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14 de agosto de 2014
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15:04

A questão econômica na sucessão presidencial

Por
Sul 21
[email protected]

Paulo Timm*

Amicus Plato, sed magis amica veritas (Platão é amigo, porém a verdade é mais amiga – Provérbio)

“O desenho de estratégia de desenvolvimento proposto está baseado nas ideias de existência de três frentes de expansão (consumo de massa, recursos naturais e infraestrutura) e de relevância de se acionar dois “turbinadores” desses motores do desenvolvimento (inovação tecnológica e encadeamentos produtivos tradicionais)”.
Ricardo Bielschovski, Economista UFRJ

“Crescimento acelerado? Dificilmente se repetirá” diz Conceição Tavares. “O ‘milagre econômico’ ocorreu em um período de instalação da indústria. Depois de instalada, esses saltos econômicos não se repetem.”
Luis Nassif in Conceição: o fim do desenvolvimentismo e a democracia social (29/07/2014)

Deflagrada a campanha eleitoral, tudo vem à tona, mas os especialistas são unânimes em reconhecer a primazia da questão econômica na preferência dos eleitores, no que tange, em primeiro lugar, ao emprego, e a seguir à inflação e ao crescimento econômico. E aqui situam-se tanto o principal trunfo da Presidente Dilma, candidata à reeleição pelo PT, pelo conjunto da obra petista ao longo dos três últimos mandatos, somando a criação de 5,4 milhões de novos empregos (I), quanto seu maior flanco (II): a perda de dinamismo na economia no seu período presidencial, só comparável aos medíocres indicadores dos períodos de Floriano Peixoto, Prudente de Moraes e Collor de Mello, e por isso mesmo objeto de escárnio da Oposição, embora o do turno FHC não tenha sido muito melhor (Governo Dilma e o desempenho da economia brasileira: Mediocridade esférica, de Reinaldo Gonçalves, publicado em 27/2/2014)

O trunfo

 

PAULO TIMM - N ÚMERO DOS GOVERNOS FHC, LULA E DILMA

O flanco

O boletim Focus do Banco Central, que concentra as estimativas dos economistas das mais de 100 instituições financeiras do País, rebaixaram pela décima semana seguida suas perspectivas para a expansão da economia brasileira em 2014. No boletim divulgado na segunda-feira (4), a previsão para o Produto Interno Bruto é de que ele crescerá 0,86% no ano, 0,04% a menos do que era estimado na semana passada (alta prevista era de 0,9%). No dia 2 de junho, os analistas do mercado afirmavam que o PIB brasileiro fecharia 2014 em 1,63%. Em dez semanas, esse índice caiu 0,77%. [Blog Álvaro Dias – PSDB/PR]

Apesar da importância do tema, porém, ninguém deu muita atenção ao debate realizado pela Globonews com representantes dos três candidatos com maiores índices nas pesquisas, no dia 27 de julho. Apesar de ter assistido à entrevista, como parte da cobertura da emissora às Eleições 2014, tive dificuldade até para encontrar avaliações e suas repercussões na imprensa. Rigorosamente, dá a impressão de que nem houve. Exceção digna de nota: Debates na Globonews sobre programas de governo: políticas econômicas.

Mas por que isto acontece, se economia é um assunto chave da campanha?

Primeiro porque economia é sempre um tema árido, como um trator. Todo mundo fala dela nos bares e encontros informais, reclamando do aumento dos preços e, eventualmente, das dificuldades para achar emprego compatível com as expectativas, mas quase ninguém lê com atenção as páginas especializadas da imprensa. Os jornalistas arredondam um pouco a bola, não sem cometer deslizes que, na medicina, levariam o paciente ao óbito, mas quando ela chega aos economistas… Que horror!

Mas, no caso do debate com os representantes dos candidatos, houve outro problema: apesar das credenciais dos presentes, todos ilustres desconhecidos do grande público. Se nem Aécio e Eduardo Campos (morto em acidente aéreo na quarta-feira, 13) são conhecidos, imagine seus “quadros”, indicados para falar sobre seus respectivos programas econômicos. E aqui nem a Dilma escapou: meio indecisa sobre quem indicar, acabou apontando um ocupante de alto cargo no Ministério da Fazenda – Secretário de Política Econômica – Márcio Holland. Alguém, algum dia, ouviu este nome ou sabe quem é ele? Duplo erro da presidente num tema tão delicado: indicar um nome desconhecido que, ainda por cima, é servidor de confiança do Estado, misturando a campanha eleitoral com a gestão do Governo. Mas os indicados pelos outros candidatos não deixam por menos, são igualmente desconhecidos: Mansueto Almeida, por Aécio, e Eduardo Gianetti da Fonseca, por Eduardo Campos, ambos, aliás, tanto quanto Holland, brilhantes profissionais. Por que não Maria da Conceição para defender a candidatura Dilma, Armínio Fraga para defender a de Aécio e Lara Resende para defender a de Eduardo Campos? Eles dariam mais audiência e suítes ao programa.

Por fim, o pior: não disseram nada sobre o que seus candidatos à presidência pretendem fazer no caso de vitória. Mantiveram no debate o mesmo clima político da campanha: Márcio defendendo os bons resultados do período petista, com os usuais refrões de que está tudo bem no contexto da crise internacional, os dois outros, representando a oposição, tratando de questionar o otimismo governista. Márcio, piorando ainda a situação, traz à tona, com sua presença uma questão polêmica, que dá arrepios à velha guarda desenvolvimentista: Ocorre que Maria da Conceição Tavares, ícone do PT, tem dito, junto com outro ex-colaborador do Governo petista, Marcos Lisboa (Entrevista a IstoÉ, de 18.7.2014),que este conceito – desenvolvimentismo – “deu errado” e está liminarmente superado. Ela, Conceição Tavares, aliás, tem ido até mais longe, sempre com a sinceridade que lhe é peculiar, na avaliação da crise: Ninguém come PIB…!: Acrescentou, em entrevista a Luis Nassif, publicada em sua coluna em 29/7/2014, que não temos mais saída pelo lado do fortalecimento industrial e tecnológico; que não teríamos como concorrer com os asiáticos. Por lealdade intelectual na reavaliação da economia brasileira (epígrafe) ou por afinidade política – jamais interesses vis – esquece tudo o que a Cepal, os estruturalistas, a esquerda histórica deste país – e ela própria — sempre defenderam.

Vale a pena, pois, perscrutar nas águas mais profundas da superfície já conturbada da economia brasileira, onde há mais turbulência do que se poderia imaginar.

Retrospectivamente, pode-se resumir o debate histórico sobre os princípios que devem orientar a Política Econômica em países capitalistas, desde os anos da Grande Crise de 30, em duas vertentes: uma clássica – ou neoclássica, ora renomeada como neoliberal — , que vê no mercado, livre de interferências estatais, o espaço ideal para a realização dos instintos animais dos empreendedores, cada vez mais polarizados por grandes corporações financeiras multinacionais; outra, dita keynesiana, porque inspirada na obra de Sir Maynard Keynes, nos países desenvolvidos ou, sugestivamente, desenvolvimentista nos países mais atrasados, que vê no Estado o mecanismo decisivo para obtenção do pleno emprego e crescimento da economia. A inspiração keynesiana no mundo ocidental prevaleceu, grosso modo, desde o New Deal do Presidente Roosevelt, na década de 30 nos Estados Unidos, estendendo-se à Europa Ocidental no pós-guerra como um instrumento decisivo do Estado de Bem-Estar numa Economia Social de Mercado.

Economia Social de Mercado

Na economia social de mercado, juntam-se dois princípios básicos: o liberalismo e o socialismo. O liberalismo — com o qual chegou-se a acreditar, por um tempo, que a mão invisível conseguiria resolver todos os problemas econômicos de um país — e o socialismo, que optou por planejar, centralizadamente, todos os detalhes da vida econômica dos países onde foi implantado. Ou seja, o laissez-faire de um lado e o autoritarismo de outro.

A economia social de mercado busca um meio termo entre o socialismo e o capitalismo, ou seja, é uma economia mista e objetiva manter simultaneamente altos índices de crescimento econômico, baixa inflação, baixo desemprego, boas condições de trabalho, seguridade social, e serviços públicos mediante a aplicação controlada da intervenção estatal.

Respeitando basicamente os livre-mercados, a economia social de mercado se opõe tanto às economias centralmente planejadas como ao capitalismo de tipo laissez-faire, ou fundamentalista de livre mercado.

O termo Soziale Marktwirtschaft (economia social de mercado, em alemão) foi criado em 1946 na Alemanha por Alfred Müller-Armack e foi o regime econômico adotado por esse país, no pós Segunda Guerra Mundial.

Para dar à economia a maior liberdade possível, permitindo que a mão invisível do mercado funcione (onde ela funciona, e para os que nela ainda creem) surgiu a idéia de “o tanto de estado necessário, o mínimo de Estado possível”. Isso difere, num ponto crucial, da monarquia, porque essa não leva em consideração o tanto de Estado necessário. (Stiglitz não acredita na existência de uma mão invisível, na maioria dos casos: (…) “a razão pela qual a mão invisível é invisível é por que ela não existe ou, quando existe, está paralítica”)11 Joseph E. Stiglitz, na introdução à sua Aula Magna, por ocasião do recebimento do Prêmio Nobel (Estocolmo, 8 de dezembro de 2001)…

Para que isso funcione, o Estado precisa criar um marco legal eficiente, o que é fundamental para qualquer tipo de negócio. E se faz necessário que os membros do Poder Judiciário e do Poder Legislativo sigam rigorosamente o marco legal. A corrupção corrói esse marco legal e traz prejuízos incalculáveis para o desenvolvimento econômico de um país.

O Estado precisa assegurar a livre competição e a estabilidade monetária, através de instituições de controle e regulação. Somente assim o mercado será capaz de funcionar e criar preços relativos reais e eficientes.

A pessoa economicamente inativa, seja por sua idade, seja por doença ou desemprego, precisa de segurança social. Isso deixa não só o cidadão, mas toda a sociedade, mais tranquilos e melhor equipados para produzir, na sua vocação. (Desenvolvimentismo, definido pela Wikipedia)

Desnecessário dizer que a primeira abriga o conservadorismo, sem que isto signifique necessariamente opção por retrocesso, mas que ampara empresários e políticos mais tradicionalistas, enquanto a segunda, tem se oferecido como inspiração aos reformistas sociais com ênfase no Estado empreendedor e promotor da industrialização que entende a cidadania não como uma graça constitucional mas como uma construção social. Claro, também, que não bastam inspirações para fazer um bom Governo, assim como um galo sozinho não faz uma madrugada. Tudo depende de um processo de gestão que implica criação de consensos de governabilidade, criação de suportes institucionais e culturais para uma ou outra alternativa, além da capacidade administrativa para implementá-la dentro dos cânones republicanos. Tampouco um bom arco garante o lance certeiro…

É comum encontrar nas páginas de jornais e em artigos acadêmicos um embate entre os chamados economistas neoliberais e os desenvolvimentistas. Em linhas gerais, os neoliberais são taxados de “cabeças de planilha”, que acreditam ingenuamente em um mercado que se autorregula, na abertura comercial, na liberalização do fluxo de capital e dão importância excessiva aos fundamentos econômicos.

Os desenvolvimentistas seriam aqueles que acreditam no papel regulador do Estado, na proteção do mercado para fomentar a indústria doméstica, defendem a redução da taxa de juros e não veem restrições ao crescimento que não sejam a falta de ação do governo.
(Mansueto Almeida – Valor Econômico – 30 setembro 2011)

O Brasil sepultou na Revolução de 1930 a hegemonia liberal que vigorara desde a proclamação da independência e optou por uma alternativa que ficou conhecida como nacional-desenvolvimentista até 1980, mesmo nos hiatos autoritários de 1937-45 e 1964-1985, com a única exceção do curto lapso de Roberto Campos no comando da economia de 1964 a 1967. Entre 1952 e 1980 viveu o auge deste modelo, como se pode ver no livro publicado pelo BNDES, coordenado por Maria de Conceição Tavares, sob o título “Os anos dourados do desenvolvimento”. Isto garantiu ao país uma invejável performance econômica, ancorada na substituição de importações de produtos industriais, o qual operava como modelo internacional para a superação do subdesenvolvimento: não apenas elevadas taxas de crescimento do PIB, como montagem de um processo de industrialização com simultâneo crescimento demográfico concomitante à maciça transferência de população do campo para as regiões metropolitanas em processo de mudança. Com ele consolidamos uma posição precoce entre as dez maiores economias do mundo e demos o impulso para chegar ao final do século XX com cerca de 200 milhões de habitantes. Dois imensos trunfos. Mas que deixaram em aberto muitas questões: a dependência tecnológica e financeira do exterior como ferida profunda da soberania, as profundas disparidades de renda nos níveis regional e pessoal, as distorções setoriais, aí incluindo os déficits públicos recorrentes, com inevitável impacto nos preços finais dos produto e na dívida dos governos em seus três níveis.

Quando chegamos aos anos 90 havíamos atravessado a década perdida dos anos 80, soterrando não só o Milagre Brasileiro, mas também a Teoria do Desenvolvimento que o sustentara, assim como algumas das principais Agências internas de planejamento público que o promoveram: Governos Figueiredo e José Sarney… A economia havia estagnado internamente, pressionada por uma inflação galopante a reboque de uma dívida externa impagável, no exato momento em que a economia mundial sofria uma brusca reorganização com forte aumento da concorrência que levaria à perda da liderança incontestável dos Estados Unidos. Sobrevieram como resposta o Consenso de Washington, em 1989, que impunha severo retorno às fórmulas de desregulamentação dos mercados, sob inspiração agora denominada de neoliberal, seguindo recomendações de celebrados economistas como Milton Friedman e Hayeck que encontrariam eco no Brasil nos Governos Collor e Fernando Henrique Cardoso. O Brasil escancarou com eles suas portas à concorrência internacional, na expectativa de que a concorrência criasse uma economia mais sólida e compatível com um regime de preços estáveis. Com eles privatizou muitas de suas grandes estatais, como Vale do Rio Doce e Telebrás, dominou a hiperinflação, criou novos instrumentos de Gestão e Responsabilidade Fiscal, mas mourejou numa relativa estagnação, à falta de resposta, seja da indústria, seja do agro-business. Nada fez também na área social, deixando a grande massa de assalariados à míngua de uma elevação maior ainda dos desníveis de renda.

PULO TIMM - PARTICIPAÇÃO DAS RENDAS
Publicado por Reinaldo Del Dotore – FB

Enquanto isto – ou por isso mesmo – a inércia da força ideológica do nacional-desenvolvimentismo, agora fortalecida pelo crescimento de forças políticas organizadas em torno de sindicatos e centrais mais fortes, partidos populares a eles associados mais competitivos, com forte penetração na Academia, mantém acesa a crítica ao neoliberalismo. O desenvolvimentismo, em novas versões, mas sempre como a política econômica baseada na meta de crescimento do PIB com eixo na produção industrial e da infraestrutura, com participação ativa do Estado, como base da economia e o consequente aumento do consumo, volta à tona na inauguração do Governo Lula, em 2003 (mesmo que este, num primeiro momento o subordine ao tripé de sustentação dos “fundamentos econômicos”, herdados do Governo FHC: regime de metas de inflação, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal):

Trata-se, porém, de uma fase de produção intelectual nas questões do desenvolvimento muito distinta da anterior. A literatura desenvolvimentista prévia a 1980 tinha como foco um padrão comportamental da economia brasileira que era possível identificar com razoável clareza. A temática debatida circunscrevia-se, em essencial, a processos históricos inscritos em uma lógica de transformação econômica perfeitamente identificada e entendida como de longo prazo: a industrialização. Foi, portanto, de modo geral, uma produção intelectual engajada na análise e discussão de tendências sobre as quais parecia haver certa previsibilidade. Também, dinamizada por formulações e debates entre visões favoráveis e contrárias sobre a forma como estavam ocorrendo e sobre as políticas econômicas aplicadas.

Quando aquele padrão de desenvolvimento desarticulou-se na entrada dos anos 1980, por força da crise da dívida e instalaram-se aguda instabilidade macroeconômica e relativa estagnação no nível de atividade, passaram a prevalecer incertezas e perplexidades com relação às tendências a médio e longo prazos dos setores produtivos.
Ricardo Bielchovski – cit

A ousadia do Presidente Lula, porém, em compatibilizar a ortodoxia, garantida pela presença de Henrique Meirelles na Presidência do Banco Central e Antonio Palloci no Ministério da Fazenda, firmada na “Carta ao Povo Brasileiro”, de 2 de junho de 2002, com uma forte flexibilização das Políticas Sociais, tanto no que se refere às transferências diretas às famílias mais carentes – Bolsa Família –, quanto na elevação do salário mínimo acima da taxa de inflação, anima o debate sobre um novo modelo econômico para o país.

PAULO TIMM - GASTO SOCIAL

Verdade que o debate é mais forte fora do que dentro de um governo que prefere surfar pragmaticamente numa conjuntura externa favorável, graças à emergência da China como compradora de commodities, com favorável impacto ao balanço de pagamentos, a partir de 2002-2003, como demonstra Maurício David , RJ:

“Em 2001, o café estava sendo vendido a US$ 964 a tonelada; no ano passado, foi a US$ 4.463. Para 2012, a previsão é de que o preço seja de US$ 4.600.

A soja, que no ano passado chegou a US$ 495, era vendida a US$ 173 em 2001. Em dez anos houve um aumento de 186%.

O Açúcar saiu de US$ 197 a tonelada para US$ 573, e este ano o preço previsto é de US$ 530.

Carne bovina saiu de US$ 2.006 para US$ 5.077 em dez anos, e este ano a previsão é ficar em US$ 5.000.

Minério de ferro deu um salto de US$ 18 para os US$ 126 do ano passado.

O Brasil foi muito beneficiado pelo boom de commodities. Isso produziu um salto impressionante nas receitas com esses produtos:

– de café, o Brasil tinha receita de exportação de US$ 1,2 bilhão e foi para US$ 8 bi.

– a soja saiu de US$ 2,7 bilhões para 16,3 bi entre 2001 e 2011. Para 2012, a previsão da AEB é que não chega a US$14 bilhões.

– de açúcar e açúcar refinado, o Brasil vendeu US$ 2,2 bilhões em 2001, e US$ 5,8 bi no ano passado.

– no minério de ferro, deu um salto fenomenal, de US$ 2,9 bilhões, em 2001, para US$ 41,8 bi no ano passado, 14 vezes mais.

Em 2012, a previsão é de US$ 332,6 bilhões de exportações totais. Nesse período, houve aumento da quantidade exportada também, porque a demanda cresceu, mas o preço subiu mais rapidamente.

PAULO TIMM - COMMODITIES

Esta brusca mudança no panorama internacional e a rápida resposta da economia brasileira ao boom de preços das commodities representa um solo fértil para uma nova rodada de discussões sobre o desenvolvimento.

Ainda que os progressos em tal direção ainda tenham sido relativamente lentos, já é possível discernir alguns avanços na última década, tanto na discussão sobre uma macroeconomia para o desenvolvimento – importante tema não tratado neste artigo, como observado na seção introdutória – quanto na apresentação de ideias sobre desenvolvimento desde o ponto de vista da alocação de recursos para transformação estrutural da economia (…)

Os candidatos a organizadores de um projeto nacional de cunho desenvolvimentista no período foram três:

i)Crescimento da renda pela via do consumo de massa (PPA 2004-2007);

ii) Investimentos em infraestrutura (PAC);

iii) Inovação (PITCE, PDP, Plano Brasil Maior)
Ricardo Bielschowsky (Economia e Sociedade, Campinas, v. 21, Número Especial, p. 729-747, dez. 2012.)

O desenho do novo desenvolvimentismo emerge, então, com base em três pontos germinativos, na expectativa de que daí decorresse um padrão autossustentado de crescimento no longo prazo: consumo de massa (mercado interno), recursos naturais (exportações) e infraestrutura (economias externas), cada um deles sujeitos a dois “turbinadores”, na feliz expressão de Bielchowski: inovação tecnológica e encadeamentos produtivos tradicionais. Mas cedo este pensamento suscitava dúvidas entre os próprios desenvolvimentistas:

A tradição estruturalista cepalina de Raúl Prebisch e Celso Furtado faria, provavelmente, alguns questionamentos básicos a essa formulação. Perguntaria, por exemplo, o que o Estado está fazendo para planejar e garantir a operação satisfatória dos três motores do desenvolvimento. Em sua atual fase neoestruturalista, estenderia a pergunta ao foco dos investimentos em segmentos produtivos de alta densidade tecnológica e em inovação nas empresas atuantes no país. Perguntaria, ainda, se a transformação ensejada pela dinâmica dos três motores conseguiria eliminar a profunda heterogeneidade estrutural ainda existente e em que prazos.

Provavelmente, recomendaria também que, no atual período de bonança em relação a reservas externas e preços de bens intensivos em recursos naturais, o país não cochile e busque uma autonomização externa mais definitiva fazendo isso por meio da diversificação produtiva e exportadora e da incorporação do progresso técnico na indústria e restante da estrutura produtiva nacional.

Por certo, lembraria ainda que há elementos críticos de qualquer processo de desenvolvimento ausentes do ensaio como educação, políticas sociais, integração regional e harmonia territorial, sustentabilidade ambiental e reformas institucionais.
(Bielschovski, R. – citado)

Aí caiu a casa, com a quebra do Lehmann Brothers, nos Estados Unidos, evidenciando a bolha financeira a que aquele país estava exposto. A irrupção da crise de 2008 foi impactante para o governo brasileiro, para a economia e para todos os que estavam a repensar a sociedade brasileira. Isto tudo acabaria trazendo a questão do desenvolvimentismo para o centro dos debates, inspirando diversas instituições à mobilização de ideias e forças em sua defesa. Todos se indagavam: Onde estamos? Para onde vamos? O governo teve a felicidade de responder sem medo à crise, embora no início a tomasse como uma “marolinha”. De uma forma geral atuou keynesianamente de forma a manter o nível de demanda efetiva, através da potenciação da oferta de crédito pelas instituições oficiais, reforço das transferências às famílias no bojo da elevação dos Gastos Sociais e elevação dos gastos públicos. Com a vitória e posse de Dilma, em 2011, mesmo com algumas tentativas de saltar do “tripé dos sólidos fundamentos” para um novo “tripé desenvolvimentista”, com base no PAC II, na tentativa de redução dos juros e interferência no câmbio, percebida com preocupação pelo “mercado”, pouca coisa mudou, a não ser a reversão de expectativas no mercado mundial, com a queda nos preços das commodities e a valorização do dólar, em decorrência da recuperação da economia americana.

As ações e declarações das autoridades econômicas, embora frequentemente confusas e contraditórias, induzem à conclusão de que o tripé de políticas macroeconômicas presente desde 1999 (metas para inflação, taxas flutuantes de câmbio e geração de superávits primários) está sendo substituído (não de forma necessariamente explícita) por uma gestão macroeconômica que visa atingir simultaneamente três objetivos no curto prazo: câmbio depreciado em termos reais; crescimento econômico ao redor de 5% ao ano e taxa de juros reais baixas (menores do que no passado recente, pelo menos). Sem contar outros objetivos declarados na retórica oficial, como combater a “desindustrialização”, reagir à “guerra cambial” e ao “tsunami monetário”.
Juan Jensen – Do tripé macroeconômico à tripla meta – Valor 30/3/2012)

Mas foi no ano passado (2013) quando, em resposta à precipitação da sucessão presidencial, no contexto de um ritmo menos animador na economia interna que levou vários economistas liberais a elevaram o tom de suas críticas ao governo, que as reflexões sobre o desenvolvimentismo amadureceram.

Releva lembrar, neste balanço, a importância da Associação Keynesiana Brasileira, fundada há algum tempo e voltada ao estudo e divulgação das ideias do economista que a inspira, hoje sob a presidência de José Luis Oreiro:

Como teoria e economia keynesiana entende-se a compreensão da dinâmica de economias monetárias contemporâneas em que falhas sistêmicas intrínsecas ao funcionamento destas levam frequentemente a situações de concentração de renda e de desemprego. Nesse sentido, tomando como base a teoria keynesiana e afins, a “mão invisível” do mercado não funciona adequadamente sem o complemento da mão visível do Estado. Em outras palavras, a intervenção do Estado, no sentido complementar aos mercados privados, é imprescindível para criar um ambiente institucional favorável às decisões de gastos privados (consumo e investimento), impactando, assim, a demanda efetiva.

A AKB, em suma, propõe-se a ser um fórum de fomento ao debate sobre a teoria e economia keynesiana, agregando profissionais de várias áreas das ciências sociais, com especial atenção à discussão sobre os rumos da economia e sociedade brasileira.

No eixo Brasília-Rio de Janeiro é criada, também em 2013, a Associação Desenvolvimentista – ADB, que nasceu como um site de debates com eixo no nacional- desenvolvimentismo, criado por Gustavo Santos, no Eixo Rio-Brasília.
O objetivo foi trazer a normalidade e o equilíbrio necessário ao sistema político e social brasileiro. Seu inspirador diz que partiu da matriz iluminista que teria destilado três princípios reguladores da vida social: socialismo, liberalismo econômico e o nacionalismo.
A convivência competitiva desta trindade seria fundamental para a preservação de um sistema democrático real e equilibrado.

A natureza mesma do sistema capitalista e do regime democrático exigiria a convivência destas três forças ideológicas. O nacionalismo deriva e se impõe como uma necessidade de se lutar contra o conglomerado de grandes corporações multinacionais e Estados estrangeiros com vistas à construção da soberania nacional. O ideal socialista é um baluarte na proteção do trabalho frente ao capital. E o liberalismo é o espaço de competição entre ambos.

A ADB foi criada para conscientizar a sociedade brasileira da necessidade de sustentar um modelo desenvolvimentista marcado pela defesa deste tripé, imprescindível à evolução da sociedade, da economia e do estado nacional brasileiros, com vistas ao equilíbrio de nossa democracia.

Com a linha da ADB se identifica o economista Carlos Lessa, ex-presidente do BNDES, histórico defensor do desenvolvimentismo, quem abre, aliás, o site da ABD com um Manifesto no qual se lê:

Da defesa varguista da economia do café no “terremoto” de 1929, até o projeto de Brasil-potência, o país fez crescer o PIB em torno de 7% ao ano.

Com a crise da dívida externa e a instalação do Estado de Direito da Constituição de 1988, houve um mergulho na hiperinflação e na desaceleração do crescimento. A partir de 1980, o Brasil mergulha na mediocridade macroeconômica. Há um repúdio ao sonho da industrialização nacional e incorporamos o neologismo “globalização”, como versão atualizada do neoliberalismo, agora sob hegemonia ideológica do epicentro dos EUA. O Brasil passou a não discutir projeto nacional e afirmou que, se integrando à economia mundial, chegaria, à la Pangloss, ao melhor dos mundos possíveis.

Outro eixo de reflexões reuniu, também no ano passado, em outubro, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que já possui um núcleo de estudos do desenvolvimento econômico, o Cede, o Seminário “Perspectivas para o Século XXI” e lançou o Centro de Altos Estudos Brasil Século XXI, numa proposta para reunir em torno do assunto universidades de linha similar de pensamento, como Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Neste seminário ficaram registradas duas grandes vertentes: os “novos-desenvolvimentistas” e os “social-desenvolvimentistas”:

Apesar de revelarem pontos de convergência, os debates mostraram que há diferenças importantes entre os próprios heterodoxos, divididos hoje, principalmente, em duas correntes: os novos-desenvolvimentistas e os social-desenvolvimentistas.

Os novos-desenvolvimentistas defendem principalmente um câmbio flutuante, mas com uma taxa administrada. Isso significa que a flutuação seria livre dentro de uma faixa de valores. O câmbio atual deveria ser desvalorizado, de forma a dar competitividade à indústria. Já há estudos que projetam a desvalorização para R$ 2,90 por dólar. Isso porque entendem que o modelo exportador semelhante ao adotado por alguns países asiáticos pode ser benéfico às empresas brasileiras. Além disso, alguns membros têm sugerido redução nos ganhos salariais reais.

Encabeçada por nomes como Luiz Carlos Bresser-Pereira (FGV-SP), José Luis Oreiro (UnB) e Nelson Marconi (FGV-SP), entre outros, na corrente novo-desenvolvimentista, a política macroeconômica funcionaria em grande medida também como política industrial.

Do outro lado, há os partidários do social-desenvolvimentismo, onde se encontram nomes como Ricardo Bielschowsky (UFRJ/Cepal), Ricardo Carneiro (Unicamp, hoje no Banco Interamericano de Desenvolvimento, o BID), André Biancarelli (Unicamp), entre outros, que não estão de acordo com uma desvalorização muito forte do real, que poderia, segundo eles, destruir ganhos sociais conquistados nos últimos anos. Seria preciso, portanto, uma sintonia mais fina, na qual o câmbio, ao mesmo tempo que estimulasse a indústria nacional, não prejudicasse a continuidade da melhora da renda e do consumo. Além disso, defendem a existência de uma política industrial, não deixando todo o papel do crescimento do segmento exclusivamente à política macro.

“O Brasil precisa de novas frentes de expansão para retomar o crescimento, mas não acho que é preciso diminuir o consumo para aumentar o investimento. Uma coisa complementa a outra, não substitui”, diz Biancarelli, da corrente dos social-desenvolvimentistas. Para ele, o país estaria “num impasse, em que o dinamismo gerado pelo modelo que deu certo diminuiu bastante”.

Biancarelli discorda da avaliação de que a via externa deva ser a nova frente, como propõem os novos-desenvolvimentistas. “Não é a agenda de mais abertura comercial e nem a agenda de uma desvalorização cambial radical e diminuição dos custos de produção no país às custas do salário”, afirma. Ele sugere que a expansão seja feita por investimentos na infraestrutura, especialmente em saúde, transporte e educação. “Esse é o norte: uma frente que melhore a distribuição de renda, que continue o processo civilizatório e que possa ser também uma fronteira de expansão econômica.”

Outros renomados economistas, todos ligados à esquerda, aí incluindo o PMDB, com destaque para L.G. Beluzzo, voltaram-se para o referido debate trazendo suas respectivas e valiosas contribuições. Este acervo está consolidado em meu arquivo pessoal “Desenvolvimentismo em Questão”.

É surpreendente e até certo ponto desconcertante, portanto, que, no mesmo momento em que a esquerda da inteligência acadêmica retoma com vigor o combate ao neoliberalismo, preconizado por delfins tucanos como Edmar Bacha, Gustavo Franco e Armínio Fraga, todos alinhados com a candidatura de Aécio Neves, assim como outros como Eduardo Gianetti, na assessoria de Eduardo Campos, aliados chaves do Governo do PT e da campanha de Dilma Roussef coloquem em dúvida a validade do desenvolvimentismo, já há tempos, aliás, privado de seu sufixo “nacional”. Roberto Macedo, por exemplo, responde à ironia de Maria da Conceição de que “ninguém come PIB”, com expressivo artigo no qual reitera a importância do crescimento até para chegarmos a uma relação de gastos públicos por habitante comparável à de países desenvolvidos, evitando a falsa impressão de que a nossa carga tributária é excessiva. Conclui ele:

Mas, calculando essa carga de 36% sobre o PIB por habitante, em 2012 ,o setor público do Reino Unido contava com US$ 14.015 por habitante, enquanto o Brasil dispunha de apenas US$ 4.082. Em reais à taxa comercial de ontem, R$ 31.632 e R$ 9.213 respectivamente. Uma enorme diferença, que explica os melhores serviços públicos providos pelo Reino Unido.

Em conclusão, o povo brasileiro não come os números do PIB, mas come uma fatia dele em alimentação, recorre à do vestuário e faz uso dos serviços de saúde, educação e transporte – entre outras fatias.

Assim, há muito, muitíssimo que fazer pelo PIB brasileiro. Enquanto não crescer a taxas dignas das necessidades de seus habitantes, o Brasil continuará nessa ilusória classe média alta, que só é alta quando se miram os países que estão lá muito abaixo do nosso, que ainda é bem pobre se comparado com os que permanecem por cima, como o RU. Estes são os que devemos mirar e correr mais rápido para alcançá-los, ou pelo menos para não ficarmos, como hoje, tão distantes deles.
(Roberto Macedo — “Por que um PIB bem maior?” — ESP, 19/6)

Atônito, velho estudante dos bancos da CEPAL e ESCOLATINA , no Chile, fiel seguidor dos ensinamentos de Celso Furtado e da escola “estruturalista”, só me resta, à guisa de conclusão, depois de concordar com o autor acima, reiterar que continuo, sim, achando que o PIB é importante e que deve se estruturar em torno de uma sólida política industrial voltada à consolidação de nichos de elevada densidade tecnológica nos campos da eletrônica e da biogenética e novos materiais, sem descuidar, naturalmente, do apoio às exportações tradicionais e da infraestrutura física e humana. Não sendo assim, caberia indagar:
Amici, ad qui venisti?
(Amigo, a que vieste?)

*Economista, Pós Graduado ESCOLATINA , Universidade do Chile e CEPAL/BNDES, Ex Presidente do Conselho de Economia DF – Professor UnB


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