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29 de agosto de 2014
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14:16

À espera de uma explicação

Por
Sul 21
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À espera de uma explicação
À espera de uma explicação
 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
| Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Maria Wagner*

Longo e um bocado incômodo se levarmos em conta o horário. Apesar disso, o debate dos candidatos à presidência da República na Band (terça-feira, 26) foi menos enfadonho se comparado com outras edições desse tipo, em que os participantes abusam da redundância. Mas ficou claro, mais uma vez, que todos foram bons alunos de catequese. Sabem a ladainha de cor – o seguro morreu de velho, diz um ditado – e chutam a escanteio as perguntas sobre questões incômodas, confiando em que o eleitor tenha espírito aventureiro e embarque em um voo cego.

Como produzir um debate com essa gente sem que ele fique na mesmice diante de quem se acomodou no sofá em frente à telinha? Haja criatividade! A produção do programa na Band quis contornar a dificuldade e enxertou a participação de Boris Casoy, Paulo Andrade e Fábio Pannunzio, três jornalistas nacionalmente conhecidos. E foi Casoy quem contribuiu para um dos momentos de humor quando pediu a Eduardo Jorge, candidato do PV, que se posicionasse sobre o controle social da mídia, ressalvando que Dilma Rousseff, do PT, contrariou esse projeto de seu partido. O verde nem pestanejou. Liquidou a questão em segundos. Rindo: “Sou obrigado a concordar com a presidente Dilma. Não levarei adiante o plano de controle social da mídia, ficarei com a posição dela. Acabou”. Foi um tiro pela culatra ou era essa a reação, favorável à presidente em campanha de reeleição, que Casoy esperava?

Outro momento hilário teve Luciana Genro, do PSOL, como protagonista. No final do primeiro bloco de confronto direto entre os candidatos, ela cedeu à carência. Fez beicinho e se declarou “frustrada, porque ninguém me fez uma pergunta”. Queixa sobre tratamento desigual? Sem fundamento, porque as regras do programa foram combinadas com as respectivas assessorias, lembrou-a disso o mediador, Ricardo Boechat. Mais adiante, a mesma Luciana se saiu muito bem quando passou uma carraspana em Paulo Andrade – ah, esses jornalistas que contrabandeiam suas simpatias para dentro do trabalho – e o corrigiu quanto à expectativa dos manifestantes de junho de 2013: “Com todo respeito, o jornalista não entendeu o recado das manifestações de junho; elas pediam mais direitos, não mais encarceramento e repressão”.

Embora muito longe da vitória nas urnas – a não ser que ocorra um milagre -, a presença dos dois foi importante, porque trouxe ao debate alguns temas polêmicos. De um deles se encarregou Eduardo Jorge. Encarnando o amigo da onça, ele defendeu a legalização do aborto e do consumo de drogas, pedindo ao tucano Aécio Neves – “amigo de muitos anos” – que declarasse a sua posição sobre esses assuntos que os candidatos preferem deixar repousando embaixo do tapete. Não à toa, mas porque sabem que, se os colocarem em seus planos de governo – contra ou a favor -, estarão cutucando um abelheiro.

No dia seguinte, os jornais e as redes sociais repercutiram o debate, com opiniões elogiando e condenando o desempenho dos candidatos e, claro, focando mais em Marina como ameaça à reeleição de Dilma. A Rede Globo editou mais um capítulo da sua telenovela Inquisição Brasil 2014 na bancada do Jornal Nacional, desta vez querendo que a acreana assumisse suas contradições. Bonner mostrou, mais uma vez, que desconhece a diferença entre apresentador e repórter. Patrícia Poeta não ficou de dedo em riste, mas voltou no tempo, até 2010, para lembrar Marina dos poucos votos que então recebeu no Acre, onde nasceu. Aquilo me soou como um despautério. Afinal, aquela eleição é água que já correu por debaixo de todas as pontes que a acreana evangélica e defensora da sustentabilidade encontrou pelo caminho. A situação é outra agora.

Na versão brasileira de El País de quarta-feira (27), analistas políticos afirmam que na Bolsa de Valores de São Paulo a vitória de Marina sobre Dilma em segundo turno já é vista como favas contadas. O motivo: no mesmo dia, a Bovespa fechou em 60.950 pontos, seu melhor resultado desde janeiro de 2013, por obra da pesquisa eleitoral divulgada. Ouvido pela RBS, o cientista político gaúcho Carlos Eduardo Borenstein diz que o crescimento de Marina nas pesquisas reflete o desejo de mudança do eleitor. Mas quem é esse eleitor? Os jornais de amanhã e os seguintes talvez consigam explicar onde a política que ela anuncia como “nova” se identifica com a volta ao velho representado por Armínio Fraga, que, na verdade, responde às expectativas do povo familiarizado com a bolsa de valores. E essa turma não inclui o zelador do prédio onde moro, nem a dona do mercadinho mais próximo.

*Jornalista


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