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1 de agosto de 2014
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14:45

A sugestão de um eleitor aos candidatos

Por
Sul 21
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A sugestão de um eleitor aos candidatos
A sugestão de um eleitor aos candidatos
Aécio Neves: fugindo das perguntas | Foto: www.telemaniacos.com.b
Entrevista de Aécio Neves à GloboNewss: Renata Lo Prete adotou postura mais incisiva somente no segundo segmento | Foto: www.telemaniacos.com.b

Maria Wagner*

Muito já se falou da imprensa como “quarto poder”. Um elogio? Não. Uma acusação. Quando presidente, José Sarney teria sido informado pela Rede Globo sobre a escolha de um novo ministro para uma das pastas. Esse era um dos muitos comentários da época. Sobre a mesma Globo se diz, até hoje, que ela garantiu a vitória de Fernando Collor de Mello sobre Luiz Inácio Lula da Silva quando explorou de forma desabrida um fato particular da vida do então metalúrgico: a existência de uma filha indesejada. Pior: segundo acusaram, ele teria sugerido que a mãe recorresse a um aborto.

Feita hoje, uma revelação desse tipo teria o mesmo efeito? Penso que não. Mas a imprensa continua se acreditando “quarto poder”, na medida em que segue cutucando o conservadorismo que persiste nos corações e mentes dos eleitores, entre os quais há quem preferiria viver num sistema de castas e se ressente do acesso mais democrático a benefícios como, por exemplo, uma viagem aérea para quem até então tentava a sorte viajando em pau-de-arara. Então se dá vitrine a declarações que remetem à fúria endereçada a Getúlio Vargas na primeira metade do século vinte, quando mexeu com os interesses de grandes empresas e proibiu o trabalho infantil nas fábricas. Uma delas, a paulista Matarazzo.

Visto por essa gente, Getúlio era inimigo do capital. Uma década depois dele, a história se repetiu com João Goulart, que ousou defender a necessidade de uma reforma agrária no País. É comunista, disseram os que estavam de mãos dadas com os militares no golpe de 1964 e sentem saudade da cadência que há na marcha deles. O que incomoda agora é o dinheiro que o governo joga fora, segundo dizem, em programas como Bolsa Família. Puro assistencialismo. Essa é a acusação. Inclusive de Aécio Neves, candidato do PSDB à presidência, embora ele já tenha dito também que vai mantê-lo, com algumas necessárias mudanças. Quais?

Quando perguntado, não diz. Foge. Também em outros assuntos. Foi assim na GloboNews, em entrevista à jornalista Renata Lo Prete. Logo de saída, na resposta ao primeiro questionamento, ele foi absolutamente evasivo. Fiquei à espera de uma reação de Renata; que tomasse as rédeas do programa e repetisse a pergunta: “O senhor critica o número de pastas do atual governo e afirma que vai reduzi-lo. Quais serão extintas?”. Afinal, jornalismo se faz com lógica, sim, mas também com uma boa dose de psicologia. Meu raciocínio: se um candidato à presidência do País aponta exagero na administração em andamento e o considera grave desperdício de dinheiro público deve saber onde o abuso acontece. Então deve saber também o que deverá cortar se assumir o cargo.

Mas foi somente no segundo segmento da entrevista que a jornalista adotou uma postura mais incisiva. Então transformou as acusações de Aécio Neves ao PT em tiro no pé, fazendo uso delas para expor contradições: ele apoiou a criação do Solidariedade, mas condena o que considera excesso de partidos no Brasil; acusa Dilma de solapar o setor energético, mas absolve Fernando Henrique Cardoso de responsabilidade no apagão ocorrido durante o governo dele; afirma que, no seu primeiro dia no governo, vai criar uma secretaria para simplificar o sistema tributário, mas condena o excesso de ministérios no governo Dilma; e o mensalão é pecado do PT, mas o escândalo dos trens – o trensalão – no governo do PSDB em São Paulo não pode ser computado ao partido. Quando sentiu a mudança do clima, o tucano apelou ao clássico “me deixa falar”.

A jornalista deixou. E ele continuou dizendo o equivalente a nada já que o foco da entrevista era a sua proposta de governo. Àquela altura dos acontecimentos, a Folha de S. Paulo ainda não havia denunciado os benefícios endereçados aos aeroportos em terras da família dele quando estava no governo de Minas Gerais. Agora, quando questionado, apenas diz que “está tudo esclarecido”. Está mesmo? Na GloboNews, a única pergunta que respondeu sem tergiversar foi esta: “Sua candidatura à presidência é uma questão circunstancial ou de destino? ”. E, claro, ele se acredita predestinado. Com a bênção de Tancredo Neves. Será que isso é suficiente? Para mim, como telespectadora, o programa mostrou que, para ombrear com o avô na política, ele ainda precisa vencer inimigos na própria trincheira: a falta de consistência e a falta de um projeto.

Mas ele recebe apoios. Não sei, por exemplo, se o alerta expedido na semana passada pelo banco Santander estava programado para lhe dar uma ajuda, mas foi assim interpretado. Difícil imaginar que tenha outra finalidade – em plena campanha eleitoral – o comunicado no qual uma instituição bancária afirma que a eleição de determinado candidato será prejudicial aos interesses de clientes com rendimentos acima de R$ 10 mil, ainda que eles sejam uma parcela pequena do eleitorado.

Crime eleitoral? Essa pergunta foi feita. Mas a imprensa tradicional, essa que se tem como “quarto poder”, não deu muita importância ao fato. Foi discreta, na medida do que lhe permitem seus interesses. E provavelmente teria silenciado por completo se as redes sociais não tivessem caprichado no barulho que fizeram. Da mesma forma, é de duvidar que, sem esse barulho, o presidente do banco tivesse pedido desculpas a Dilma e que a culpa do malfeito tivesse custado o emprego ao analista autor do texto. Aliás, isso é algo em que não acredita quem sabe que nenhuma vírgula ou suspiro sai desse tipo de empresa sem o aval de quem a comanda.

De resto, o “quarto poder” está em franco declínio. É o que me dizem as pessoas com as quais converso nos parques e ruas. Elas se dizem descrentes em relação ao que ouvem, leem e veem nos veículos de comunicação. “Há muito interesse em jogo”, afirmam. Foi assim de novo nesta quinta-feira (31), quando voltava de Gramado e meu vizinho no ônibus fez uma observação interessante sobre quem está na disputa nessa campanha eleitoral: “Essa gente vai aos debates e deita falação sobre dívida pública, reforma tributária, reforma política e por aí vai, mas a maior parte do eleitorado nem sabe o que é isso tudo”. Na opinião dele, os candidatos estão perdendo tempo. Conseguiriam melhores resultados se vendessem seu peixe nas telenovelas e, claro, em linguagem adequada a esse público. Era só o que faltava.

*Jornalista


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