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2 de setembro de 2014
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00:11

É junho de novo?

Por
Sul 21
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Antônio Escosteguy Castro*

A candidatura de Marina Silva foi catapultada ao status de postulante real à presidência da República, inicialmente, pela comoção decorrente da trágica morte de Eduardo Campos. A enorme cobertura de mídia daqueles acontecimentos, artificialmente aumentada, inclusive, porque a grande imprensa viu ali a efetiva oportunidade de garantir o segundo turno contra Dilma que lhe escapava, encontrou em Marina o papel apropriado, com sua figura messiânica, como a viúva política do presidenciável falecido. Tudo isso, mais um expressivo recall da eleição de 2010, só poderia ter como consequência um salto nas intenções de voto.

Mas passada aquela comoção, a consistência do processo de crescimento eleitoral de Marina, mesmo que não esteja nos níveis estratosféricos que lhe concedem algumas pesquisas, tem outras explicações. A candidatura de Marina parece ser o desaguadouro de uma insatisfação com a política e com o país da mesma cepa que deu origem às manifestações populares de junho de 2013. E nisto, paradoxalmente, repousam sua força e sua fragilidade. A força está em que se vê agora claramente que aquele mal-estar difuso de junho do ano passado não desapareceu, mas saiu das ruas e pode migrar para o voto em Marina. A fragilidade está em que aqueles movimentos de junho esvaíram-se ainda mais rapidamente do que haviam crescido, vitimados por suas inconsistências internas e pela eficaz reação do governo e dos movimentos sociais organizados. A onda Marina também pode esvair-se antes de 28 de outubro, quando teremos o decisivo segundo turno.

Em junho de 2013, a bandeira inicial da qualidade do transporte coletivo foi multiplicada exponencialmente, terminando no “contra tudo que está aí” que levou milhões às ruas. A falta de uma pauta mínima coerente, porém, e a chegada da violência, tolerada e até incentivada pelos grupos que comandavam os protestos, levou paulatinamente a seu esvaziamento. Mas os protestos não acabaram sozinhos. O Governo reagiu com uma série de propostas, diálogos e medidas e as centrais sindicais unificadas chamaram um Dia Nacional de Lutas, em 11 de julho, com pauta definida e progressista, tirando de vez os coxinhas das ruas. Sem uma reação política clara e propositiva, a tendência é que os protestos continuassem, embora menores.

Para açambarcar todo o “espírito de junho”, condição necessária para vencer as eleições, Marina deve manter-se na mais completa generalidade, assumindo o “contra tudo o que está aí”. Mas isto é muito difícil numa longa campanha presidencial. Se contarmos o segundo turno, que de fato parece estar garantido, são quase 60 dias de embates. E a cada dia, Marina tropeça num obstáculo. Dizer que o pré-sal, que pode nos render trilhões e resolver a educação no país, não é prioridade; igualar Neca Setúbal e Chico Mendes como membros da elite; negar que tenha sido contra os transgênicos; recuar no apoio à causa gay depois de levar um pito do Pastor Malafaia e por aí vai.

Mas apenas os eventuais tropeços de Marina não serão suficientes para tirar-lhe a vitória. Muito depende da forma como PT e PSDB reagirem a esta nova conjuntura eleitoral.

A tarefa do PSDB é hercúlea. Aécio Neves derreteu nas pesquisas com a ascensão de Marina e o partido corre o risco de sofrer uma derrota eleitoral que compromete seu futuro. Ficando fora do segundo turno, deixa de ser o grande pólo aglutinador anti-PT e pode ainda perder Minas Gerais e até São Paulo, se a crise da água agravar-se o suficiente para levar Skaff ao Palácio Bandeirante, situação que lhe deixaria na inanição política. Mas Aécio não pode jogar a toalha e deve estancar o movimento que tem feito setores ligados a Serra e aliados como Ana Amélia, aqui no RS, a afastarem-se de sua candidatura e aproximarem-se de Marina. Se os tucanos não fizerem pelo menos perto dos 20% dos votos, conseguirem uma expressiva bancada com seus aliados e ganharem no mínimo um grande estado da nação, perdem a liderança da oposição se Dilma for reeleita e provavelmente serão rachados com a cooptação de setores inteiros do partido por Marina se esta vencer . Está em jogo a sobrevivência do PSDB e Aécio tem pouco mais de um mês para convencer o empresariado e a classe média que é a alternativa confiável e segura ao PT, como começou a fazer no recente debate da Band ao anunciar desde já o queridinho dos bancos, Armínio Fraga, como seu ministro da Fazenda. No programa eleitoral do sábado (30/8), Aécio alterou sua estratégia e dialogou diretamente com os possíveis eleitores de Marina.

A candidatura de Dilma, neste primeiro momento não foi diretamente afetada pelo crescimento de Marina. A variação nas pesquisas ficou dentro da margem de erro e cresceram tanto a avaliação positiva do governo como o otimismo com a economia. Mas se a situação do PT não é de lutar por sua sobrevivência, é bastante grave, estando em sério risco uma eleição que há 30 dias parecia garantida.

A estratégia do PT, que esperava a polarização com Aécio, era comparar seus governos com os governos tucanos. Mesmo sendo verdade o dito popular que “eleição não se ganha com o passado, mas com o futuro”, o PT apostava em que o eleitorado se daria conta que um governo do PSDB seria a mera repetição das fórmulas de FHC e Malan. Esta estratégia não tem mais sentido, mas ainda comanda os programas eleitorais do partido. No mesmo sábado (30/8), o programa do PT era ainda a fórmula de mostrar obras, obras e mais obras de Dilma e então Lula aparecer para dizer que o segundo governo será ainda melhor. A adversária de Dilma agora é Marina e esta não tem um programa definido a ser comparado…

O que dá consistência à candidatura de Marina é novamente aquele sentimento difuso de mal-estar de junho passado e é isto que tem que ser enfrentado pelo PT. Os fundamentos concretos daquele mal-estar são a rejeição da juventude a um sistema político que apodreceu (e que o PT é visto como parte dele) e a busca das classes emergentes do período Lula/Dilma por mais qualidade de vida e, portanto, por melhores serviços públicos. Dilma, pois, tem de agregar à apresentação de suas realizações de governo (afinal, tem um latifúndio televisivo) uma resposta política eficaz à pauta que já está presente desde junho de 2013. Embora à época o governo tenha reagido bem, a maior parte daquelas iniciativas diluiu-se, com poucas exceções, como o Mais Médicos. A questão da Reforma Política tem que ocupar um espaço maior do discurso do PT e a generalidade de “os investimentos vão continuar” tem que ganhar a concretude do “vamos investir para melhorar a vida dos mais pobres”.

Mas não adianta o PT querer disputar um campeonato de promessas com a Sonhática. É impossível vencer a esperança no etéreo. Os projetos de futuro devem ser alicerçados na demonstração de que foi assim, pouco a pouco, com maioria parlamentar e social, que mudou-se o Brasil. No debate da Band de governadores no RS, Tarso Genro, num duelo com Robaina, do PSOL, foi claro e exemplar: o PT é um partido aliancista que obteve avanços porque negociou. Este choque de realidade deve nortear a confrontação com o projeto “não-político” de Marina. Uma diferença para as manifestações de junho é que uma eleição presidencial é um espaço muito mais afeito à racionalidade que um protesto.

Por fim, o PT não pode negligenciar a importância da crise deflagrada pelo jatinho da campanha do PSB. Há crime eleitoral confessado. Não há como alugar ou comprar um avião para comprovação posterior à eleição. E nossa legislação eleitoral é clara: pouco importa se o candidato mandou fazer ou se sabia. Basta ter se beneficiado da ilegalidade e isto é inconteste. É óbvio que a pressão da grande imprensa e de nossas elites, que agora veem em Marina a melhor chance de derrotar o PT, não irá tornar possível uma impugnação de sua candidatura. Mas a única forma de impedir esta impugnação é defender que a lei não se aplique para Marina. E este é um bom começo de onde mostrar ao povo de como será a tal de “nova política”…

*Advogado


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