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19 de setembro de 2014
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16:45

Combate ao preconceito está presente nos planos de três dos principais candidatos ao Piratini

Por
Sul 21
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Felipe Prestes

Homofobia, racismo e outras formas de discriminação não encontram eco na corrida ao Palácio Piratini. Pelo menos é o que diz o papel em que Ana Amélia Lemos, Tarso Genro e Vieira da Cunha escreveram seus planos de governo. O documento que José Ivo Sartori protocolou na Justiça Eleitoral é o único que foge à regra, sendo praticamente omisso em direitos humanos.

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Nesta matéria, o Sul21 analisa as propostas dos candidatos para LGBTs, negros. indígenas, jovens, idosos, mulheres, pessoas com deficiência, entre outros segmentos que sofrem algum tipo de marginalização na sociedade brasileira. “O Estado deu um passo grande com a criação do Sistema Estadual de Direitos Humanos (lei sancionada no início de 2014). Neste sistema estão previstas uma ouvidoria, um conselho, um controle externo mais efetivo das questões relacionadas aos direitos humanos. A grande questão para o próximo governo será o orçamento. Quanto os direitos humanos representam?”, questiona Virginia Feix, advogada e fundadora da Themis, ONG que trabalha gênero e direitos humanos desde 1993.

Desiguais devem ser tratados como desiguais, afirma Virgínia Feix, fundadora da Themis.
Desiguais devem ser tratados como desiguais, afirma Virgínia Feix, fundadora da Themis | Foto: Palácio Piratini

Feix relata que o Brasil é signatário de várias convenções relacionadas ao tema e que é preciso o auxílio dos estados para garantir que estes compromissos sejam cumpridos. Políticas afirmativas estariam entre as principais medidas que devem ser tomadas pelos governos para que isto ocorra. “Para combater desigualdades, é preciso tratar desiguais de maneira desigual”, afirma. A advogada ressalta que não basta apenas promover a inclusão pura e simples de segmentos que são historicamente excluídos. “Não é só o acesso, mas a manutenção. Pessoas com deficiência, por exemplo, são penalizadas se não houver uma adaptação das condições de trabalho”.

Sartori: participação privada no atendimento a medidas socioeducativas

O plano de governo do peemedebista propõe um Programa de Recuperação de Jovens Infratores. O programa teria parceria com o setor privado e três eixos: a “descentralização radical” da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase); o pagamento de uma bolsa em dinheiro para famílias de menores que cumprem medida socioeducativa e a parceria com “organizações sociais vocacionadas na gestão das casas mantenedoras e de apoio psicossocial a jovens em situação de risco e infratores”.

Sartori propõe pagamento de uma bolsa em dinheiro para famílias de menores que cumprem medida socioeducativa | Ramiro Furquim/Sul21
Sartori propõe pagamento de uma bolsa em dinheiro para famílias de menores que cumprem medida socioeducativa | Ramiro Furquim/Sul21

José Ivo Sartori não registrou em seu programa de governo nenhuma proposta para combater a homofobia, o racismo, a violência contra a mulher e o amparo ao idoso. Para pessoas com deficiência, a única política proposta está na área da educação, com a criação de um programa de apoio, qualificação de recursos humanos, contratação de profissionais com formação adequada e investimento em acessibilidade nas escolas.

“Nós somos muito abertos com relação a isto. O PMDB é o condutor da redemocratização. Compromisso com direitos é muito tranquilo para nós, por isso até nem houve a necessidade de colocar. Temos isso como uma espécia de consenso”, afirma João Carlos Brum Torres, coordenador do plano de governo de Sartori.

Virginia Feix critica a ausência dos direitos humanos na pauta do peemedebista. “Eu acho que no século XXI, depois de todo o desenvolvimento que a questão dos direitos humanos teve, com progressivas obrigações que o Brasil assumiu, é surpreendente que não tenha no programa essas propostas”.

Ana Amélia afirma combate “implacável” à homofobia

Em seu plano de governo, Ana Amélia Lemos demonstra uma linha de atuação bem diferente do que pensam correligionários, como o deputado federal Luis Carlos Heinze, que declarou em novembro do ano passado que “quilombolas, índios, gays, lésbicas” eram “tudo o que não presta”. Segundo o texto, “a violência praticada contra gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais será combatida implacavelmente”. Combater a discriminação a negros e indígenas é um “compromisso com a sociedade gaúcha”.

O plano de governo de Ana Amélia considera também um “dever do estado promover políticas públicas que atenuem as dificuldades enfrentadas pelas pessoas portadoras de deficiência”. Atenção especial teria a acessibilidade tanto em áreas públicas de responsabilidade do Estado e como no setor privado. Uma preocupação especial seria o acesso a transporte coletivo, e em atividades culturais, garantindo a acessibilidade de cinemas, teatros, entre outros locais relacionados. “São compromissos genéricos. Sem uma agenda, sem um conjunto de propostas, não se mostra tanto compromisso”, analisa Virginia Feix.

Programa de Ana Amélia afirma que “a violência praticada contra gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais será combatida implacavelmente” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Programa de Ana Amélia afirma que “a violência praticada contra gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais será combatida implacavelmente” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

O plano de governo também promete priorizar o combate à violência contra mulher, por meio de “uma rede que garanta proteção às mulheres”. O termo rede de proteção também é utilizado para as famílias. A “desagregação familiar” é tida como uma das causas para a grave situação social do país. A criação da Rede de Proteção à Família integraria e ampliaria ações nas áreas de assistência social, segurança alimentar, saúde, educação, segurança, esporte e lazer e saneamento básico. “Esta rede vai devolver a tranquilidade para as famílias gaúchas”, afirma o programa da progressista. A fundadora da Themis diz que é importante articular várias esferas de poder, mas que isto não é novidade. “Os direitos humanos passam por várias áreas, como educação e saúde. Essa articulação, contudo, já existe. Mas quanto mais se trabalhar transdisciplinarmente, melhor”.

Vieira promete prioridade aos jovens

Uma Política Estadual para a Juventude é um dos principais pontos do programa de Vieira da Cunha na área de direitos humanos. Deve haver uma interação com todos os órgãos do governo, em tudo o que envolver os jovens. Isto seria feito com a elevação da atual Coordenadoria de Juventude ao status de Departamento, vinculado diretamente à Secretaria da Justiça e dos Direitos Humanos. “O principal enfoque a ser trabalhado pelo governo nesta área é o combate ao desemprego juvenil”, afirma o documento.

Para o combate à violência contra a mulher, Vieira propõe uma “rede integrada de atendimento para as mulheres em situação de violência e seus dependentes, que reúna delegacias, casas abrigo, núcleos de defensoria pública, centros de perícias médico-legais especializados e assistência médica e psicológica”. Também seria feita uma capacitação dos profissionais que atuam no atendimento a mulheres vítimas de violência doméstica. “São medidas bem-vindas”, afirma Feix, ressaltando novamente que a integração entre setores já existe. “Isto remete ao bom funcionamento do Sistema Estadual de Direitos Humanos”, diz.

Para combater a violência contra a mulher, Vieira quer criar uma rede integrada de atendimento |  Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Para combater a violência contra a mulher, Vieira quer criar uma rede integrada de atendimento | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

O programa de Vieira da Cunha também propõe a adoção de políticas afirmativas para negros e imdígenas, sem entar em detalhes. “Os compromissos são os do partido. Para o PDT, direitos humanos são irrenunciáveis. Já na fundação do partido entendíamos que não era possível democratizar o país sem a participação das mulheres, dos negros. Isso começou a ser colocado em prática pelo PDT”, afirma Lícia Peres, fundadora da sigla e militante de direitos humanos.

Tarso defende atendimento humanizado do aborto legal

O programa de governo de Tarso Genro para direitos de minorias e proteção social é bem mais extenso que o dos demais candidatos. Cada grupo, como indígenas ou idosos, por exemplo, é contemplado com uma série de propostas, enquanto os demais candidatos tratam o tema de maneira bem mais enxuta.

Chama a atenção a questão dos direitos reprodutivos. O Ministério da Saúde, gerido pelo mesmo partido de Tarso Genro, revogou em maio a portaria 415, que incluía procedimentos para casos de aborto previstos em lei na tabela do SUS, entre outras regulamentações do tema. O plano de governo de Genro preconiza a “garantia de atendimento humanizado em toda a rede estadual para o aborto legal” e diz, de maneira dúbia, que “o Estado deve garantir a ampliação do serviço de aborto previsto em lei, como o reforço da portaria 415 do Ministério da Saúde”.

Tarso Genro tem como meta criar mais 20 patrulhas Maria da Penha  | Foto: Claudio Fachel / Palácio Piratini
Tarso Genro tem como meta criar mais 20 patrulhas Maria da Penha | Foto: Claudio Fachel / Palácio Piratini

Virginia Feix afirma que os paradigmas internacionais apontam para o aborto como questão de saúde, não de segurança pública. O aborto legal no Brasil se restringe apenas a casos de estupro, feto anencéfalo e risco para a gestante, o que é um erro para a advogada. Entretanto, ela ressalta que, em nível estadual, a proposta de Tarso Genro é a possível. “Há um tempo atrás, tivemos que fazer uma ação civil pública para o cumprimento do aborto legal em Porto Alegre. Precisa ser mais claramente acessível para as pessoas. Mesmo que um médico se declare impedido de fazer, os hospitais públicos precisam garantir a realização do procedimento. Estadualmente é o que se pode propor”.

Na questão do combate à homofobia, o plano de governo petista prevê “estimular o emprego formal para a população LGBT, principalmente para as travestis e transexuais, através de incentivos fiscais às empresas gaúchas” e a criação de editais da Secretaria de Cultura “a fim de resgatar a memória e a história do movimento com filmes, documentários e livros”. A doação de espaços públicos ociosos para ONGs que lutam por direitos dos LGBTs e a criação do Sistema Estadual LGBT para o combate à homofobia também estão entre as propostas.

Para o combate à violência contra a mulher, a meta é de criar mais 20 patrulhas Maria da Penha, programa criado no atual governo por meio do qual policiais fazem visitas regulares às mulheres que receberam medidas protetivas da Justiça. “Criaremos também o Mulher Trabalhadora, no qual integraremos programas do governo para que mulheres vítimas de violência sejam inseridas no mercado de trabalho. Direcionaremos, por exemplo, para o Pronatec”, destaca Marcelo Danéris, coordenador do plano de governo de Tarso Genro.

Feix afirma que medidas visando à inserção de mulheres vítimas de violência e de travestis e transexuais no mercado de trabalho são políticas afirmativas. “Pega um grupo social e promove tratamento diferenciado”.


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