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11 de agosto de 2014
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14:02

Bem-vindo ao Horário Eleitoral Gratuito!

Por
Sul 21
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Céli Pinto* 

Dia 19 de agosto começa o Horário Eleitoral Gratuito de rádio e televisão, que se estende até dois de outubro, três dias antes do primeiro  turno das eleições de 2014. Durante este período, a programação do rádio e da TV aberta será interrompida duas vezes ao dia para que os candidatos à Presidência da República, ao Senado, a Governador, à Câmara de Deputados e às Assembleias apresentem-se aos eleitores.

A lei garante dois blocos de 50 minutos na TV (às 13h e às 20h30min) e de  30 minutos no rádio (às 7h e ao meio-dia). A divisão do tempo tem duas metodologias: 1/3 é igualmente dividido entre coligações ou partidos, quando estes concorrem isolados. Por esse critério, em 2014, cada candidato à Presidência da República terá garantido  15min6s. Os 2/3 restantes são divididos de acordo com o número de deputados que partidos, coligados ou não, fizeram nas últimas eleições, no caso em 2010.  Em decorrência deste critério, na programação que começa nos próximos dias, os três principais candidatos  à Presidência da República terão os seguintes tempos: Dilma Rousseff, 11min24s; Aécio Neves, 4min35s; Eduardo Campos, 2min35s. Os demais candidatos terão tempos que variam entre 1min e 45s.

Com a aproximação do dia 19, volta à ordem do dia uma velha lenga-lenga contra o horário eleitoral, que passa primeiro pelos grandes meios de comunicação, que se sentem prejudicados em seus interesses comerciais com a alteração da grade de suas programações. Mas também há uma queixa espraiada entre a população, que vê seu cotidiano televisivo interrompido. O discurso é sempre o mesmo: todos os candidatos são iguais, prometem mundos e fundos que não cumprem, só sabem roubar, são corruptos, são ridículos, tudo é feito por marqueteiros, tudo é uma farsa.

Mas, se tudo é farsa, se ninguém assiste, por que os candidatos lutam tanto por coligações que garantam mais alguns segundos na TV e no rádio? Se o eleitor realmente não dá a menor importância ao horário eleitoral gratuito, por que então os candidatos disputam tanto alguns poucos segundos?

Gostaria de começar a analisar a questão da Propaganda Eleitoral Gratuita por uma afirmação: a propaganda é tão importante para os candidatos quanto para os eleitores, e mais, é uma conquista para a democracia. Ela existe em muitos países, com diferentes formatos. Em alguns, também é possível, além do tempo gratuito, comprar tempo de TV. Nos Estados Unidos, entretanto, todo o tempo é comprado. A gratuidade total, como no Brasil, é um princípio democrático  fundamental.

Todavia, se este modelo tem muitas qualidades, a lei em que se insere permite deturpações que não podem deixar de ser apontadas. É correto argumentar que os programas tornaram-se atrações televisivas de altíssimo custo, sendo um dos itens importantes para transformar as eleições brasileiras em uma das mais caras do planeta. Também é correto que o mundo do marketing e dos “assessores” dominam a cena,  onde imagens, músicas, apelos emocionais tomam o espaço do discurso com conteúdo político e programático. O valor exorbitante dos programas é resultado de campanhas eleitorais  que obedecem a uma lei que não impõe qualquer limite de gastos  legalmente comprovado. Os candidatos, já na inscrição, inflacionam o preço de suas campanhas, quando são obrigados a fazer uma previsão de gastos para depois buscarem  financiamento  a custo muito alto no mercado.

Mesmo reconhecendo que o Horário Eleitoral  Gratuito, ao longo dos anos, sofreu graves deturpações, ainda assim sobram-lhe qualidades para ser defendido como um componente positivo do processo eleitoral brasileiro. Elencarei duas, que penso serem as principais: a primeira é o simples fato de que, neste momento, os candidatos se dão a conhecer, ou, se já são conhecidos, se fazem lembrados. Apesar do marketing, das cenas piegas e músicas algumas vezes infames, os candidatos se mostram, dizem  a que vêm,  dão o tom de sua participação. Até um eleitor não muito atento à vida política, após duas ou três semanas de programação, é capaz de fazer algum juízo sobre os candidatos principais e apontar razões para críticas ou apoios. Muito pode ser visto em meio à parafernália televisiva.

Uma crítica muito comum é que, nos programas, aparece muita “baixaria”. Isto é verdade, mas o que também merece atenção é o fato de que elas não nascem nos programas, elas circulam  nas campanhas e , algumas vezes, são plantadas pelos agentes apoiadores de um ou outro candidato. Outras vezes, são boatos que aparecem fantasiados de notícias em um tipo de mídia pretensamente imparcial. O Horário Eleitoral Gratuito é o lugar para denunciar as baixarias, os boatos, as denúncias anônimas. Portanto, para os candidatos, é um espaço privilegiado, mas não o seria se o eleitor não desse credibilidade a  ele, e aí está a segunda razão da importância.

O Programa inaugura o tempo da política, é a partir dele que as pessoas começam a falar de política, a se informar sobre os candidatos, a pensar nas eleições. Conversar sobre política é fundamental para a democracia. Certamente o programa não é um campeão de audiência, mas também não é, de forma alguma, o fracasso que alguns grupos, principalmente da grande mídia, desejam fazer crer. A TV fica ligada, há sempre pessoas que viram e que comentam, elas podem não ver todos os dias, mas veem em alguns e, mesmo sem se darem conta, começam a participar de um debate público. O rádio é um companheiro de trabalho, de longas horas no trânsito, ouvido em todas as mídias.

Muitos leitores  podem estar pensando que  agora o importante não é mais a TV,  mas a internet, o twitter, o facebook, o whatsapp. Sem dúvida, nas próximas eleições, a presença destes meios será maior do que nunca, pois o crescimento do número de brasileiros com acesso à internet e ao celular é surpreendente, mas é um engano pensar que eles serão os grandes atores desta eleição. Há uma distância entre a expansão da internet, das mensagens no twitter e no  whatsapp e o uso cotidiano destes meios como forma de informação e mobilização.

Pesquisas mostram a importância que estas ferramentas tiveram nos eventos de junho de 2013, quando houve muita comunicação via celular e alguns blogs e páginas de Facebook, nacionais e internacionais, articularam muitas das ações. Mas como isto se converteria em ferramenta na propaganda eleitoral?

Para responder a esta pergunta, não se pode perder a dimensão do tamanho do eleitorado brasileiro, em relação aos usuários de ferramentas da internet, como meio de informação e discussão de temas públicos. Somos 141 824 607 eleitores aptos a votar em 5 de outubro de 2014, segundo os dados do TSE.  O entusiasmo com a internet e suas ferramentas pode levar a certa confusão entre mandar fotos e selfies, marcar encontros, trocar frases melosas de autoajuda, na maioria das vezes falsificando autores, com um uso habermasiano do espaço público. Certamente há uma enorme potencialidade a ser explorada pelos usuários da internet, mas isso, parece, ainda ficará no campo potencial.

Mesmo reconhecendo que parte dos usuários esteve  envolvida em debates públicos nos eventos de junho de 2013 no Brasil, é preciso ter clareza de que os grupos  de  jovens que participaram entusiasticamente negavam  as instâncias da democracia representativa, que tem nas eleições o momento máximo de participação. Nos blogs e páginas de Facebook do Movimento Passe Livre,  do Black Block, dos Anonymous  e do Bloco de Luta, por exemplo, há posições radicais de crítica à política e à representação com é facilmente perceptível no texto atual do blog do Bloco de Lutas: “Às vésperas das eleições e em meio a um momento de tensão e forte repressão estatal e policial – a Copa do Mundo – o Bloco de Lutas mostra com esse evento a possibilidade de fazer política de maneira diferente, por fora dos velhos instrumentos eleitorais e representativos, que priorize a organização desde baixo e o debate com a população na construção de projetos de iniciativa popular.” (http://blocodeluta.noblogs.org acessado em 9 de agosto 2014).

Em síntese, nada leva a pensar que os grupos que se mobilizaram no ano passado tenham qualquer importância em mobilizar o eleitor em 2014. A profícua discussão que acontece via internet busca novas formas de participação, alargamento da inclusão, reconhecimento e não, luta por voto na urna. Portanto, sem desprezar as novas mídias, elas não deverão ser o principal  canal, de instauração do tempo da política. O debate ainda será muito centralizado no Programa Eleitoral Gratuito de rádio e televisão e nos debates entre candidatos, mas isto já é tema para outro artigo.

* Cientista Política, professora do Departamento de História da UFRGS

 


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