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31 de julho de 2014
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15:30

Alianças e traições partidárias: afinal, quem representa o quê?

Por
Sul 21
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Benedito Tadeu César*

Ainda que não se deva permitir que critérios de moralidade, mais adequados à análise das vidas privadas, substituam a objetividade necessária para a análise dos fatos políticos, pode-se afirmar que a traição político-eleitoral constitui hoje uma das características políticas mais reconhecidas pelos eleitores médios, ou seja, aqueles que têm pouca vivência política, não costumam acompanhar as atividades político-eleitorais e compõem a maioria do eleitorado.

Muitas vezes, partidos políticos e candidatos que se aliam nacionalmente se contrapõem, aparentemente sem nenhuma lógica, nas eleições estaduais. Muitos aliados nacionais são adversários estaduais, enquanto muitos adversários nacionais são aliados estaduais em diferentes estados da federação. A lógica que rege as alianças estaduais é a da sobrevivência eleitoral das oligarquias partidárias estaduais, o que, muitas vezes, contraria e se impõe à lógica eleitoral nacional e, quase sempre, se contrapõe à moralidade pessoal da maioria dos eleitores.

Nesta lógica, o grande objetivo de vários partidos políticos é a eleição de bancadas significativas nas Assembleias Estaduais e na Câmara Federal, independente do desempenho de seus candidatos nacionais. Para tal, estes partidos buscam eleger governadores ou apenas apresentar candidatos majoritários, capazes de puxar votos e compor alianças que possam viabilizar a eleição de suas bancadas. Muitos partidos lançam mão desta tática, mas o PMDB é o que mais a utiliza. Há anos sem contar com um nome capaz de empolgar o eleitorado nacional, o partido vem optando por se constituir fortemente nos estados para, a partir deles, pressionar e acabar por conquistar cargos em todos os governos federais, o que vem ocorrendo desde o final da ditadura civil-militar de 1964/1985.

Nestas eleições, o PMDB do Rio Grande do Sul chega ao extremo de trair a si próprio e de competir contra si mesmo. Além de não apoiar Michel Temer, seu presidente nacional e candidato a vice-presidente da República na chapa de Dilma Rousseff, o PMDB se alia ao PSB e faz campanha por sua adversária nacional, Marina Silva, candidata à vice-presidenta da República na chapa de Eduardo Campos. Integrando a mesma coligação de José Ivo Sartori ao governo estadual, o PSD apoia nacionalmente Dilma Rousseff, enquanto PSB, PPS, PHS e PSL apoiam Eduardo Campos, o PT do B apoia Aécio Neves e o PSDC apoia Eymael.

Movidos pela mesma lógica eleitoral regional e que se sobrepõe à lógica eleitoral nacional, outros partidos adotam práticas aliancistas que beiram a traição dos compromissos assumidos nacionalmente. Restringindo a análise ao Rio Grande do Sul e considerando as alianças firmadas pelas demais candidaturas ao governo do Estado, verifica-se que a salada eleitoral partidária é quase completa. Ela ocorre com partidos que integram a coligação encabeçada por Ana Amélia Lemos ao governo do Estado: o PP, aliado ao PT e a Dilma Rousseff nacionalmente, apoia a candidatura de Aécio Neves, no que é acompanhado pelo PSDB e pelo SD, enquanto o PRB se alinha à candidatura de Dilma Rousseff.

O PDT, também aliado ao PT e a Dilma Rousseff nacionalmente, ainda matuta se apoiará Aécio Neves ou Eduardo Campos nos pampas gaúchos. Já o DEM e o PEN, partidos que integram a coligação de Vieira da Cunha ao governo do Estado, estão aliados nacionalmente com a candidatura de Aécio Neves, enquanto o PV está com Eduardo Jorge e o PSC com o Pastor Everaldo.

Dos partidos políticos que encabeçam chapas ao governo do Rio Grande do Sul, apenas o PT mantém no nível estadual o apoio à candidatura nacional de seu partido, mantendo-se fiel a Dilma Rousseff. Mesmo assim, a aliança eleitoral pela qual Tarso Genro concorre à reeleição ao governo do Estado acolhe, além do PC do B, adepto da candidatura de Dilma Rousseff, também o PTB e o PTC, aliados nacionalmente a Aécio Neves, e o PPL, aliado a Eduardo Campos.

Mesmo que não se possa e nem se deva transpor para a vida pública e para o comportamento eleitoral-partidário os princípios com os quais se julgam os procedimentos individuais e privados, há que se reconhecer que o emaranhado de siglas partidárias e a facilidade com que elas se juntam e se afastam, firmam pactos de lealdade e se atraiçoam, são tamanhas que os eleitores imaginam, muitas vezes, que o mundo da política é o mundo da traição e da promiscuidade explícitas.

Como esperar, diante do emaranhado de siglas partidárias atual, que os eleitores consigam distinguir projetos político-societários diferenciados, se os mesmos partidos que representam estes projetos nacionalmente se aliam e se digladiam, aparentemente sem nenhuma razão lógica, nos seus estados? Como os eleitores podem acreditar que qualquer projeto político-societário possa ser viável nacionalmente, se muitos políticos e partidos que o defendem nacionalmente são os que o atacam em seus próprios estados?

Sem que se faça uma profunda reforma política, por meio da qual se reordene partidos, campanhas, financiamentos, propaganda, sistemas, fórmulas e barreiras eleitorais, dificilmente conseguiremos fazer com que os eleitores (re)adquiram confiança na política e nos políticos, percebam diferenças nas propostas políticas e comecem a estabelecer laços de solidariedade com os partidos políticos que os representam.

Sem que estas reformas aconteçam, grande parte do eleitorado permanecerá aturdida com a dança dos partidos, sem entender claramente o que acontece à sua volta e sem contar com canais institucionais nos quais confie para o encaminhamento de suas inúmeras e urgentes demandas. Um quadro no qual todos perdemos.

*Cientista político


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