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23 de julho de 2014
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14:10

Felipão ou Dunga, Parreira ou Rinaldi, Marin ou Nero: nada muda, infelizmente

Por
Sul 21
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Benedito Tadeu César*

Já disse aqui, mais de uma vez, que não entendo de técnicas de futebol e que não me atreveria a discuti-las, mesmo diante do fracasso de nossa Seleção na Copa do Mundo no Brasil. Afirmei, no entanto, que me sentiria à vontade para discutir, no momento oportuno, a estrutura do futebol brasileiro, a corrupção dos esportes em geral no Brasil e do futebol em particular, a falta de planejamento e as negociatas dos empresários, já que estas questões fazem parte de minha área de conhecimento.

Em 1981 defendi a primeira dissertação acadêmica, em antropologia social, na Unicamp, sobre uma torcida organizada brasileira, a Gaviões da Fiel, do S. C. Corinthians Paulista. Para redigi-la, filiei-me aos gaviões e os acompanhei durante os últimos três meses do campeonato paulista de futebol de 1977, quando o Timão ficou campeão estadual, depois de 22 anos de espera. A dissertação, chamada Os Gaviões da Fiel e a Águia do Capitalismo ou O Duelo, pode ser acessada aqui.

Hoje, o futebol no Brasil exige reflexão, principalmente a partir das recentes contratações pela CBF de uma nova equipe dirigente para a Seleção Brasileira de Futebol. E esta reflexão chega, sem dúvidas, ao universo da política abrangente.

Depois do fiasco em campo cometido por nossa Seleção, era de se imaginar que a CBF refletisse sobre seus erros e começasse a reformular a estrutura do futebol brasileiro. Foi a primeira vez, nos 84 anos de participação de nossa Seleção em Copas do Mundo, que montamos uma equipe formada majoritariamente por jogadores que atuam fora do país. Apenas quatro jogam no Brasil. O que, por si só, diz muita coisa. Mesmo assumindo minha não especialidade em técnicas e táticas futebolísticas, fica claro que há erros técnicos e táticos na nossa Seleção de futebol e, sobretudo, na estrutura do futebol brasileiro.

Jogamos a Copa do Mundo no Brasil com um técnico que teve papel decisivo no rebaixamento para a segunda divisão do último time (Palmeiras) que dirigiu antes de assumir a Seleção Brasileira. Um técnico que empregou técnicas e táticas que se revelaram errôneas para qualquer torcedor, tanto é que perdemos de 7 a 1, levamos 10 gols em dois jogos, pela primeira vez ficamos dois jogos consecutivos sem vencer, além de termos marcado, também pela primeira vez, um gol contra nós mesmos logo no primeiro jogo!

Agora, vêm os senhores José Maria Marin e Marco Polo Del Nero, atual e futuro presidente da CBF, anunciar Gilmar Rinaldi, como novo coordenador de seleções da CBF, no lugar de Parreira, e Dunga, como técnico da Seleção Brasileira de Futebol, no lugar de Felipão.

Fica claro que a CBF não entendeu nada do que aconteceu na Copa e do que vem acontecendo no futebol brasileiro ou, talvez, queira se fazer de desentendida. Contratar um empresário de jogadores para ser o coordenador de todas as seleções da entidade máxima do futebol brasileiro, incluindo as de base, ou seja, de jovens atletas, é entregar a chave do galinheiro para a raposa. Contratar um técnico cujas únicas experiências foram dirigir a Seleção Brasileira de 2010, desclassificada nas quartas de final na Copa do Mundo da África do Sul e, depois, dirigir o S. C. Internacional por apenas cerca de um ano, não é bom sinal, para se dizer o mínimo.

Não vou me deter nas origens políticas de Marin ou de Nero, que remontam à ditadura civil-militar de 1964-1984, o que deixa antever o molde autoritário de suas condutas, nem vou tratar da trajetória de Rinaldi até aqui, apesar de ele não ter cumprido sequer um período mínimo de quarentena se afastando das atividades de empresário, o que permite pensar na hipótese de que possa vir a confundir as coisas e continuar atuando como empresário, isto é, utilizando seu cargo para privilegiar, nas convocações para a Seleção, jogadores cujos passes possam vir a valer mais posteriormente.

Dunga, por sua vez, foi um grande zagueiro e, como jogador de nossa Seleção, foi campeão do mundo. Dunga pode entender muito de futebol, mas como técnico é pouco experiente e, a julgar por sua atuação no Internacional de Porto Alegre, tão retrógrado quanto Felipão. Substituir atualização técnica e tática por relações de solidariedade paternal, não nos salvará de futuros vexames. Não bastou, nesta Copa, formar a “família Scolari”, como já não havia bastado na Copa de 2010 e nem bastará, na próxima Copa, formar a “família Dunga”. Isto só deu certo uma vez, com Felipão, em 2002, na Copa da Coreia do Sul/Japão. Depois dela, a maioria das Seleções de futebol do mundo aprenderam a usar técnicas e táticas mais eficazes, centradas no apuro técnico-tático e, sobretudo, na modernização dos clubes e na formação dos atletas.

Rinaldi, além de ser empresário de jogadores, pensa como empresário de jogadores. O problema não é se ele irá ou não se aproveitar do seu cargo para valorizar jogadores e lucrar com isso. Um magistrado quando se declara impedido para julgar uma ação não o faz porque se considera desonesto, mas sim porque tem algum tipo de proximidade com uma das partes envolvidas e, por precaução, toma a iniciativa de se afastar do caso, para não correr o risco de, mesmo involuntariamente, ser parcial.

O problema com Rinaldi é muito maior e, na verdade, não se restringe a Rinaldi. O problema é com a mentalidade da direção da CBF. Nosso futebol fracassou nesta Copa porque a legislação dos esportes e principalmente do futebol no Brasil é inadequada. As alterações legais ocorridas no Brasil nos últimos anos escancararam as portas do mundo como mercado para os nossos craques. Há jogadores brasileiros em todas as partes do planeta. Sete jogadores brasileiros foram convocados para jogar por outras cinco Seleções, que não a brasileira, na última Copa, o que dá uma ideia da diáspora de nossos jogadores. Segundo levantamento constante da Wikipédia e acessado no dia 20/07/2014, há 76 jogadores brasileiros naturalizados atuando em 28 países do mundo. Centenas de outros, provavelmente, existirão em diferentes países sem se naturalizar.

Nossos jovens jogadores de futebol, mal começam a despontar como craques, são contratados por empresários de jogadores. Com 14, 15, 16 anos, são seduzidos com o oferecimento de carrões importados (que eles não poderão ter registrados em seus nomes e que nem poderão dirigir legalmente), de casas e apartamentos maravilhosos oferecidos aos seus pais. Crianças e jovens pobres, moradores, na sua imensa maioria, em vilas e favelas, deslumbram-se com o sucesso precoce e, ao aceitar os oferecimentos, comprometem-se profissionalmente por muitos e muitos anos de suas vidas.

Enquanto inúmeros jovens jogadores de futebol brasileiros vão atuar no exterior, se enriquecem, enriquecem seus empresários e enriquecem muitos técnicos e dirigentes de clubes, dezenas de milhares de outros jovens jogadores de futebol continuam atuando no Brasil a troco de migalhas, muitos pelo prato de comida que recebem nas escolinhas e peneirinhas. Depois, esses milhares, que não têm a “sorte” de serem contratados por empresários que atuam internacionalmente, vão ser os boias-frias do futebol, atuando por salários na faixa dos R$ 600,00 a R$ 1.200,00 mensais.

Segundo dados divulgados pela CBF em 2012, dos 32.784 jogadores de futebol registrados no Brasil, 82%, ou seja 26.883, ganhavam até dois salários mínimos, sendo que neste grupo estavam incluídos os que jogam até mesmo de graça, embora sejam profissionais. Apenas 2% ganham acima de 20 salários mínimos.

Não se investe atualmente, no Brasil, na formação de jogadores de futebol. Investe-se em descobrir possíveis talentos que têm seus passes rapidamente comprados por empresários e negociados com clubes do exterior. As direções dos grandes clubes de futebol no Brasil, no mínimo, compactuam com este procedimento, quando não se associam diretamente a ele. O problema é que esta mentalidade empresarial estreita e imediatista, mesmo após o fiasco em campo na Copa do Mundo no Brasil, continua dominando na CBF, como fica claro pelas contratações de Rinaldi e Dunga, e continuará dominando nos clubes de futebol no Brasil. Se não temos uma geração de craques, como se diz à boca pequena, é porque eles são exportados precocemente para os clubes do exterior.

Não se trata, obviamente, de proibir a venda de jogadores para o exterior, de acabar com os empresários de jogadores ou de intervir no futebol. Trata-se de construir uma política para os esportes e principalmente para o futebol no Brasil. Trata-se de modificar as leis que criaram distorções e possibilitaram a dispersão de nossos atletas. Trata-se de criar centros de treinamento e de apoio aos jovens jogadores. Trata-se de profissionalizar a gestão dos clubes, de se estabelecer metas e de se cobrar resultados.

Não precisamos da mentalidade empresarial de Rinaldi, nem da mentalidade paternalista de Felipão ou de Dunga (trocamos, aqui, seis por meia dúzia). Nem precisamos, ainda, copiar os europeus ou imitar os alemães. Não se trata de aprendermos a jogar futebol como eles e/ou de importamos suas técnicas e táticas. Trata-se de voltarmos a ter o jeito brasileiro de jogar futebol. Um jeito que encantou o mundo e que nos fez Penta Campeões Mundiais.

Diferente do livre mercado de venda e exportação de atletas existente no Brasil, e que não deu certo, o que existe na Alemanha é uma política de regulação dos esportes e do futebol em especial, e que deu muito certo. Trata-se, portanto, de construir e adotar uma política de apoio e de regulação dos esportes e do futebol em particular e de apoiar os jovens atletas, criando estruturas para que eles possam se desenvolver e florescer. Não se trata de o governo brasileiro intervir no futebol e criar uma “Futebras”, como acusou Aécio Neves, trata-se, isto sim, de acabarmos com a internacionalização desregrada de nossos jogadores, a “Futebrax” atualmente existente, como afirmou Dilma Rousseff.

*Cientista político


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