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27 de junho de 2014
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14:13

Este ano devem se repetir, no país e no Estado, eleições polarizadas

Por
Sul 21
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Olívio Dutra enfrenta Antônio Britto pela segunda vez, em 1998, e vence uma das mais polarizadas eleições no Rio Grande do Sul | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Olívio Dutra enfrenta Antônio Britto pela segunda vez, em 1998, e vence uma das mais polarizadas eleições no Rio Grande do Sul | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Nubia Silveira

Três anos depois da promulgação da Lei da Anistia, em 1979, os brasileiros voltaram às urnas para escolher, pelo voto, os governadores. A eleição pelo voto direto do presidente da República demorou um pouco mais. Ocorreu apenas em 1989. A redemocratização, em termos históricos, ainda é recente. Este ano, a nação brasileira vota pela nona vez para governador e pela sexta para presidente. Entre esses pleitos, houve os que foram mais acirrados, com intensa disputa entre dois candidatos, que representavam programas totalmente opostos. Um panorama que deve se repetir este ano no Estado e no país. E, desde a instituição do segundo turno, pela Constituição cidadã, de 1988, o país reelegeu dois presidentes, mas os gaúchos não recolocaram no cargo nenhum governador.

No Rio Grande do Sul, na primeira eleição pós-ditadura, em 1982, os eleitores centraram suas preferências entre dois nomes: Jair Soares, do PDS, e Pedro Simon, do PMDB. Naquele ano, estavam em disputa os programas dos sucedâneos da Arena, o partido que deu sustentação ao regime militar, e do MDB, que reuniu os opositores. Por uma diferença de 22.643 votos, Jair Soares foi o vencedor. Quatro anos depois, o candidato peemedebista largou na frente. Pedro Simon venceu o pedetista Aldo Pinto com 869.153 sufrágios a mais.

Para dois cientistas políticos e um jornalista que acompanha a política gaúcha há mais de 50 anos, a eleição mais polarizada no Estado foi a de 1998, em que Antônio Britto (PMDB) e Olívio Dutra (PT) se enfrentaram pela segunda vez. Derrotado em 1994, o candidato petista saiu vencedor com 49,49% dos votos contra 47,97% do adversário. A cientista política, integrante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do Rio Grande do Sul, Mercedes Cánepa diz não ter dúvidas de que essa foi a eleição mais polarizada no Estado, “se tomarmos como critério de polarização o fato dos dois principais (primeiros) candidatos alcançarem um percentual de votos muito acima dos demais concorrentes e entre eles apresentarem equilíbrio de forças”.

Na disputa com Olívio, Antônio Britto defendia o modelo neoliberal | Foto: gestaoriscos.blogspot.com.br
Na disputa com Olívio, Antônio Britto defendia o modelo neoliberal | Foto: gestaoriscos.blogspot.com.br

O jornalista Carlos Bastos e o cientista político Benedito Tadeu César consideram que, além do pleito de 1998, o de 1994 foi muito disputado e ideologizado, com os candidatos do PMDB e do PT defendendo programas totalmente opostos. Britto – diz Bastos – tinha um discurso neoliberal, em que defendia as privatizações, enquanto Olívio era a favor da estatização. Mercedes reafirma a posição de Bastos: a eleição de 1998 foi “bastante ideologizada”. Os debates foram pautados por temas como privatização, desemprego e algumas importantes mudanças constitucionais. “Do lado da oposição, havia uma profunda crítica ao modelo neoliberal que vinha sendo implantado. A defesa da estabilidade, alcançada com o Plano Real, não era suficiente para encobrir as consequências negativas do modelo”, afirma a cientista política. Esse embate ideológico, avalia Benedito Tadeu César, se assemelha ao que deverá ocorrer nas eleições deste ano.

Tadeu lembra que, em 1994, Britto “abriu uma vantagem de 14,5 pontos percentuais no primeiro turno, mas venceu o segundo com uma vantagem de apenas 4,4 pontos. Em 1998, Britto abriu vantagem de apenas 0,5 ponto percentual no primeiro turno e foi vencido por Olívio por apenas 1,6 ponto no segundo”. Mercedes ressalta que, em 1998, Britto era candidato à reeleição, com apoio de “uma ampla coligação, que pode ser considerada de centro-direita”: PMDB-PSDB-PPB-PFL-PL-PTB e outros partidos menores. Uma coligação, segundo Mercedes, “puro sangue” de esquerda – PT-PSB-PCdoB-PCB – abraçava a candidatura de Olívio. No primeiro turno, essas duas coligações somaram 92,32% dos votos válidos – 46,40% para Britto e 45,92% para Olívio. No segundo, o PDT, que não conseguira eleger sua candidata, Emília Fernandes (6,19%), apoiou o petista.

A eleição de 2014, para o governo do RS, deverá ser polarizada entre Tarso Genro e Ana Amélia Lemos | Caco Argemi/Palácio Piratini
A eleição de 2014, para o governo do RS, deverá ser polarizada entre Tarso Genro e Ana Amélia Lemos | Caco Argemi/Palácio Piratini

Bastos destaca que nas eleições seguintes, de 2002 e 2006, a disputa acirrada entre duas correntes provocou o surgimento de uma terceira via, saindo eleitos, respectivamente, o peemedebista Germano Rigotto e a tucana Yeda Crusius. Como Tadeu, o jornalista acredita que, em 2014, o pleito, no Rio Grande do Sul será novamente polarizado. Desta vez entre Tarso Genro, o candidato petista, que busca a reeleição, e a representante progressista, Ana Amélia Lemos. “Esta será uma disputa guerreada de voto a voto”, afirma. Mercedes, no entanto, tem outra visão do quadro eleitoral gaúcho, no momento. Ela considera que ele não está totalmente definido e ainda é cedo para falar em polarização entre os candidatos do PT e do PP. “Seria difícil – diz ela – imaginar, por exemplo, que o PMDB, com implantação em todos os municípios do Estado, tenha uma votação muito inexpressiva (apesar da divisão do partido em relação à eleição para presidente)”.

Polarização nacional

A primeira eleição direta para presidente, realizada após o fim da ditadura, foi a mais polarizada, em nível nacional, afirma a cientista política e professora do Curso de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Silvana Krause. Entre as razões para isso estiveram a expectativa criada no país por eleições direta em 1985, quando Tancredo Neves venceu no Colégio Eleitoral, e o panorama internacional, com a queda do muro de Berlim, ocorrida no dia 9 de novembro de 1989, seis dias antes das eleições presidenciais.

Lula e Collor protaganizaram uma das eleições mais polarizadas à presidência da República | Foto:  www.diariodocentrodomundo.com.br
Lula e Collor protaganizaram uma das eleições mais polarizadas à presidência da República | Foto: www.diariodocentrodomundo.com.br

A campanha presidencial, lembra Silvana, se deu em torno do papel do Estado, com Collor defendendo o neoliberalismo, e Lula afirmando que o Estado já estava privatizado, sendo necessário torná-lo público. Para a cientista política, nas eleições de 1989 havia uma definição clara entre esquerda e direita, uma definição que “fica cada vez mais nebulosa”. A disputa entre Fernando Collor de Mello, da coligação Movimento Brasil Novo (PRN-PSC-PTR-PST), e Luiz Inácio Lula da Silva, da coligação Frente Brasil Popular (PT-PSB-PCdoB), terminou com a vitória, em segundo turno, de Collor, eleito com 53,04% dos votos.

Ao contrário de Silvana Krause, Mercedes Cánepa considera que a mais ideologizada das eleições nacionais foi a de 2002, entre José Serra, da coligação Grande Aliança (PSDB-PMSB), e Luiz Inácio Lula da Silva, da Lula Presidente (PT-PCdoB-PL-PMN-PCB), em que o petista foi eleito, em segundo turno, com 61,28% dos votos. Mercedes explica: “Com a reeleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1998, já no primeiro turno, e sua decisão de não participar de debates – FHC venceu também em primeiro turno, em 1994, sem debate –, a eleição mais polarizada e também mais ideologizada foi transferida para 2002, definida, no segundo turno, entre Serra e Lula”. Foi nessa eleição, diz Mercedes, que “as críticas às políticas neoliberais, então adotadas, se fizeram sentir com mais força em nível nacional. Questões como o desemprego, a desigualdade e a pobreza de grande parte da população ganham proeminência e espaço na agenda dos embates eleitorais, juntamente com os temas ligados às privatizações, à desregulação, às altas taxa de juros e outros”. Esse tipo de polarização, no entanto, acredita a cientista social, não repete a ocorrida no Rio Grande Sul, em 1998, devido à participação de dois outros candidatos – Ciro Gomes, da coligação Frente Trabalhista (PPS-PTB-PDT), e Anthony Garotinho, da Brasil Esperança (PSB-PTC-PGT) –, que “ampliam as críticas ao governo, mas, aparentemente, diluem em parte a polarização”.

Em 2002, a disputa entre Lula e Serra foi a mais ideologizada, acredita a cientista   política Mercedes Cánepa
Em 2002, a disputa entre Lula e Serra foi a mais ideologizada, acredita a cientista política Mercedes Cánepa

Tanto Benedito Tadeu César quanto Silvana Krause avaliam que as eleições para presidente da República, neste ano, serão polarizadas, mas o debate não será mais sobre a concepção do Estado. Em 2014, diz Tadeu, “as oposições procurarão ofuscar a questão da concepção de Estado pelas questões da moralidade pública, da corrupção e da ‘eficiência administrativa’”. Silvana segue na mesma linha. Afirma que o discurso não será ideológico, mas moral. “Será antiPT e não antiPT”, o que deverá produzir uma campanha “pouco substancial”. A cientista avalia que a oposição é frágil. “Qual bandeira pode uni-la?” pergunta, para, então, responder: “É a anticorrupção”. Essa realidade lembra, segundo Silvana, os discursos da UDN, de limpeza da política, do início dos anos 1960.

Na opinião de Mercedes, os dois candidatos mais competitivos à presidência da República, por possuírem base de sustentação mais ampla, são a presidenta Dilma Rouseff, do PT, e o senador Aécio Neves, do PSDB. “São dois projetos distintos, que têm uma perspectiva clara do que pretendem. De um lado, a proposta de continuidade pretende aprofundar um modelo que chamaria de desenvolvimentista-redistributivista, com participação importante do Estado como ator nesse duplo processo. Do lado da oposição, se trata de levar à frente um desenvolvimento de cunho francamente liberal, com pouca intervenção do Estado no processo e um novo tipo de inserção internacional, que considero mais dependente”. Para a cientista política não está muito claro o que pretende o ex-governador pernambucano Eduardo Campos, pré-candidato do PSB-Rede, “que tenta se colocar como uma espécie de ‘terceira via’”.

Reeleição no RS

O jornalista Carlos Bastos afirma que não há uma “explicação plausível” para os gaúchos não terem ainda reeleito um governador. “É a tradição do Estado”, diz ele. “Os governantes não preenchem as expectativas dos eleitores e se desgastam no poder, perdem votos”. Ele considera que 30% dos votos são do PT e que a decisão de um pleito se deve ao “eleitorado flutuante, apartidário, que vota de acordo com o momento, em geral contra o governo”.

A tese de que o RS está dividido entre esquerda, centro e direita, tendo cada um desses campos políticos cerca de um terço dos votos, é defendida por Tadeu. Isso implica, segundo ele, “que ninguém ganha eleição sozinho no RS”. A razão para a inexistência de reeleição é, diz ele, a “incapacidade das forças de situação (governantes) agregarem, como aliados eleitorais, ao menos um dos dois outros campos”. Mercedes também não acredita que “exista um traço ‘atávico’ na cultura política do Estado para a não reeleição de governadores”.

Bruno Alencastro/Sul21
Yeda Crusius: como os demais governantes gaúchos, que tentaram a reeleição, não teve sucesso | Foto: Bruno Alencastro / Banco de Dados / Sul21

Depois da Constituição de 1988, as eleições no Estado levaram para o segundo turno, em 1990, os candidatos do PDT, Alceu Collares (2.319.400 votos), e do PDS, Nelson Marchezan (1.472.356). Nenhum deles buscava a reeleição. Em 1994, Sereno Chaise substituiu Alceu Collares como candidato do PDT, que estava coligado com o PMN e o PP. Para o segundo turno, foram Antônio Britto (PMDB-PL-PSDB), eleito com 2.679.701 votos, e Olívio Dutra (PT-PSTU-PPS-PSB-PV-PCdoB), que obteve 2.453.174 votos. Em 1998, pela primeira vez, no Rio Grande do Sul, um governador tenta a reeleição. Brito perde para Olívio Dutra, do PT, que obteve 2.844.767 votos contra os 2.757.401 do adversário.

Olívio não tenta a reeleição. Perdeu para Tarso Genro na convenção do PT. Os candidatos mais votados em 2002 são Germano Rigotto (PMDB-PHS e PSDB) e Tarso Genro (PT-PCB-PMN e PCdoB), que vão para o segundo turno. Britto (PPS-PSL-PFL e PT do B), que concorre pela terceira vez, fica fora do pleito. No segundo turno, Germano Rigotto é eleito com 3.148.788 votos. Em 2006, mais uma vez um governador gaúcho tenta a reeleição. Rigotto, no entanto, não chega ao segundo turno, disputado por Yeda Crusius (PSDB) e Olívio Dutra (PT). A tucana chega ao poder com 3.377.973 votos. Em 2010, Yeda tenta se reeleger, mas perde já no primeiro turno, ficando em terceiro lugar, atrás de Tarso Genro (PT) e José Fogaça (PMDB). A eleição termina, pela primeira vez no Estado, sem segundo turno. Tarso vence com 3.416.460 votos. Fogaça, o segundo colocado, fez 1.554.836 votos. Neste ano, Tarso tentará a reeleição.

Esse quadro é analisado por Benedito Taceu César: “Britto ficou isolado na disputa para segundo mandato e agregou muito pouco no segundo turno. Olívio foi derrotado por Tarso na convenção do PT porque Tarso poderia, na percepção das bases petistas, ampliar os apoios e garantir um segundo mandato para o partido. Não soube ou não pode fazer isso durante a campanha, pois ficou refém da DS, que dirigiu sua campanha e impôs uma postura e uma campanha polarizadas, como seria a de Olívio. Rigotto venceu porque Tarso desconstruiu a campanha de Britto e, quando ele murchou, os votos do centro e também da direita (que saíram de Britto) fluíram para Rigotto. Ele não foi reeleito, no entanto, porque subestimou a força eleitoral do PT e seu um terço de votos fiéis. Acreditou, no entanto, que poderia inflar a votação de Yeda, que seria um adversário mais fraco no segundo turno, e eliminaria Olívio da disputa, sagrando-se, então, vencedor. Yeda não tinha votos para vencer por méritos eleitorais próprios no primeiro mandato e continuou não tendo para ser reeleita. O desgaste da direita, que apoiou e sustentou Yeda, deu a vitória eleitoral para Tarso, já no primeiro turno”.


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