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10 de julho de 2014
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22:12

Fatores que influenciarão as eleições 2014

Por
Sul 21
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Jorge Barcellos*

A observação do último ano do governo Dilma Rousseff é repleta de elementos condicionantes do processo eleitoral que ocupará as ruas a partir do segundo semestre do corrente ano. As eleições para presidente, aqui tomadas em destaque, se realizam conjuntamente com as eleições para o Congresso Nacional, governadores e assembleias legislativas, ocorrendo simultaneamente em 5.565 municipios do país. A pergunta que se torna imperativa é: que fatores influenciarão as eleições de forma determinante? Arrisco listar cinco fatores fundamentais: a visibilidade e o desempenho do governo Dilma, o sistema partidário e as coligações políticas, Lula e a Copa do Mundo, os movimentos de junho e a televisão na campanha. Eles estarão em evidência na escolha de um partido para o comando do governo federal. Esse não é um processo qualquer, porque articula as demais esferas nacionais: vereadores candidatam-se a deputados, governadores aguardam a oportunidade de disputarem convenções para indicações nacionais, eternos caciques partidários retomam seus espaços nas disputas estaduais e fazem pressão interna nas coligações partidárias e, eventualmente, atores que “correm por fora“ conquistam a indicação. As variáveis são incontáveis e o resultado sempre pode ser uma surpresa.

A visibilidade do desempenho do governo Dilma Roussef

Entendo que o primeiro condicionante das eleições 2014 é a capacidade de visibilidade que o governo atual conquistar de seu desempenho. Se o governo tiver sucesso em cultivar uma imagem positiva, suas chances de conquistar a reeleição são maiores e Dilma Roussef tem a oportunidade de beneficiar-se agora do mecanismo que levou à reeleição de Fernando Henrique, em 1998, e Lula, em 2006. Se seus adversários conseguirem resultados com suas criticas, no período da campanha eleitoral, suas chances diminuem. Mas não é tão simples assim, pois o desempenho político, regra geral, é condicionado a três variáveis de visibilidade, apontadas por Lavareda & Telles (2011): timming, volume de recursos e propaganda. Quer dizer, ganham a eleição candidatos que iniciam sua caminhada com muita antecedência, dispõem de amplos recursos para campanha e tempo de propaganda maior na televisão e no rádio.

O Tribunal Superior Eleitoral determina o período de 10 a 30 junho para a oficialização dos candidatos a presidente pelos partidos para, assim, garantir condições de igualdade para o inicio de campanha, mas os partidos iniciaram sua corrida ao Planalto quando anunciaram seus pré-candidatos. O primeiro foi o Partido Socialista Brasileiro (PSB), que anunciou em 10 de outubro de 2013 que Eduardo Campos, então governador de Pernambuco, seria seu candidato. Foi seguido pelo Partido Social da Democracia Brasileira (PSDB), que indicou Aécio Neves, senador mineiro. A atual presidenta Dilma Roussef foi indicada no inicio de maio de 2014 na Convenção do Partido.

Apesar de indicada tardiamente em relação a outros partidos, Dilma Roussef desfruta de uma taxa de conhecimento elevada, fruto da gestão em andamento e do apoio de Luis Inácio Lula da Silva, reeleito duas vezes e seu maior cabo eleitoral. Independente das restrições legais, o anúncio da candidatura em maio não significa que já não estivesse em campanha: isto ocorre porque o imaginário popular tende a confundir exercício do poder e campanha e, por esta razão, a presidenta tem condições maiores de influir no debate eleitoral do que os demais candidatos, afinal, seu mandato é sua maior vitrine. Suas realizações administrativas constituem trunfo de campanha e por isso a verba de propaganda é tão grande, incluindo as das grandes empresas públicas como Petrobras, Correios e Caixa, outros grandes cabos eleitorais. Além disso, o governo Dilma foi privilegiado pelo contexto da crise de 2008, em que a economia brasileira teve uma recuperação mais rápida do que a esperada (reduziu-se de 2,7 para 1,0 pontos percentuais entre 2011 e 2012, mas recuperou –se para 2,3 pontos em 2013), e a crítica econômica será severamente combatida pelo governo. Há, também, o desempenho inflacionário razoável frente às metas, sendo considerado o melhor desempenho desde a criação do Plano Real, o que dificulta os argumentos da oposição na esfera econômica. A reeleição de Dilma está menos dependente de variáveis econômicas do que esteve o seu antecessor, Lula. Aliás, o final do governo Lula, marcado pelo otimismo econômico foi um dos fatos que conduziu Dilma à presidência. Portanto, a oposição terá de diluir suas críticas em diversas políticas públicas e não apontar apenas para a economia.

Mas a presidenta encontrou no “inimigo interno” – o próprio partido – um desafio. Sem avançar em termos de reforma agrária, reforma política e reforma tributária, bandeiras de sua eleição, sofreu o desgaste natural entre setores mais à esquerda do partido. Ao longo do mandato, observou-se que enfrentou dificuldade em lidar com greves e de se relacionar com centrais sindicais. Enquanto isso, seus adversários organizam-se em busca de votos justamente nos setores mais à esquerda, insatisfeitos com o governo. O primeiro, Eduardo Campos, após entregar seus cargos em 2013, conseguiu atrair Marina Silva para o PSB, depois da fracassada iniciativa do Rede, um apoio inestimável, já que os demais apoiadores, como o PPL, PHS e PRP são considerados partidos nanicos. Depois de Marina, seu maior apoiador é o PPS. O segundo, Aécio Neves, senador mineiro, venceu a disputa com José Serra como candidato. Derrotado em 2010, Serra não encontrou apoios para bancar uma nova candidatura e hoje é candidato ao Sendo pelo PSDB paulista. Aécio Neves, em sua primeira tentativa nacional, está com maior número de partidos em sua coligação: Solidaridade, DEM, PTN, PTC, PTdoB e PTB.

Os dois principais candidatos de oposição terão muito trabalho pela frente. Primeiro, precisam conhecer em profundidade as entranhas da administração para localizarem suas fraquezas; segundo, precisam estabelecer com a população um relacionamento estreito e continuado em pouco tempo, o que é feito com facilidade pela candidata do governo, que dispõe de eventos à sua disposição. Terão a seu dispor um tempo menor de televisão do que o da candidata à reeleição. Pesando os tempos, os novos candidatos saem perdendo: eleições presidenciais têm o tempo dividido com candidatos a governador, senador, deputados federais e estaduais, que tendem a reduzir o espaço de exposição dos candidatos e, portanto, de suas criticas ao governo.

Ainda está por ser aferida a real contribuição das redes sociais às eleições. A televisão, que desempenha o papel central de orientação ao eleitor (falaremos dela adiante), cada vez mais vê a presença da Internet como uma segunda opção. Mas isso ainda refere-se aos lugares aonde há Internet, ou seja, nas proximidades dos centros urbanos. Como se dará a influência no interior, no campo, onde muitas vezes os moradores mais isolados ainda estão distantes da Internet, mas próximos da televisão e rádio, que chegam mais aos “grotões” do que as redes sociais? Diz Lavareda a respeito: “A tendência visível na relação dessas plataformas é de integração e convergência, como se observou, mais uma vez, na eleição presidencial de 2010, quando as aparições dos candidatos inflavam a audiência deles na web, e os temas da campanha negativa online na reta final, apontados como partes importantes da explicação da ocorrência do segundo turno, foram incorporados à campanha de televisão” (p.19). A disputa por visibilidade começou e se dará em níveis diferentes, conforme as estratégias e recursos de campanha.

O sistema partidário e as coligações políticas

Há alguma variável constante no sistema partidário capaz de influir decisivamente no processo eleitoral de 2014? Há inúmeras, apontam os cientistas políticos. Noll, Dias & Krause (2011) afirmam que é preciso observar, em primeiro lugar, as características da recente tradição republicana brasileira. Tomemos como exemplo o caso do Rio Grande do Sul. Aqui, nossa tradição republicana é marcada por dois traços importantes: estabilidade das estruturas partidárias e crença no papel central do Estado como articulador e ator de políticas. Estes elementos estão presentes nos principais partidos do estado como o PMDB, PDT, PRR, PTB, e PT, no modelo que serve de referência para compreendemos como funciona o processo eleitoral nos estados. Esse processo, em que pese suas diferenças, mesmo no contexto multipartidário pós-88, é caracterizado pela manutenção oculta do bipartidarismo: se desde os anos 50 ela já iniciava com a oposição PTB x antiPTB e se prolongou durante a ditadura militar na oposição Arena x MDB, os estudiosos apontam sua manutenção com o bipartidarismo PSDB x PT. Claro está que há períodos de notável disputa, como foi o caso da eleição, na década de 80, polarizada entre PMDB, PDT e PT e agora, PSB, PSDB e PT como os partidos âncoras desta eleição. Isso significa que dos três candidatos a presidente sairão apenas dois, no primeiro turno.

O PT teve um notável crescimento com as administrações do governo federal e tem uma base importante no governo do estado. A eleição de Lula foi a própria ambiguidade, já que colocou ao partido a questão de que ou venceu as eleições porque afirmou o projeto político de esquerda, ou venceu porque justamente fez o contrário: estava em seu desejo oculto transformar-se num governo populista. A última alternativa é um perigoso caminho que se abre para a emergência da centro-direita e a oposição tem chances de retornar ao governo com a crítica a este sistema, o que representaria o retorno da derrotada aliança PSDB-PFL, hoje travestida com as novas alianças dos partidos. A primeira alternativa é colocada desde a época da eleição de Dilma Rousseff, quando Lula foi capaz de transferir votos e articular um projeto e uma notável estrutura a favor de sua candidata: não apenas sua imagem como self-made-man da política estava em evidência, mas também o sucesso de gestões políticas em outros níveis do sistema político, como Porto Alegre até 2004 e no Rio Grande do Sul neste momento. Mas a perda destas bases deu-se ao longo do tempo: primeiro a capital foi perdida para a coligação liderada por José Fogaça e o próprio Lula teve sua visibilidade prejudicada porque cedeu seu lugar a Dilma Rousseff. Entendo que, para a reeleição de Dilma, a influência de Lula tende a se reduzir porque a sua exposição é diferente do que foi no primeiro mandato e a crítica às políticas sociais como atualização do populismo será central no discurso da oposição. Como o governo reagirá?

O contra-discurso político de campanha de Dilma está em gestação desde as primeiras convenções. Ele procura cercar o campo da oposição que se mantém à espreita das oportunidades provocadas pelo desgaste natural do mandato. O governo precisa se dar conta de que foi esta exatamente a mesma estratégia que levou a saída, por exemplo, do PT do governo municipal em Porto Alegre, onde a oposição aguardou os desgastes naturais da população com seu governo. A associação dos governos Lula e Dilma, portanto, é ambígua para a candidata à reeleição. Mas ela é diversa conforme o grupo social e a região beneficiada pelas políticas. Com um apoio político baseado fortemente nos chamados “grotões”, entendo que o apoio popular às políticas públicas herdadas de Lula favorece mais ao governo Dilma do que o PT. A razão é que dirigente e partido não são exatamente a mesma coisa, porque enquanto a primeira governa com um “consenso”, o segundo vive uma crise interna. E os demais partidos de esquerda, e antigos aliados, saem em voo solo com discursos alinhados diretamente aos movimentos de junho de 2013. Resta saber se tais movimentos criaram raízes suficientes para ampliar a base dos candidatos menores, apesar das pesquisas.

As coligações partidárias são outro obstáculo importante na reeleição e motivo de grandes desavenças. Desde que uma emenda, no ano de 2006, permitiu a não obrigatoriedade de manter-se os mesmos parceiros de coligações nos diversos pleitos, estabeleceu-se no sistema partidário brasileiro uma instabilidade de base que fez com que elas se tornassem centrais para a sobrevivência dos partidos nas eleições presidenciais. Há duas formas de abordar a questão: ou os partidos formam coligações com o objetivo de fazer o menor esforço para conquistar o máximo de votos ou só fazem coligações com partidos do mesmo espectro ideológico. Ambas abordagens são mediadas pela interpretação que defende a importância de considerar, no cálculo das coligações, as estratégias estabelecidas nas esferas estaduais. Quer dizer, estabeleceu-se o “samba do crioulo doido”, onde é necessário equacionar variáveis de nível federal e de cada estado, caso a caso. É por isso que as eleições transformaram-se numa “caixinha de surpresas” para os candidatos de outros níveis: candidatos estaduais que iniciam disputas em vantagem perdem para candidatos que saem com poucos votos e candidatos federais não conseguem palanque nos partidos de seus estados. A política da neutralidade termina por prevalecer entre os diversos níveis do sistema e com isso reduz-se o poder eleitoral dos candidatos à presidente.

Nesta racionalidade tensa emergiu a ideia-força (Edgar Morin) de que é sempre melhor para o candidato estadual estar alinhado ao candidato federal. Diz Miranda: “A importância do debate é revelada pela premissa que o orienta: a influência da dinâmica majoritária estadual sobre as disputas legislativas federais afeta negativamente a dinâmica entre o poder Executivo e o poder Legislativo, na medida em que imprime na representação congressual um caráter federativo, isto é, orientado para os interesses estaduais; ao contrário, a influência da dinâmica majoritária federal propiciaria melhores condições de governabilidade, na medida em que constituiria, desde as eleições, alinhamentos partidários nacionais em torno das políticas propugnadas pelo futuro presidente e denotaria coordenação nacional das estratégias eleitorais por parte dos partidos”(p.70). Trocando em miúdos: para o governo Dilma, a reeleição de Tarso Genro não é tão significativa quanto pode ser a campanha que o atual governador faça para sua reeleição. Quer dizer, se apenas Dilma se reelege e Tarso não, o projeto do governo federal saí fortalecido; se Tarso se reelege, mas Dilma não, então o Estado perde o poder de agir coordenadamente com o governo federal. Esta tensa relação já está em andamento: a oposição fará uníssono com o fato de que o governo Tarso tem fracassado em negociar com o governo federal um novo indexador para sua dívida. E como Luciana Genro, sua filha, é candidata e ferrenha opositora do governo federal, isto rende também ao governador criticas internas no partido, “o fogo amigo”, que também atinge Dilma. Como alguns aliados de Tarso já ensaiam candidaturas próprias (PMDB e PP), está fechada a crise de alinhamentos políticos no Estado. Por isso, a situação no RS é delicada para o governo federal, já que Dilma terá dificuldades no palanque gaúcho, enquanto que seus opositores, Aécio Neves e Eduardo Campos, já negociam o palanque local com aliados. Que trunfos ainda dispõe Dilma para sua reeleição?

Lula e a Copa do Mundo

Dois outros fatores serão fundamentais para o processo eleitoral deste ano. O primeiro é relacionado com o fato de que a candidatura de Dilma Rousseff é o teste para determinar a força do Lulismo. Se Lula envolver-se completamente e Dilma for vitoriosa, a vitória também será do Lulismo. O segundo é relacionado aos efeitos da Copa do Mundo no processo eleitoral. Se a Copa confirmar as previsões da oposição e for um fracasso, Dilma Rousseff perde – mas, até agora, nada indica que essa previsão tenha sido acertada, ao contrário.

O apoio irrestrito das classes pobres que abraçaram Lula e o potencial de popularidade transferido para sua herdeira, que caracterizam o “Lulismo”, definido por Peter Singer, retornam agora ao teste de força onde do outro lado da balança pesa o que atende pelo nome de “escândalo do mensalão”. Será o capital simbólico de Lula mais uma vez suficiente para trazer de volta os votos da classe média tradicional? Será um possível sucesso governista em direção à Copa do Mundo suficiente para contrabalançar os efeitos negativos do mensalão? A vitória de Dilma Rousseff, em 2010, era o atestado da vitória do Lulismo. Na raiz deste sucesso, estava o apoio expressivo dos pobres. Mas esse apoio não acontecia, por exemplo, nas demais faixas de renda, de dois a cinco salários mínimos. Por isso, Dilma obteve sua concentração de votos no nordeste, perdendo no sul, sudeste e centro oeste em termos de quarenta pontos percentuais de diferença sobre Serra no Nordeste (Singer, p.174). Quer dizer, o conflito político estabelecido está em torno do Lulismo setentrional, numa equação difícil onde a candidata governista precisa manter uma representatividade em todos os locais, inclusive naqueles em que a tendência inicial é perder palanques ao mesmo tempo em que apresenta-se de fato como a herdeira de Lula para os pobres do nordeste. Para estes grupos, o “escândalo do mensalão” foi uma notícia distante e a Copa do Mundo soou como música para um povo explorado. Mas há mais: a contradição é também ideológica no sentido aposto pelo filósofo esloveno Slavoj Zizek: como produzir um projeto de transformação social para reduzir a pobreza se o próprio governo depende dela para se reeleger? Dito de outra forma: agora que as políticas de inclusão foram desenvolvidas, que o modo lulista de ser se afirmou, que a expansão das políticas de bolsas generalizou-se, porque ainda os pobres continuam pobres? A resposta da direita é que o projeto governista é falho; a resposta da extrema esquerda é a mesma de Zizek: é que Dilma ainda não resolveu as contradições de base do capitalismo brasileiro.

Mas é preciso fazer uma inflexão. O Lulismo estava dependente de uma situação econômica internacional favorável. Barbosa (2013) assinala que isso possibilitou que, entre 2002 e 2012, fosse criado um novo modelo de desenvolvimento da economia brasileira baseado na expansão do mercado interno e da forte atuação do estado para reduzir a desigualdade na distribuição de renda. Quer dizer, o governo busca a inclusão social e a melhoria das condições do mercado ao mesmo tempo como fatores fundamentais de sua política econômica. As ruas mostraram que, para alguns, essa proposta é inaceitável já que os mesmos jovens que mobilizaram-se em luta são os mesmos que estão à procura de emprego nas capitais, numa notável contradição de elevação da qualidade de vida via acesso à educação superior para um mercado incapaz de absorver os jovens, já que o aumento de empregos foi no setor de serviços e não de outras esferas. Quer dizer, a crítica da oposição se dará na ligação entre os manifestos das ruas e as contradições do projeto de Dilma. Mas novas variáveis entraram em cena.

A Copa foi uma delas. A peculiaridade da Copa do Mundo de Futebol ocorrer a poucos meses da eleição presidencial colocou a questão: foi uma aposta política? Se foi, perdeu seu efeito com as manifestações de junho, porque foi provocado um debate não previsto pelos governantes sobre a natureza insensata dos gastos com a Copa num pais que quer acabar com a pobreza. Mas não foi uma perda total, ao contrário, para a oposição, o tiro pode ter saído pela culatra. É que tanto o discurso da direita como da extrema esquerda pregam que o principal problema do discurso governista é fazer a Copa aparecer como elemento de modernização quando oculta gastos inaceitáveis do governo. Mas a opinião pública não está olhando para isso, está ofuscada pelo fato de que a Copa foi um sucesso. Para o governo, o desempenho na Copa é positivo e a resposta que dará à oposição é que há um equívoco, que os gastos são oriundos mais dos estados do que do governo federal, etc, etc, argumento cujo efeito claro é prejudicar a aliança da candidata à reeleição nos estados, além de minar os candidatos governistas em suas eleições estaduais. Quer dizer, a oposição perde com a Copa porque acreditou que sustentaria o discurso do fracasso, do atraso de obras etc. O atraso das obras não superou, no entanto, o contentamento popular e o problema é justamente que o discurso da oposição parece não ter sido suficiente para comover a opinião pública.

Mas há algo mais. O notável durante a Copa foi o desaparecimento do debate político, ou pelo menos, sua exclusão, da mídia tradicional. Enquanto que a mídia critica – o Sul21 entre eles – não perdeu o foco das manifestações, a mídia tradicional tratou de reduzi-las à insignificância. Por um lado, é verdade que o movimento também recuou e as razões ainda preocupam os cientistas de plantão. Terá o gigante adormecido?A contrapropaganda da Copa soube manipular o próprio discurso dos jovens: o “vem para rua” transformou-se em “vem para a Copa”.

Foram muitos os argumentos utilizados para analisar a copa: de que a copa do mundo são jogos de futebol, algo com que o brasileiro está acostumado, que a desorganização foi mais especulativa do que real, etc, etc. Mas até agora a Copa foi uma surpresa até para seus organizadores: a previsão de grandes visitantes se confirmou; há duvidas quanto ao tamanho vultuoso de seus gastos; o investimento em projetos de mobilidade parece não ter incomodado a periferia mas, principalmente, os efeitos negativos, se os tiver, parecem serem mais sentidos pelas autoridades municipais do que pela nacional.

Talvez o aspecto pouco entendido pelos políticos de plantão tenha sido o de que a Copa foi “um carnaval por outros meios”. Recuperou uma dimensão de tempo nova na cotidianidade determinada pela sucessão de feriados e dias facultativos; estabeleceu um clima de alegria e contentamento nas ruas – ainda que hajam cenas de violência exparsas entre os turistas e jovens; com data de inicio e término pré-definidas, estabeleceu sua própria temporalidade para a comunidade: transformou blocos de carnaval em times, desfiles em partidas, jogadores em destaques, quer dizer, entendo que a razão do sucesso da Copa é que ela reproduziu de forma impar o Carnaval e com isso anestesiou os ânimos críticos. Quer dizer, não se trata de que a dimensão real onde a ideia dominante é que a Copa é um processo de coalizão entre autoridades, empresas e investimentos, etc, se trata de perceber que é como dimensão simbólica que a Copa funciona, que é um processo de recarnavalização da vida social. Nossas cidades tornaram-se mais desiguais, mas pelo menos, durante a Copa, esta não é “a” questão fundamental. Como diz Zizek, a atitude de quem vive o Carnaval é a do sujeito que vê “obliterado por alguns instantes as diferenças de classe”(O ano em que vivemos perigosamente, p. 46). Quer dizer, a Copa nos fez pensar que “sim, os jovens estão certos, claro, mas que tal deixar só um pouco isso de lado?”. Só fenômenos como a Copa tem o poder de fazer isso, porque, como dizem os psicanalistas, ela detém o lugar do “gozo” e não do “prazer”: “o gozo em si é excessivo, em oposição ao prazer, que por definição, é moderado”(Slavoj Zizek, O ano….p.53). O gozo não serve para nada, diz Zizek, e o grande esforço simbólico é estender ao esporte o que o Capital já faz com as demais dimensões da mercadoria: Coca-cola sim, mas diet, café sim, mas sem cafeína, a Copa sim, mas sem conflitos. O protótipo deste discurso é dado pela imagem da Copa que une o país, congrassa povos e nações diferentes, ou seja, que a Copa é benéfica ao país. Nada melhor do que sua propaganda para encarnar a ideologia: o que é o menino fascinado que olha as expressões da Copa se não a expressão de que mais uma vez é uma Copa para os ricos e não para pobres?

Tanto Lula quanto a Copa estão no cenário político para mostrar que, além do real, é o simbólico que terá fator determinante nas eleições ao manifestar como todos fomos absorvidos pela ideologia.

Os movimentos de junho

Os movimentos de junho trouxeram para o entendimento da dinâmica dos movimentos sociais inúmeras lições: a importância da ação direta, com a ocupação das ruas pelos manifestantes e o bloqueio à circulação; as ações de massa na rua, com a colocação de milhares de participantes junto aos principais centros de decisão; a atitude de fazer o trabalho da mídia, com a divulgação do movimento pela internet; a defesa da idéia de que todos são líderes, que dilui o poder entre todos os participantes e desestrutura o poder instituído. Todos estes elementos já foram analisados pelos analistas e imprensa à exaustão. Até uma historiografia do movimento chegou às livrarias, em que militantes e pensadores analisaram detalhes de tudo o que se viu e ouviu nos meses de junho e julho. E foram analisadas como críticas às instituições políticas feitas pelos jovens, que passaram a colocar o dedo em riste em direção aos partidos e líderes políticos da esquerda à direita.

Ora, as instituições políticas não existem fora do social. A despolitização, a perda da fé na política que os movimentos encarnam, esta sim, é uma situação coletiva. Ela afetará as eleições? Depende. Não é contraditório a esse sentimento de insatisfação com a política que algumas das lideranças do movimento tivessem ligação com partidos como o PSOL e o PSTU em um movimento que se dizia nas suas origens “sem partido”? Não é contraditório que esse sentimento de insatisfação presente nas vaias pela primeira vez recebidas pela presidente Dilma Rousseff na abertura da Copa fosse feita por supostos integrantes da classe A? Não é contraditório que, na invasão das Assembleias Legislativas e das Câmaras Municipais, onde produziu-se uma ruptura entre partidos de esquerda e direita, os integrantes dos movimentos de esquerda tenham seus representantes? Ora, a cena dos manifestantes que burlaram o cordão de isolamento feito pela polícia militar no Congresso Nacional não foi menos importante do que a invasão da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, o Palácio Tiradentes e a Câmara Municipal de Porto Alegre. Estão todas ligadas por uma lógica simbólica de conquista das instituições políticas frente ao desencanto. Em outros textos apresentamos nossa posição: a favor dos manifestantes mas contrário à violência. Esse desencanto é geral ou não?

O problema da despolitização das instituições pelos jovens teve como contrapartida a polítização da Internet. Por isso, o veículo pode saír como espaço privilegiado de organização dos movimentos de rua, da manifestação do pensamento divergente, da manifestação de todos os componentes, anarquistas, punks, extremistas de esquerda, universitários e seus ideais e dos aliados da política tradicional. Mas isto também é seu limitador porque não dá conta de que outra parte da população beneficiada via projetos sociais (populistas, como querem seus críticos) passa longe das manifestações. Em 22 de junho, em Porto Alegre, já estava bastante claro que o movimento era dividido em três atores principais: os militantes, compostos por representantes de entidades distintas, lutando pela condução da massa; os violentos, compostos por grupos que usam da tática Black Bloc, mas cuja preocupação principal é a depredação e a massa pacífica, a grande maioria composta por jovens não violentos com uma imensa vontade de fazer política. Onde estava realmente “o povo”? Pesquisa do Ibope, divulgada no dia 24 de junho, apontava que, em 2 mil manifestantes, a maior parte era composta por estudantes (52%), que não é filiada a partido político (83%), mas que se interessa por política (61%). Quer dizer, eram todos jovens e o fracasso do movimento não está na proposta que defendiam, que louvamos, mas na incapacidade do movimento em agregar demais atores sociais.

Passado um ano do movimento de junho, qual o saldo das manifestações em relação às instituições políticas? Para mim, ela é ambígua. Por um lado, obrigou os políticos a ouvir atentamente a população e a buscar soluções para sua agenda; por outro, a transferência da descrença nos políticos para as instituições é um péssimo serviço para a democracia. Os governos, Legislativo e Executivo, procuraram responder as reivindicações e, na capital gaúcha, a passagem foi mantida em patamares de preço graças ao movimento de jovens. Novas agendas foram incrementadas. Mas é preciso saber negociar. Mas perder a fé nas instituições é perigoso: inúmeras outras reivindicações ainda aguardam atendimento que só as instituições políticas podem fazer. É preciso o fortalecimento da boa política como também o do bom movimento de juventude, onde a violência não tenha vez. Os jovens já sabem que o uso da violência por grupos custou ao movimento o apoio de parte da população. Não existe linha direta entre a transformação da sociedade que dispense as instituições políticas, eis a questão que os jovens precisam aprender a partir de sua experiência.

O fator televisão na campanha

O fato de que as campanhas para presidente saem do âmbito paroquial para serem transmitidas pela televisão é um fato conhecido. Não apenas porque partidos e candidatos veem no tempo de televisão um elemento central da negociação política mas porque onde mais os partidos conseguem aliados, mais tempo de televisão dispõem para os seus candidatos. Mas há um pequeno aspecto deste espaço de televisão que me parece interessante. É o fato de que também espera-se que ele transforme a eleição em espaço ritual – o duelo entre candidatos. Não há nada mais estruturalmente arcaico, e que se atualiza no presente através da televisão, do que os debates entre candidatos, porque, como assinalava o sociólogo Jean Baudrillard, em “A troca simbólica e a morte”, coloca diretamente em relação a dinâmica do “desafio” e do “ardil”. Foi assim que de debate em debate, Lula chegou à presidência, mostrando que tais duelos são o centro simbólico das candidatura no principal momento de definição do voto do eleitor, às vésperas da eleição. É a campanha eleitoral na televisão o cenário no qual as contradições de governo e opositores são apontadas e onde o governo Dilma estará sob olhar atento, tanto quanto das respostas que dará julgamento dos acusados do mensalão e integrantes de seu partido – a frente José Dirceu e José Genuino – como também as respostas que dará ao movimento das ruas. A munição da oposição é farta e a tela da televisão um lugar de disputa.

Mas é também farta a artilharia governista. Contando com o apoio dos principais teóricos e intelectuais brasileiros (Marilena Chauí, José Luis Fimaori, Emir Sader, Marcio Pochmann, entre outros), dispõem de uma sistematização de estudos e dados que apontam os avanços na política econômica à classe trabalhadora. E ainda há os efeitos dos procedimentos de final de mandato, como a repercussão da aprovação do Plano Nacional de Educação entre os educadores, etc e um sistema vital de apoio eleitoral. Os candidatos de oposição poderão valer-se de exibição de momentos inglórios da presidenta, como a vaia recebida da população na abertura da Copa, mas a questão é que cada vez que um fato desabonador de um candidato é usado, ele já foi objeto de crítica ao governo na Internet. Dificilmente veremos fatos novos desabonadores que possam provocar na televisão alguma alteração de cenário, como foi a exibição, alguns dias antes da eleição, de imagens de uma antiga namorada de Lula afirmando ter sido persuadida ao aborto, organizada pela equipe de produção de Collor de Mello.

Mas há mais. A campanha na televisão mudou o estilo das campanhas eleitorais. Até partidos de esquerda radical, como o PSOL, incorporam o apuro técnico da propaganda de direita, exatamente como faz o PT. Propaganda tem que ser bonita, diz-se nos corredores, algo impensável para militantes de esquerda radical tempos atrás mais preocupados com o conteúdo. A forma muda também. Busca-se a sedução. A campanha via televisão foi seriamente abalada pelas redes para o bem e para o mal. Para o bem, com uma maior divulgação e acesso a informações; para o mal, com o crescimento do jogo sujo eleitoral, o debate sem etiqueta e fundamentação alguma, etc. De uma certa forma, o trabalho com a imagem dos candidatos continua correndo atrás: ainda são poucos os como Lula, que são capazes de obter total domínio do aparelho de televisão. Mesmo a aparente contrapropaganda humorística efetuada por todos os personagens que parecem caricaturizar Dilma, ainda assim podem terminar por reforçar certa simpatia em determinadas classes sociais.

Tirando os representantes dos partidos nanicos, a mídia continua dando uma cobertura excepcional aos candidatos em geral. Essa cobertura é essencial para que os candidatos continuem mostrando seus projetos no processo, já que o contrário é fator de insucesso. Não há cobertura ingênua, entretanto. Os veículos continuam com suas simpatias, interpretando fatos de uma determinada maneira e não de outra, e amplia-se o que de certa forma já se observou na França, onde os intelectuais são chamados pelos meios de comunicação a opinar sobre carreiras políticas, desempenho eleitoral, etc, estimulando, sob o véu da cientificidade, o eleitor a ter uma imagem positiva ou negativa dos candidatos.

Por isso, a educação política nunca foi tão necessária. É importante que os professores preocupados com a socialização política, incentivem o aluno a incorporar as mais diferentes fontes de informação: televisão, jornal, Internet, etc. Quer dizer, os meios de comunicação, por serem atravessados pela ideologia, impõem a todos o dever da crítica. Não existem caminhos fáceis, respostas prontas e análises completas. Se a televisão é o principal agente de socialização política hoje, é preciso que novos veículos ocupem mais espaço e possibilitem um novo discurso. Jornais e Internet não substituem o debate acalorado frente a frente. É preciso uma pedagogia política que incentive o jovem a aprender valores básicos críticos em relação à política sim, mas a todos os demais veículos, principalmente a televisão, porque precisamos aprender a sermos capazes de ler nas suas entrelinhas. Por isso não é mais possível admitir que a função política seja equalizada a representação de um caminhar pelas ruas, a responder a questões de uma plateia selecionada, etc, etc, porque o fato de responder a uma questão de auditório não o faz ser capaz de conduzir um governo. A dita imagem televisiva, o discurso de palanque, a performance pessoal não podem substituir conteúdo e ser atestado de bom projeto eleitoral. Quer dizer, é preciso voltar ao começo onde há mais tempo em relação às ideias e menos atenção em relação às imagens. É preciso recusar as formas hegemônicas da política para fazer política, eis a questão.

* Historiador, Doutor em Educação, Chefe da Ação Educativa do Memorial da Câmara Municipal de Porto Alegre

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