerta que as tentativas de desburocratização esbarram na estrutura criada em torno do emaranhado de tributos existentes. “O difícil é desmanchar determinadas máquinas que vivem e estão ligadas a este ritual burocrático. A gente tem todo um conjunto de instituições que vivem em relação a isso”.

Para Scherer, uma questão fundamental, que aparece pouco e de forma genérica nos programas, é a rediscussão da relação entre os entes federativos: “Um bom caminho seria dar uma certa liberdade um pouco maior para Estados e Municípios, que tirasse um pouco do engessamento dado pela Lei de Responsabilidade Fiscal”, diz o professor. Segundo ele, a LRF limitou a capacidade de investimento de Estados e Municípios.

Matesco também acredita que uma simplificação dos impostos seria possível e vê com bons olhos esta proposta diante de um cenário em que, segundo ela, um brasileiro levaria, em média, 107 dias para se abrir uma empresa. A economista também alerta que o Brasil voltou a perder posição no ranking mundial de competividade. Em 2014, o país caiu de 56º para 57º no ranking elaborado pelo Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês). “Ao pagar dez impostos no mês, você tem que ter um departamento só para isso. Se pagar um, facilita”, afirma a professora.

No entanto, ela afirma que é difícil acreditar que o governo tomará decisões nesse sentido. “Quanto mais você burocratizar, maior é o poder público. Para desburocratizar, você não precisa da máquina pública”, diz, acrescentando que não é possível acreditar que Marina e Aécio reduzam a carga tributária. “As receitas são poder para o poder público”.

Emprego

Em relação ao tema do emprego, a proposta do candidato Aécio Neves é de dar incentivos a empresas que mantiverem contratos de trabalho por períodos superiores às médias do seu setor, o que seria uma forma de combater o que o programa do PSDB chama de empregos de baixa qualidade e remuneração.

Aécio propõe dar incentivos a empresas que mantiverem contratos de trabalho por períodos superiores às médias do setor | Foto: Agência Brasil
Aécio propõe dar incentivos a empresas que mantiverem contratos de trabalho por períodos superiores às médias do setor | Foto: Agência Brasil

Scherer afirma o programa do PSDB está desconectado da realidade, uma vez que o Brasil passou por um enorme processo de formalização de empregos a partir de 2004. “O que cresceu foram contratos com carteira assinada, com direito a férias. Embora não sejam os maiores salários do mercado, tem muito emprego de um a três salários”.

Ele também afirma que a grande rotatividade no mercado de trabalho não tem origem em causas negativas, mas passa pelo fato de as pessoas encontrarem melhores salários em outros lugares. “Claro que é bom que as pessoas fiquem no emprego, mas ninguém pode impedir que as pessoas mudem de emprego em um mercado aquecido”.

Infraestrutura

No campo da infraestrutura, no programa da presidenta Dilma Rousseff destacam-se as propostas de priorizar os modais ferroviários, hidroviários e a navegação de cabotagem; a modernização de rodovias, portos e aeroportos e novas medidas para incentivar o investimento público-privado.

Dilma afirma que dará prioridade às hidrovias | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Dilma afirma que dará prioridade às hidrovias | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Em relação à questão das Parcerias Público-Privadas, um tema que também aparece com bastante frequência no programa de governo de Aécio Neves, Scherer concorda em termos com as críticas do candidato tucano de que o governo demorou para encontrar os termos ideais para estas parcerias e que o Estado não tem recurso para realizar todo o investimento necessário na área de infraestrutura, mas alerta que o Estado precisar ter recurso para investir “naquilo que for mais difícil e necessário”. “A questão da infraestrutura demorou muito para começar, mas já vem revertendo (no governo Dilma)”, afirma.

Para aumentar os investimentos em infraestrutura, tanto o plano de governo Marina quanto o de Aécio tem por ideia ampliar a participação dos bancos privados nos financiamentos a longo prazo. “Obviamente que isso não vai vingar no Brasil, porque nunca vingou e não vai vingar agora. Em teoria é uma coisa, na realidade dificilmente a gente teria um incremento do investimento”, diz Scherer. “Setor privado só vai fazer investimento com garantias ou com um investimento anterior do setor público”.

O programa da candidata Marina Silva também propõe implantar um programa de forte apoio da União a estados e municípios para a “construção de um total de, no mínimo, 1 mil quilômetros de vias para veículos leves sobre trilhos (VLTs) e de corredores de ônibus integrados (BRT) em todas as cidades brasileiras com mais de 200 mil habitantes”. Também propõe a expansão das malhas metroviária e ferroviária de cada uma das regiões metropolitanas em 150 quilômetros ao longo de quatro anos.

Marina quer construir no mínimo, 1 mil quilômetros de vias para veículos leves sobre trilhos | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Marina quer construir no mínimo, 1 mil quilômetros de vias para veículos leves sobre trilhos | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Agricultura

No campo da agricultura, as três candidaturas apresentam defesas semelhantes de apoio à agricultura familiar. Nesta área, destaca-se um projeto de Reforma Agrária proposto pela candidata Marina Silva. O programa dela propõe “solucionar os conflitos fundiários, assentando as 85 mil famílias hoje à espera de lotes”, e “incorporar à economia cerca de 1 milhão de famílias que vivem em minifúndios de agricultura de subsistência oferecendo-lhes assessoria técnica e crédito público subsidiado.

Apesar de Marina ser vista como inimiga do agronegócio por seu histórico no ambientalismo, Matesco acredita que, se eleita presidenta, ela deve suavizar a sua posição em relação à liberação de licenças ambientais e críticas ao setor.

Foto: Assessoria de Imprensa / Incafer
Foto: Assessoria de Imprensa / Incafer

“Se ela orientar a equipe para não liberar licenças ambientais para produção ou para qualquer indústria que venha para o Brasil, ou que queira ampliar os seus negócios, isso pode inibir investimentos nessa área”, diz. “Eu acho que ela não deve ser nenhuma irresponsável, porque a nossa grande vantagem competitiva está no agronegócio”, conclui Matesco.


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