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31 de julho de 2014
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15:03

O que prenunciam as pesquisas?

Por
Sul 21
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Paulo Timm*

PAULO TIMM - INTENÇÃO DE VOTOS

Os velhos comentaristas políticos reclamam muito destes tempos em que tudo gira em torno das Pesquisas de Opinião. Costumam até dizer que haverá dia em que nem se farão necessárias as eleições… Alguns se indagam o que seria , hoje, do Castelinho (Carlos Castelo Branco:1920-1993), um ícone da crônica política em suas 7.446 colunas no Jornal do Brasil, ao longo de 30 anos, diante de tanta Ciência? Com efeito, com raras exceções, perdemo-nos em recálculos nas entrelinhas das Pesquisas, esquecendo-nos da análise política. Não sendo nem cronista nem cientista político, atrevo-me a juntar a razão dos números com a sensibilidade na avaliação da Pesquisa Datafolha mais recente (16 de julho) para ver se há algumas pistas de clarividência em tudo isso. Ao divulgar este artigo outra Pesquisa – Ibope – vem a público, confirmando, com pequena vantagem para Dilma Rousseff, os resultados, garantindo-lhe, sobretudo, maior folga no segundo turno.

Antes de maiores considerações, lembraria que, em 2010, na mesma época (23 de julho) havia um empate entre Dilma e Serra, ambos com 36% de preferência. Em 15 de setembro, com 25 dias de horário eleitoral, Dilma tinha 50% e Serra 27%, o que demonstra a importância da televisão na campanha e que poderá tanto confirmar Dilma, como trazer surpresas, uma delas a alta votação dos evangélicos no candidato Pastor Everaldo, a quem ela deve tratar com extremo carinho…

Vejamos, primeiro, como ilustração, alguns mapas e gráficos da Pesquisa Datafolha, que mostram a vantagem – que reitera com pequenas alterações pesquisas anteriores – de Dilma Rousseff em todas as regiões do país, embora com maiores vantagens no Nordeste e Norte e surpreendente vantagem na Região Sul (36% x 18%), embora acompanhada, aqui, pelo elevado número de indecisos.

PAULO TIMM - MAPA
Mapa elaborado por Antonio David / Blog Viomundo

PAULO TIMM - ELEIÇÕES E PROJEÇÕES

Os resultados confirmam, em princípio, a tendência histórica de franca preferência do eleitorado brasileiro – pobre – por uma candidatura de esquerda encarnada, desde a vantagem de Lula sobre Brizola, nas eleições de 1989, num candidato do PT. Os extratos de maior renda, acima de cinco salários mínimos (SM) e menor expressão numérica, sufragam, majoritariamente, Aécio, quem, aliás, vem perdendo posições para Eduardo Campos.

PAULO TIMM - TABELA S.M.

Isto tanto é verdade – opção majoritária do eleitorado por um candidato à esquerda –, que a direita, outrora aninhada na famosa União Democrática Nacional – UDN, antes do golpe de 64, teve que recorrer ao golpe para chegar ao poder. Dutra, com apoio de Vargas, vence em 1945, e o próprio Vargas, com franca vantagem na eleição subsequente, em 1950:

PAULO TIMM - VARGAS E DUTRA
PAULO TIMM - MAPA DO VARGAS E DUTRA

A exceção foi 1959, quando Jânio venceu o General Lott, candidato do PTB, mas teve como vice eleito o candidato João Goulart, numa clara indicação do erro na escolha do candidato de esquerda. Em 1989 , vez de Fernando Collor, já na redemocratização, este também alcançaria a vitória pela direita, mas como fruto de grande mistificação ideológica numa fase de transição à democracia. O caso de Fernando Henrique Cardoso, finalmente, em 1994 e 1998, deveu-se menos à disputa ideológica e mais aos resultados palpáveis por ele capitalizados pelo Plano Real de combate à inflação. Ele próprio, na primeira vitória, respaldado por um passado francamente esquerdista, ainda fazia o seu PSDB se passar por uma “esquerda” do PMDB, confundindo o eleitorado urbano.

Mas há nos mapas uma contradição com a velha tradição: Dilma tem mais folga nas áreas menos urbanizadas e menos desenvolvidas, ganhando apertado no centro dinâmico do país: Sudeste (MG, RJ, SP, ES), onde está seu maior gargalo (páginas 38, 48 e 64 – Datafolha).

Pior: o candidato do PT ao Governo de São Paulo, maior colégio eleitoral do país, com mais de 30 milhões de votantes, justamente aqueles com maior nível de renda no país, tem apenas 4% das preferências. Dilma, para se consolidar em São Paulo acabará tendo que colar na candidatura de Paulo Skaf (PMDB) ao Governo do Estado, segundo colocado nas pesquisas. Ora, seria de se esperar que justamente esta região, com maior densidade educacional e consciência política, votasse maciçamente na esquerda, e não o inverso. (Lembremo-nos que a cidade do Rio de Janeiro foi palco de inúmeras revoltas sociais desde o Império e que elegeu Prestes para o Senado, em 1945, e Brizola, como o mais votado deputado federal da história, em 1962. O socialismo, sempre se disse e lá está num clássico de Lênin sobre as três fontes do marxismo, é um fenômeno próprio das multidões urbanas.) Por que isso ocorre e quais os riscos deste “desvio”?

O PT evita polemizar sobre este fato e se justifica com a alegação de que Governa para os mais pobres, que são também os que detêm menor ilustração, fato reiterado, grosso modo, nas quatro últimas pesquisas, como segue:

PAULO TIMM - TABELA ÚLTIMAS PESQUISAS

Na verdade, o que está por trás destes dados? Trata-se de uma fatalidade que áreas e segmentos sociais mais pobres, com piores índices educacionais, venham a sustentar uma candidatura de esquerda? Lembremo-nos que foram justamente os grotões do Norte-Nordeste que sustentaram eleitoralmente o regime militar, mesmo às portas da abertura. Prova-o a derrota da Emenda das “Diretas Já” em 1984.

O recurso eleitoral ao Norte-Nordeste, portanto, não é nem imperativo e, talvez, nem recomendável. O PT tem o grande mérito de ter sido o primeiro grande partido popular com envergadura nacional, incorporando em suas fileiras não apenas movimentos sociais de base, como Sindicatos e Comunidades Eclesiais de Base, mas também expressivos setores da classe média, como intelectuais, artistas, profissionais liberais, professores, bancários e servidores públicos e, sobretudo, jovens. Isto lhe deu grande alento e credibilidade. Esta foi, aliás, a grande vantagem do PT sobre seu concorrente histórico, o PDT, ou mesmo o próprio PMDB. Mas, no exercício do Governo, o PT foi se distanciando da classe média, estigmatizando-a, inclusive, por seu suposto e atávico conservadorismo. Há um vídeo da Marilena Chauí, eminência parda do PT, rodando na Internet, com um verdadeiro libelo contra a classe média a partir de uma situação muito particular por ela vivenciada. Paradoxalmente, jacta-se, com razão, a era petista pela incorporação à esta classe de mais de 30 milhões de brasileiros. Ora, no momento mesmo em que estes contingentes se incorporam à classe média, começam não só a comungar de novos valores, como a padecer dos elevados custos desta nova condição social: imposto de renda (jamais atualizado), pagamento de planos de saúde, compra do carro próprio com as inevitáveis consequências em termos de manutenção, doravante, destes veículos, custos elevados com treinamento e educação. Todas as avaliações feitas junto aos emergentes à classe C (Ver o filme Família Braz – Dois Tempos) evidenciam, inclusive, que eles atribuem a sua ascensão mais ao esforço próprio do que à ações do Governo. Isto é particularmente sensível justamente em São Paulo, tanto pela sua alta densidade trabalhista, como pelo fato de que foi ali que incidiram mais fortemente duas das suas principais políticas redistributivas: elevação do salário mínimo e estímulo ao pleno emprego. Aí acaba ocorrendo um duplo movimento no qual um passo adiante do Governo do PT implica em dois passos atrás na sua credibilidade junto aos setores beneficiados. E, provavelmente, este processo se redistribui em cadeia por todo o território nacional, criando resistências ao PT, que podem colocar em risco sua estratégia política, já que os eleitores são cada vez mais instruídos e socialmente ascendentes. Estará aí a elevada rejeição à Dilma, em torno de 35% e que se eleva a 43% no segundo turno? Veja-se que 49%, ou seja, metade dos eleitores já possui nível secundário ou superior:

PAULO TIMM - ESCOLARIDADE

Aqui vale lembrar a particularidade do Brasil frente, por exemplo, à Venezuela, onde a opção “pelos pobres” é quase inevitável para a legitimação eleitoral da esquerda. Aqui, a economia é mais vertebrada e a estrutura social mais complexa, sendo de ressaltar que a classe média tradicional teve um importante papel em vários momentos históricos, como a Abolição, o Tenentismo, a Revolução de 30, a “Legalidade no RS, em 1961”, a grande resistência cultural ao longo de todo o período autoritário de 64 a 84, com a grande mobilização das “Diretas Já”, Redemocratização na década de 80, com os Comitês de Anistia e pela Constituinte, os “Caras Pintadas” do impeachment de Collor etc. É um erro jogar tais tradições para o conservadorismo, a título de uma “opção pelos pobres”. A origem do erro reside numa fratura do Governo entre o que considera Governabilidade e o imperativo da Hegemonia para qualquer grupo que pretende se colocar à frente de uma nação. Para a primeira o PT, por exemplo, recorre aos mais abomináveis expedientes, incorrendo no ônus de ostentar 39 Ministérios e mais de 23 mil Cargos em Comissão, supostamente indicativa de um projeto hegemônico, e à aposta eleitoral em regiões e segmentos sociais mais atrasados. A Governabilidade exige, pois, a formação de uma “Base Aliada” no Congresso Nacional, mas o Projeto Hegemônico, elaborado em sintonia com o conjunto da sociedade, o rejeita, por assintonia com as novas aspirações da representatividade, particularmente entre os jovens. Daí, talvez, a fragilidade de Dilma junto aos mais jovens (páginas 47, 63 e 71) e grandes cidades (páginas 48, 64 e 72). No segundo turno, comprova-se esta dificuldade que se estende à faixa de dois a cinco SM e ensino médio (p.71): jovens em grandes cidades, que estudaram, mas ganham relativamente pouco. Isto se reflete, certamente, no elevado número de indecisos, como frisa um atento observador, para não falar no alarmante contingente de absenteísmo, votos brancos e nulos. Veja-se:

“Na espontânea, chama a atenção que a maioria dos eleitores ainda está indecisa. A seguir, alguns dados sobre o perfil dos eleitores indecisos:

a) 54% ainda não sabem em quem votar. Na espontânea, Aécio tem 9%, Campos apenas 2%. Dilma, 22% (p.30)

b) As mulheres estão muito mais indecisas do que os homens (p.31). Na estimulada também (p.47)

c) Há mais indecisos na base potencial de Dilma: mais pobres e ensino fundamental (p.31), o que leva a crer que ela tem potencial de crescimento quando a campanha começar.

d) Há mais indecisos na região sul. (p.32)”

(Antonio David in “Dilma pode vencer no primeiro turno, corre risco no segundo”, em viomundo)

Paralelamente à perda de credibilidade do PT, derivada da confusão entre Governabilidade e Hegemonia junto à classe média e, particularmente, jovens, que já se fazem presentes em grupos extremistas como os black blocs, evidenciando a perda de capacidade polarizadora do Partido sobre a esquerda brasileira, este acaba, também se enfraquecendo em escala nacional. Basta ver a sucessão nos Estados, onde arrisca não ter nenhum Governador do PT em qualquer dos Estados mais fortes, reeditando uma situação crítica vivida em 1964 pelo Presidente Goulart:

“O PT tem candidato nos três Estados (do Sul), mas apenas no Rio Grande do Sul seu candidato está em segundo lugar nas pesquisas. No Paraná e Santa Catarina estão em terceiro. No Sudeste, o desempenho é pífio em São Paulo com Alexandre Padilha, sofrível no Rio de Janeiro, com Lindhberg Farias ,em quarto lugar, e sem expressão no Espírito Santo. Apenas em Minas Gerais, com Fernando Pimentel, apresenta um desempenho satisfatório. (…) No Nordeste seu candidato na Bahia, maior colégio eleitoral da região, está muito atrás do candidato do DEM. É segundo no Ceará e apenas no Piauí mantém folgada liderança. Nos demais Estados apoia candidatos de outras legendas, o que significa dizer que nestes quatro anos não consolidou personagens estaduais para concorrer ao cargo de governador, o que demonstra fragilidade partidária.
(…) No Norte, afora o Acre onde pode reeleger o governador, não tem presença de destaque nos principais colégios eleitorais, visto que apoia o PMDB no Pará e Amazonas, além de fazer o mesmo em Tocantins.

No Centro-Oeste tem candidato à reeleição no Distrito Federal com baixa perspectiva, em Goiás sem nenhuma e no Mato Grosso não tem candidato. Apenas em Mato Grosso do Sul tem perspectivas concretas de vitória porque seu candidato, o senador Delcídio Amaral.” (Saulo Queiroz – Do Estadão – De mal a pior – segunda, 21 de julho de 2014)

Por fim, uma conclusão: se era desejo do PT polarizar as eleições entre os amigos do PT/lulismo e “inimigos” deste projeto, estejam eles à direita ou à esquerda, parece que está conseguindo, com a ressalva de que entre estes últimos situam-se os que não comparecerão ao pleito ou nele votarão em branco ou nulo. Isto favorecerá a vitória de Dilma, mas expressa uma perda de substância no processo de representação. E há um problema, que lhe poderá prejudicar no caso de um segundo turno, entre ela e Aécio, pois 55% dos eleitores de Campos dizem que preferirão este contra 26% que votariam nela (p.75). O mesmo se passa, paradoxalmente, com os eleitores de Luciana Genro, candidata do PSOL à Presidência, embora com baixa pontuação: 64% de seus eleitores votam Aécio e apenas 20% em Dilma. Com Zé Maria (PSTU), o mesmo: 50% dos eleitores votam em Aécio, contra 28% em Dilma. Ou seja, mesmo os que se situam à esquerda do PT no cenário nacional preferem votar na oposição a ver o PT, com Dilma, com mais um mandato presidencial. E a novidade é que estes ditos “nanicos” estão mais cotados do que no passado, somando 3% do eleitorado, o que alcança 5 milhões de preciosos votos “jogados fora” da cesta petista. Fica a indagação se este é um comportamento padrão dos que votam na extrema esquerda por serem “contra” ou mais uma manifestação da rejeição que ameaça Dilma com maior poder do que os próprios adversários. Ela não padecia desta assombração em 2010: em pesquisa Datafolha de 23 de julho de 2010, a rejeição a Dilma em todo o País era de 19%, agora chega a 35%, quase o dobro de igual período com o risco de alastrar-se “por contágio” às regiões onde este fantasma ainda não assusta.

Diante disso tudo, a Coordenação de Campanha de Dilma Rousseff, que não consegue articular-se muito bem em si própria, de forma a conduzir com êxito a vitória, tal o desentendimento entre os pares, tem pela frente um grande desafio, aliás destacado por Dora Kramer, no ESP, na sua coluna “ Com bola e tudo”: – Estancar e reverter as adversidades . Enquanto é tempo… E se esta Coordenação não fizer isso a tempo, caberá a ela mesma licenciar-se do trono e tomar o touro indomável pelos chifres… Energia e determinação não lhe faltam.

* Economista, Pós-Graduado ESCOLATINA, Universidade do Chile e CEPAL/BNDES, Ex-Presidente do Conselho de Economia DF, Professor UnB


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