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27 de junho de 2014
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10:06

História do Voto no Brasil: da colônia à República

Por
Sul 21
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A Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988, foi um marco na história política eleitoral | Foto: wikipedia.org.br
A Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988, foi um marco na história política eleitoral | Foto: wikipedia.org.br

Jorge Barcellos*
Especial Sul21

1.O tema do voto na historiografia brasileira

A história do voto é um capítulo especial da história política brasileira. Essencial ao entendimento do surgimento da democracia, é tema de estudo de historiadores e cientistas políticos e sua análise inclui discussões teóricas, descrições de caráter histórico, interpretações da política brasileira e, inclusive, o eterno debate da necessidade de reformas eleitorais.

Inúmeros autores já escreveram sobre a história do voto e a importância da sua conquista como elemento de ampliação da cidadania e dos direitos políticos no Brasil. Objeto de estudos políticos diversos como o de Maria D’Alva Gil Kinzo, autora de “Representação Política e Sistema Eleitoral no Brasil” (São Paulo, Símbolo), que estudou detidamente o papel dos partidos políticos e das eleições no Brasil. Seu trabalho foi precursor porque salientou a importância da legislação eleitoral no debate institucional, pesquisando as múltiplas dimensões do comportamento eleitoral e da vida partidária brasileira. José Murilo de Carvalho, autor de “Cidadania no Brasil” (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira), apontou a dependência que entre si têm os direitos políticos, sociais e individuais: “Sem os direitos civis, sobretudo a liberdade de opinião e organização, os direitos políticos, sobretudo o voto, podem existir formalmente, mas ficam esvaziados de conteúdo e servem antes para justificar governos do que para representar cidadãos. Os direitos políticos têm como instituição principal os partidos e um parlamento livre e representativo. São eles que conferem legitimidade à organização política da sociedade. Sua essência é a ideia de autogoverno” (p. 10).

A importância da conquista do voto como elemento de ampliação da cidadania e dos direitos políticos no Brasil é tema de inúmeros de autores
A importância da conquista do voto como elemento de ampliação da cidadania e dos direitos políticos no Brasil é tema de inúmeros de autores

Três autores investigaram de forma magistral a história do voto. O primeiro deles é Victor Nunes Leal, autor de “Coronelismo, Enxada e Voto” (São Paulo, Editora Alfa-Ômega). A obra é um dos marcos da ciência política no Brasil pelo rigor da interpretação de documentos históricos, legislações e dados estatísticos. Sua análise do mandonismo local e do coronelismo como sustentáculo político da República Velha (1889-1930) mostrou como neste período os descendentes de ex-escravos logo se incorporaram à esfera de influência eleitoral e como sucessivos governos estaduais e federais se elegeram com os “votos de cabresto” dos grotões. O segundo, Walter Costa Porto, autor de “Dicionário do Voto” (Editora UNB, 2000) e “História do voto no Brasil” (Topbooks, 2002), analisou em detalhe a história eleitoral brasileira, desde as eleições para os Conselhos ou Câmaras até os pleitos da 5ª República. Especialista em Direito Eleitoral e Ministro do Tribunal Superior Eleitoral, Porto também mostrou as deformações do processo eleitoral na obra “A mentirosa Urna” (Martins Fontes, 2004). O terceiro, Jairo Nicolau, autor de “História do Voto no Brasil” (Zahar, 2002) e “Eleições no Brasil: do império aos dias atuais” (Zahar, 2012), é um dos mais notáveis pesquisadores da história eleitoral brasileira. Pesquisando sobre eleições, sistema partidário, partidos, sistema eleitoral e reforma política, de uma forma única combina análise histórica com a interpretação política comparada.

Tais interpretações têm o mérito de constituir um arcabouço notável de interpretação para o processo eleitoral combinando análise histórica, política e direito. Mas ainda é uma história recente, preocupada mais em reunir e interpretar os dados do processo eleitoral em nível nacional e com poucos estudos que tratem da evolução dos aspectos da história do voto em nível local.

2.Origens do voto

Informações genéricas sobre a origem do ato de votar emergem no campo da história política. Remonta-se a origem do ato de votar aos tempos mais remotos, na escolha de chefes militares das comunidades primitivas por meio da aclamação dos guerreiros, então os únicos eleitores. Com o tempo, esses chefes tornavam-se governantes também em tempo de paz e só tardiamente surgiu a necessidade de organizar disciplinadamente essa escolha. Na Grécia, a primeira legislação eleitoral é atribuída pela tradição ao lendário Licurgo e a Sólon, que, em 594 a.C, anistia as dívidas dos camponeses e impõe limites à extensão das propriedades agrárias e que, ao diminuir os poderes da nobreza, reestrutura as instituições políticas e dá direito de voto aos trabalhadores livres sem bens, codificando o direito pela primeira vez. Em Roma, o voto emerge nas reformas de Sérvio Túlio que tendem à formação de um corpo eleitoral e à fixação de processos de votação.

No Brasil, primeira eleição ocorreu em 1532,  quando os moradores da Vila de São Vicente, em São Paulo, elegeram os membros da Câmara Municipal | Foto:Câmara de São Vicente
No Brasil, primeira eleição ocorreu em 1532, quando os moradores da Vila de São Vicente, em São Paulo, elegeram os membros da Câmara Municipal | Foto:Câmara de São Vicente

No início da Idade Média, as monarquias germânicas continuaram sendo teoricamente, e por vezes praticamente, eletivas, como a monarquia visigótica. No entanto, foi sobretudo no âmbito da Igreja que se utilizaram as eleições, embora com um eleitorado restrito. Também o imperador alemão e certos governantes italianos eram eleitos. No século XIII surgiu na Inglaterra o parlamento, mas só muito mais tarde, com a influência da Revolução Francesa, as eleições parlamentares começaram a ser regulamentadas. Na época moderna, as eleições estão ligadas ao sistema de governo representativo e ao preenchimento de cargos executivos. É nesta época que se fortalece a ideia de que a eleição é a forma pela qual as pessoas em uma sociedade escolhem politicamente candidatos ou partidos por meio do voto. Quer dizer, apesar do uso do voto ser ancestral, a organização do sistema eleitoral tem origem no século XVII, com o surgimento de governos representativos na Europa e na América do Norte. É o sistema eleitoral que diz como é escolhido um representante ou decidida uma questão. Quer dizer, o conceito de eleição implica que sejam reconhecidos os eleitores e que eles sejam contemplados com alternativas, que possam escolher uma entre várias propostas (ou representantes) designadas para resolver determinados problemas públicos. A existência de alternativas torna-se uma condição necessária para que a eleição seja genuinamente democrática. Alguns estudos apontam que a primeira legislação completa em matéria eleitoral foi a preparatória da convocação dos Estados Gerais na França, em 1788. Elaborada por uma assembleia de notáveis, deliberou sobre as condições do eleitorado e de elegibilidade, a composição dos Estados, o número de deputados a eleger e a forma da convocação. No Brasil, as origens do voto remontam a 23 de janeiro de 1532, quando os moradores da Vila de São Vicente, em São Paulo, foram às ruas para eleger o seu Conselho Municipal.

3. Espécies de voto

Um tema frequente nos estudos políticos é a tipologia do voto. Entendido como o exercício da capacidade eleitoral, o voto corresponde, nos sistemas democráticos, à participação do indivíduo na formação do consenso de um grupo através das eleições. No campo da ciência política, as análises de forma geral enumeram os seguintes tipos de voto ou eleições: majoritário ou proporcional, a descoberto ou secreto, singular ou popular, direto ou indireto.

No voto majoritário elege-se aquele candidato que obtiver maior número de sufrágios que o seu competidor ou competidores. Em alguns países, a legislação eleitoral exige a maioria absoluta dos sufrágios expressos na circunscrição eleitoral. Nesses casos, a circunscrição toma a forma de círculos uninominais (quer dizer, aqueles que elegem um só representante) e a eleição pode processar-se em dois turnos. O segundo turno é realizado entre os dois candidatos mais votados, desde que nenhum deles, no primeiro turno, tenha conquistado maioria absoluta.

A instituição do voto secreto nos pleitos federais verificou-se no Brasil pelo Código eleitoral de 1932, embora fosse reivindicação antiga e constasse da legislação de São Paulo e de Minas Gerais (1930), pouco antes da queda da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 1891. Sua origem remonta à Grécia antiga, quando em ocasiões especiais, como nos casos de ostracismo, usava-se o voto secreto, expresso por bolas pretas ou brancas, ou conchas marcadas ou não marcadas. Na Idade Média, uma bula papal de 1562 instituiu o escrutínio secreto para a eleição do papa e na Inglaterra, a Lei eleitoral de 1872 estabeleceu o voto secreto em todas as eleições parlamentares e municipais.Nos Estados Unidos, o sistema australiano de voto secreto foi adotado largamente a partir de 1884. Também foi muito difundido o sistema de entregar a lista apenas dobrada, mas que aos poucos foi sendo considerado insuficiente para garantir o segredo do escrutínio. Por isso, surgiram alternativas ao voto secreto: na Bélgica, o voto de cada eleitor é encerrado num sobrescrito e em alguns países da Europa continental foi generalizado o uso de urnas fechadas com uma única abertura para boletins de voto, que só podem ser abertas para a contagem depois de terminada a votação. Na República Federal da Alemanha usa-se um sobescrito oficial, único válido para o efeito, obedecendo a determinados requisitos e na França, o sistema do sobescrito foi adotada após 1913 enquanto que nos EUA são cada vez mais usados cartões perfurados e máquinas de votar que permitem maior rapidez na apuração dos resultados eleitorais. A Constituição de 1988 consagrou no Brasil o voto direto no processo eleitoral e as instituições políticas, de forma geral (Assembleias e Câmaras Municipais) têm abolido aos poucos o voto secreto entre os pares.

A literatura em ciência política aponta uma modalidade pouco conhecida, a do voto plural, que pode existir em mais de uma modalidade. No Brasil, o voto plural existiu no sistema eleitoral federal da Primeira República. Nessa época, os Estados eram divididos em distritos eleitorais e para as eleições de deputado federal, o eleitor tinha o direito a tantos votos quantos eram os deputados apresentados pelo seu distrito, o que facilitava a representação das minorias. Esse sistema de voto plural é, também, denominado de cumulativo e era constante da lei eleitoral de 1904, a chamada Lei Rosa e Silva. Outra modalidade de voto plural é o concedido a determinados eleitores que disponham de um status especial, como, em certas legislações, o papel de chefe de família, que, além do seu voto, dispõe de um número de votos correspondente aos seus filhos dependentes.

No Brasil, o sistema do voto indireto foi copiado da Constituição espanhola de 1812, adotada por José Bonifácio, quando das suas instruções normativas para a eleição dos deputados brasileiros às Cortes de Lisboa | Foto: wikipedia.org.br
No Brasil, o sistema do voto indireto foi copiado da Constituição espanhola de 1812, adotada por José Bonifácio, quando das suas instruções normativas para a eleição dos deputados brasileiros às Cortes de Lisboa | Foto: wikipedia.org.br

O voto indireto, mais conhecido que o voto plural, é aquele que o eleitor primário confere a outro eleitor, sendo este incumbido da eleição final. No Brasil, o sistema do voto indireto foi copiado da Constituição espanhola de 1812, adotada por José Bonifácio, quando das suas instruções normativas para a eleição dos deputados brasileiros às Cortes de Lisboa. O sistema indireto prevaleceu, no Império, até 1881, quando o voto direto foi estabelecido pelo conselheiro José Antônio Saraiva (1823-1895). No Brasil, a primeira eleição para o Conselho Municipal para a Vila de São Vicente, em São Paulo, foi indireta: o povo da vila elegeu seis representantes que, em seguida, escolheram os oficiais do Conselho. As autoridades de Portugal não podiam estar nos locais de votação para não intimidar a população, ainda que as eleições seguissem as Ordenações do Reino, de 1603, de Portugal. A consequência é que as eleições coloniais davam-se apenas em nível municipal.

O voto direto é considerado o mais adequado ao regime republicano pela literatura de ciências políticas. Na França, em 1788, segundo as deliberações da assembleia de notáveis reunidas por Luís XVI (1754-1793) para fixar as regras que deveriam presidir as eleições dos Estados Gerais, apesar das eleições de deputados serem abertas a todos cidadãos, o voto direto era reservado para os nobres e eclesiásticos, tendo os restantes eleitores apenas direito ao voto indireto. Este é um tipo muito importante, tema de debates entre os estudiosos porque se trata justamente de identificar o tipo de voto dominante na história do Brasil, se direto ou indireto. O que se chama no Brasil de voto indireto, processo que serviu para a eleição de alguns presidentes da República, como Deodoro da Fonseca, Getúlio Vargas e os eleitos, entre 1964 e 1985, de fato não corresponde ao conceito clássico. A rigor, nos casos brasileiros trata-se, na verdade, de voto direto, porque o eleitor presencial não pode alterar a comissão que recebeu poder do eleitor primário, mas dá-se em dois graus porque, formalmente, a eleição presencial só se completa com a reunião e votação do grupo dos eleitores eleitos pelo voto primário.

Sociólogo e cientista político inglês, Stuart Mill foi um dos primeiros a defender a adoção do voto proporcional | Foto: wikipedia.org.br
Sociólogo e cientista político inglês, Stuart Mill foi um dos primeiros a defender a adoção do voto proporcional | Foto: wikipedia.org.br

O voto proporcional, de representação proporcional, começou a ser cogitado em meados do séc. XIX, sendo o sociólogo e cientista político inglês Stuart Mill um dos pioneiros a defender sua adoção. Embora nunca tenha prevalecido na Inglaterra, o voto proporcional foi adotado em vários países, inclusive no Brasil. Funda-se no conceito válido de que o sistema majoritário, pela diferença de poucas unidades, pode deixar sem representação minorias consideráveis e às vezes aproximadas à maioria vitoriosa. O voto proporcional estabelece um sistema de quocientes obtidos através da divisão do número de votantes pelo de postos a serem preenchidos. Todo candidato que, dentro da lista, atingir tal quociente estará eleito. Várias são as modalidades de voto proporcional. Embora seja um tipo também contestado, a observação ensina que o sufrágio proporcional tende a aumentar o número dos partidos políticos, enquanto que o sufrágio majoritário, habitualmente, reduz as mesmas organizações. Na Inglaterra e nos EUA, onde se pratica o voto majoritário em círculo uninominal, os partidos são praticamente apenas dois, aparecendo os demais como expressões de quase nenhuma importância ou como manifestação de condições locais.

5. O voto no Brasil

5.1.Os primórdios das eleições no Brasil (1532-1822)

A história do voto no Brasil inicia com a aplicação do primeiro Código Eleitoral, chamado de Ordenações do Reino. Ele foi elaborado em Portugal, no fim da Idade Média, e utilizado até o ano de 1828, quando D. João VI convocou as primeiras eleições gerais do Brasil, para a escolha de seus representantes junto às Cortes de Lisboa. Em 1821, o voto sai do âmbito municipal e podem votar os homens livres, inclusive analfabetos, a partir dos 25 anos, e casados e oficiais militares podem votar a partir dos 21 anos. Não existem partidos políticos e o voto não é secreto. Até o fim do Império, com a proclamação da República, o voto era censitário, limitado aos possuidores de uma renda igual ou superior a 25 quintais (1,5 tonelada) de mandioca.

A primeira legislação eleitoral produzida no Brasil é publicada em 1824 para eleger a Assembleia Geral Constituinte. O voto era censitário, isto é, relativo à condição econômica, podia ser feito por procuração mas não existia título de eleitor. As eleições foram realizadas e, em março de 1824, D. Pedro I promulgou a nova constituição. A primeira lei eleitoral elaborada pelo Poder Legislativo foi assinada pelo imperador em 19 de agosto de 1846. Revogando todas as anteriores, de influência portuguesa e espanhola, ela condensou as instruções para eleições provinciais e municipais e estabeleceu, pela primeira vez, uma data para eleições simultâneas em todo o Império.

5.2. As eleições durante o século XIX (1822-1889)

Durante o século XIX, o principal fato para a organização das eleições no Brasil foi a vinda da família real. Dom João VI nasceu em 13 de maio de 1767 e chegou ao Brasil fugindo das tropas napoleônicas em 1808. Em 1815, elevou o Brasil à condição de Reino. O movimento constitucionalista de 1820, na cidade de Porto, obrigou-o a voltar a Portugal, deixando o Brasil em abril de 1821. Em 1822, seu filho D. Pedro I reconheceu a Independência do Brasil.

As Cortes Portuguesas, que não se reuniam desde o séc. XVII, reuniram-se em Lisboa para redigir a Carta Constitucional da monarquia portuguesa. O decreto de 7 de março de 1821 instruiu a eleição dos deputados brasileiros às Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa. Esta é conhecida como sendo a primeira eleição geral no Brasil e se deu em quatro graus: os cidadãos de cada freguesia nomearam os compromissários, estes escolheram os de paróquia que, por sua vez, designaram os leitores da comarca, e, finalmente, estes últimos elegeram os deputados.

Em 7 de setembro de 1822, D.Pedro I proclamou a Independência do Brasil, o que obrigou a um constante aperfeiçoamento da legislação eleitoral durante todo o Império, mesmo que fosse copiada do modelo francês. Em Portugal, as ordenações do Reino eram as antigas leis compiladas em código. As primeiras, ordenadas por D. João I, foram concluídas em 1446. Em 1514, publicou-se nova coleção das leis do reino com as alterações introduzidas pelo tempo. Por terem sido impressas por ordem de D. Manuel, receberam o nome de Ordenações Manuelinas. Em 1603, publicaram-se as Ordenações Filipinas, mandadas compilar por Filipe I, que, em Portugal, vigoraram até 1868. No Brasil, as Ordenações Filipinas, por força da lei de 20 de outubro de1823, vigoraram até 31 de dezembro de 1916, como subsídio do direito pátrio, e só foram definitivamente revogadas pelo Código Civil de 1917. Por essa razão, as Ordenações Filipinas terminaram por orientar não apenas o processo eleitoral, como também a organização político-administrativa do país.

Dom Pedro I declara a Independência do Brasil e tem papel proeminente na consolidação do processo eleitoral basileiro | Foto: reprodução
Dom Pedro I declara a Independência do Brasil e tem papel proeminente na consolidação do processo eleitoral basileiro | Foto: reprodução

Dom Pedro I teve papel proeminente para a consolidação do processo eleitoral no Brasil. A independência criou condições para a consolidação de um sistema político nacional, baseado em eleições, porque exigiu uma organização eleitoral mais elaborada. A primeira iniciativa de organização do sistema eleitoral do pós independência foi a Lei dos Círculos. O decreto elaborado pela Assembleia Geral Legislativa e assinado pelo Imperador Dom Pedro II, em 19 de setembro de 1855, estabelecia o voto por distritos ou círculos eleitorais. Exigia que as autoridades se desincompatibilizassem de seus cargos seis meses antes das eleições. Quinze anos depois, a Lei dos Círculos foi substituída pela Lei do Terço, que determinou que as eleições para deputados à Assembleia Geral e para membros das Assembleias Legislativas fossem feitas nas províncias. A Lei do Terço foi chamada assim porque determinava que os partidos ou coligações vitoriosos preencheriam dois terços dos cargos. O restante seria ocupado por partidos minoritários. Em 1842, é proibido o voto por procuração e, em 1881, a Lei Saraiva estabelece a obrigatoriedade da existência do título de eleitor e o analfabeto perde o direito de votar. O votante era identificado pelos membros da mesa de votação ou por pessoas que o acompanhassem.

Mas a instituição do título eleitoral pela Lei Saraiva, em 1881, que estabelecia, também, as eleições distritais, não evitou o fim dos abusos e das fraudes que ocorriam durante as eleições. Do título constavam nome, nascimento, filiação, estado civil e profissão. Não havia fotografia. Surgiram, então, os eleitores “fantasmas” (mortos, crianças e eleitores cadastrados em outros municípios). Definido como o documento comprobatório do alistamento do cidadão como eleitor, ele passa a servir como prova de que o eleitor está inscrito na seção em que deve votar. Em 12 de janeiro de 1876, por meio do Decreto n° 6.097, foi realizada a regulamentação do título de leitor.

Deodoro da Fonseca aboliu o voto censitário no Brasil | Foto: reprodução
Deodoro da Fonseca aboliu o voto censitário no Brasil | Foto: reprodução

O título era impresso pelas Câmaras Municipais e distribuído às juntas municipais de qualificação, sendo assinado pelo secretário da Câmara e pelo presidente da junta de qualificação. Como, à época, o voto era censitário e a eleição em dois graus, constavam no título a renda do eleitor e sua elegibilidade – se simples votante ou se eleitor. O voto censitário foi abolido por Deodoro da Fonseca por meio do Decreto n° 6, de 19 de novembro de 1889, e o alistamento entregue ao Poder Judiciário em 1916, em respeito à Lei n° 3.139, de 2 de agosto de 1916. A proclamação da República, no entanto, não assegurou o voto de menores de 21 anos, mulheres, analfabetos, mendigos, soldados rasos, indígenas e integrantes do clero.

Dois elementos eram essenciais ao sistema eleitoral do império. O primeiro era a organização provincial definida como “a circunscrição administrativa ou a divisão administrativa, dando autonomia aos poderes constituídos dentro dos territórios jurisdicionais, em que se limitam, em obediência aos princípios fundamentais aceitos e vigorantes no Estado”. No período imperial, era essa a denominação dada a cada uma das divisões administrativas que compunham o Império, as quais, com a República, passaram a ser denominadas Estados. O segundo era o círculo eleitoral propriamente dito, sinônimo de distrito eleitoral. Definido como a parte de um território em que os eleitores concorrem, conjuntamente, para a eleição do número de representantes designados pela lei. Durante o Império, embora se falasse em círculos, na redação das leis, o termo utilizado era sempre distrito.

5.3. As eleições na República (1889-2014)

A Proclamação da República pelo Marechal Deodoro da Fonseca, no dia 15 de novembro de 1889, no Rio de Janeiro, representou um marco definitivo para a legislação eleitoral. O modelo eleitoral, até então baseado no francês, passou a ser o norte-americano. A partir da República, o poder legislativo passa a ser o único dos poderes capaz de criar direitos e deveres. É exercido pelo Congresso Nacional, composto da Câmara dos Deputados e Senado Federal, cujos componentes são eleitos por meio de voto direto e secreto para mandatos de quatro e oito anos, respectivamente, pelas Assembleias Legislativas dos estados e pelas Câmaras Municipais.

É preciso lembrar que, desde 1846, data da criação da primeira lei eleitoral elaborada pelo Poder Legislativo, foi estabelecido que, para ser senador, era necessário, entre outras exigências, que fosse cidadão brasileiro acima de 40 anos e estivesse no gozo dos seus direitos políticos. Além disso, foi estabelecido que fosse pessoa de saber, capacidade e virtudes, com preferência aos que tivessem prestado serviços à Pátria e fosse censitário, isto é, tivesse rendimento anual de 400 mil réis por bens, indústria, comércio ou emprego. Os senadores eram vitalícios e só haveria eleição no caso de morte ou aumento do número de cadeiras no Senado, mas os deputados podiam ser reeleitos.

Essa estrutura política legou alguns importantes elementos para a República. O primeiro é a centralidade da Constituição, o conjunto de normas fundamentais, constantes de documento escrito, solene e inalterável por lei ordinária, reguladoras da própria existência do Estado, de sua estrutura, órgãos e funções, do modo do exercício e limites da soberania, dos seus fins e interesses fundamentais, das liberdades públicas, direitos e deveres do cidadão e do processo eleitoral. É nele que está o conceito de que o legislativo, além de dispor de habilidade de fazer leis, faz também decretos, ato normativo do Congresso sobre assunto de sua competência exclusiva e que se converte em norma obrigatória pelos meios adequados da promulgação e da publicação. Além disso, data desta época a legislação que estabelece que, em nível local, a mesa receptora é aquela responsável pela coleta dos votos dos eleitores e o seu controle. Era formada pelo juiz de paz do distrito como presidente, o pároco como escrutinador, dois secretários e dois escrutinadores. Estes dois últimos eleitos, secretamente, por uma comissão de 16 eleitores. Essa organização é bem diferente da republicana, hoje composta por um presidente, autoridade superior da seção, depois do juiz eleitoral, dois mesários, dois secretários e quantos suplentes forem necessários, convocados e nomeados pelo juiz eleitoral, até 60 dias antes do pleito. São nomeados, preferencialmente, entre os eleitores da seção e entre estes a preferência recai sobre aqueles com diploma de escola superior, professores e serventuários da Justiça. A nomeação é mandatária e os pedidos de escusa poderão ser submetidos ao juiz no prazo de cinco dias.

A primeira fase da República denomina-se República Velha ou Primeira República (1889-1930). Com a Proclamação da República, começou um novo ciclo da legislação brasileira e caíram por terra todos os privilégios eleitorais do Império, sendo permitido o sufrágio universal. Em junho de 1890, foi publicada a lei que regulamentou o pleito eleitoral, convocado pelo governo provisório para a eleição da Assembleia Constituinte, que elegeu o primeiro presidente e o primeiro vice-presidente da República. O Congresso, então eleito, promulgou, em 24 de fevereiro de 1891, a primeira Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. É quando aparece pela primeira vez o direito a voto para Presidente e Vice-Presidente. Durante a República Velha, várias leis versando sobre matéria eleitoral foram editadas, sem que houvesse aperfeiçoamento que evitasse a fraude e a manipulação do voto.

Algumas características do período da República Velha são importantes. A primeira é que não existiam partidos nacionais. Eles começam a surgir no final dos anos 20, a partir das correntes políticas divergentes dos velhos “PRs” (Partidos Republicanos Estaduais), que tentam aglutinar-se inicialmente em torno do Partido Democrático de São Paulo, originando, em 1928, um Partido Democrático Nacional. O processo foi interrompido pelo movimento armado de 1930, sob o comando da Aliança Liberal. A limitação principal do sistema partidário na condução das eleições eram as forças das oligarquias. O federalismo posto em prática pela República fortaleceu as oligarquias regionais, em geral agrupadas num único partido em cada Estado. Nos mais atrasados, os Partidos Republicanos eram a expressão de único clã local. Em São Paulo e Minas Gerais, os respectivos “PRs” eram uma espécie de colegiado de “coronéis”. Essa forma de organização influencia profundamente as eleições.

Outra característica importante do sistema político do período é a liberdade de organização dada aos partidos de esquerda. Por exemplo, em 1921, existiam de 15 a 20 comunistas atuando isoladamente no Brasil e, em março do ano seguinte, é fundado o Partido Comunista do Brasil. Ele teria, entretanto, três meses e meio de legalidade: foi declarado ilegal com a decretação do estado de sítio em julho daquele ano. Voltou à legalidade em janeiro de 1927, mas foi colocado na ilegalidade novamente em agosto, do mesmo ano. Isso ia contra o que o eleitor imaginava serem os partidos políticos, entendidos como organizações duráveis, cuja expectativa de vida é superior à de seus líderes no poder e caráter nacional, com registro no Tribunal Superior Eleitoral. Desde o Império se fala em “partidos” no Brasil, porém a primeira vez que a legislação eleitoral fez referência a eles expressamente é no período republicano, no Código Eleitoral de 1932, que aceitava como partido político inclusive as associações de classes legalmente constituídas. Nesse ano também é assegurado o direito de voto à mulher, o voto secreto e a criação da Justiça Eleitoral. Entretanto, o funcionamento dos partidos em âmbito nacional começou de fato com as eleições de 1945, pois, na prática, só havia partidos estaduais. Atualmente, a organização e a atuação dos partidos estão, basicamente, dispostas na Constituição Federal, no Código Eleitoral e na Lei dos Partidos (n° 9.096, de 19 de setembro de 1995) e pela Resolução do Tribunal Regional Eleitoral n° 19.406, de 5 de dezembro de 1995.

A Era Vargas,  iniciada com a Revolução de 1930, incorporou significativos avanços ao processo eleitoral,  como a instituição de uma Justiça Eleitoral independente de injunções políticas | Foto: wikipedia.org.br
A Era Vargas, iniciada com a Revolução de 1930, incorporou significativos avanços ao processo eleitoral, como a instituição de uma Justiça Eleitoral independente de injunções políticas | Foto: wikipedia.org.br

No Brasil, o período entre 1930 e 1945 é denominado Era Vargas. Ele inicia com a Revolução de 1930, que incorporou significativos avanços ao processo eleitoral como a instituição de uma Justiça Eleitoral independente de injunções políticas, a adoção da representação proporcional e da cédula oficial e única nas eleições majoritárias, o registro dos partidos políticos e a volta à unidade nacional em matéria eleitoral. No entanto, a Constituição de 1937, outorgada por Getúlio Vargas, excluiu a Justiça Eleitoral dentre os órgãos do Poder Judiciário.

O período entre 1937 a 1945 é conhecido como Estado Novo e nele não houve eleições no Brasil. O Código Eleitoral é revogado, as eleições livres são suspensas, é estabelecida a eleição indireta para presidente da república por seis anos. Os Legislativos foram dissolvidos e a ditadura governou com interventores nos estados. Existiram algumas organizações que tentaram atuar nacionalmente, mas todas dissolvidas depois do golpe do Estado Novo, em 1937. Eram elas: o Clube 3 de Outubro, que reunia “tenentistas”, participantes da Revolução de 1930; a Aliança Nacional Libertadora (ANL), fundada e dissolvida em 1935, que lutava pela instalação de um governo popular, nacional e revolucionário; a Liga Eleitoral Católica, fundada em 1932, pelo cardeal Dom Sebastião Leme; a Ação Integralista Brasileira, também criada em 1932, que unificou várias organizações com ideário fascista/corporativista sob a liderança de Plínio Salgado.

As principais características do sistema partidário neste período foram a liberdade relativa e a ditadura. Com o fim da República Velha, adotou-se a legislação de 1932, relativamente liberal. O decreto 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, admitia dois tipos de partidos: os permanentes, que adquiriram personalidade jurídica e os provisórios, que se formavam transitoriamente às vésperas dos pleitos, apenas para disputá-los. Também eram equiparados aos partidos as associações de classe legalmente constituídas. Quer dizer, o Golpe do Estado Novo, em 1937, extingue o sistema político democrático. Os partidos existentes foram extintos e foi proibida a organização e funcionamento de novos. Os partidos de esquerda já vinham sofrendo por antecipação: o Tribunal Eleitoral indeferiu o registro do PC, no final de 1932, sob a alegação de tratar-se de partido “internacionalista”. No entanto, os candidatos do partido concorreram à Constituinte de 1934, sob uma legenda já registrada: União Operária e Camponesa. O problema é que o Estado Novo proibiu a organização e o funcionamento de qualquer partido.

O período que vai de 1946 a 1964 é conhecido como Quarta República. Em 1945, retornam as eleições e o regime democrático em nosso pais. São eleitos Juscelino Kubistichek e Jânio Quadros em um contexto de desenvolvimento, industrialização e populismo. Mas foi o período entre a deposição de João Goulart (31 de março de 1964) e a eleição de Tancredo Neves (15 de janeiro de 1985), chamado de Ditadura Militar, no qual houve maior retrocesso no sistema eleitoral. A razão é que o período foi marcado por uma sucessão de atos institucionais, leis e decretos-leis com os quais os militares conduziram o processo eleitoral de maneira a adequá-lo aos seus interesses. O retrocesso não está na supressão do voto, que existiu, mas no fato de voltar a ser alinhado ao objetivo do regime, isto é, o estabelecimento da ordem preconizada pelo Golpe de 64 obter a maioria favorável ao governo no Congresso e não ao atendimento da vontade dos cidadãos. Com esse objetivo, foi desenvolvida uma estratégia, baseada em três fatores principais: modificação do sistema político, com alteração da duração dos mandatos; cassação dos direitos políticos e decretação de eleições indiretas para presidente da República, governadores e prefeitos dos municípios considerados de interesse de segurança nacional e das estâncias hidrominerais. Foram instituídas as candidaturas natas, o voto vinculado e as sublegendas, e foi alterado o cálculo para o número de deputados na Câmara, privilegiando estados politicamente incipientes em detrimento daqueles tradicionalmente expressivos e reforçando o poder discricionário do governo.

Com a extinção dos antigos partidos, em 1966, o regime forçou a criação de somente dois: um de apoio e outro de oposição “confiável”. A Aliança Renovadora Nacional (ARENA) foi criada para ser uma ampla frente de apoio ao Regime Militar. Ela abarcou 70% dos políticos do PSD e 90% da UDN, além de absorver a quase totalidade dos antigos pequenos partidos conservadores. Com base eleitoral principalmente no Nordeste, aglutinou grande parte da burguesia industrial e financeira, e setores conservadores das classes médias. O Movimento Democrático Brasileiro (MDB) absorveu as forças contrárias ao golpe de 1964, e, depois, os descontentes com os rumos do novo regime. Compôs-se inicialmente de cerca de 70% dos quadros do PTB, 30% do PSD, parte do PCD, mais PSP e PSB e raros ex-udenistas. Enfrentou dificuldades para se constituir em função das limitações à atividade política no regime militar. Sofreu com cassações de parlamentares pelo AI-5. A partir de 1974, quando conquistou a primeira grande vitória eleitoral, passou a crescer ininterruptamente com o voto das regiões mais desenvolvidas do País.

Em 1968, o presidente Costa e Silva assinou o AI-5 e fechou o Congresso nacional | Foto: badalovip.com
Em 1968, o presidente Costa e Silva assinou o AI-5 e fechou o Congresso nacional | Foto: badalovip.com

Do ponto de vista eleitoral, agora, a limitação do sistema partidário era o bipartidarismo forçado. A lei Orgânica dos Partidos (número 4.740, de 15 de julho de 1965) estabeleceu duras condições para a legalização dos partidos: deveriam ter 3% dos votos nas eleições legislativas em 11 Estados e um mínimo de 2% por Estado; eleger 12 deputados federais, em sete Estados; ter 11 diretórios estaduais, organizados por diretórios municipais, que, por sua vez, só poderiam ser organizados a partir de um número mínimo de eleitores nos municípios. O Ato Institucional nº 2 (de outubro de 1965), no entanto, extinguiu todos os partidos então existentes. O Ato Complementar n°4 (de 30 de novembro de 1965) estabeleceu que, no prazo de 45 dias, novos partidos deveriam estar organizados com um mínimo de 120 deputados e 20 senadores. Além das restrições legais, outras organizações de esquerda, entre elas o PC, surgidas a partir das cisões internas da oposição, foram perseguidas pelos órgãos de repressão do regime militar. Parte dessa oposição passou a atuar dentro do MDB. Em 1968, o Ato Institucional nº 5 dá plenos poderes ao Governo, ao fechar o Congresso Nacional e ao promover a cassação de deputados.

O retorno democrático é lento. Em 1972, são restauradas as eleições para senador e prefeito, exceto para capitais. Em 1978, o Pacote de Abril determina a eleição de apenas dois senadores, um por eleição direta e outro por indireta, pelas Assembleias Legislativas. A partir da Emenda Constitucional n°11, de 13 de dezembro de 1978, que revogou os atos institucionais e complementares impostos pelos militares e modificou as exigências para a organização dos partidos políticos, inicia-se um novo período para o sistema eleitoral. A anistia, promulgada em 1979, pelo presidente João Figueiredo, é o ponto de partida do processo democrático chamado de “abertura política”: líderes de oposição voltam ao Brasil ou saem da clandestinidade. Em 19 de novembro de 1980, a emenda constitucional n° 15 restabeleceu as eleições diretas para governador e senador, pondo fim à figura do senador biônico. Era o fim de um período que elegeu indiretamente cinco presidentes militares. A sociedade, principalmente nas grandes cidades, continuava mobilizada e clamando por mudanças políticas mais profundas que culminassem na redemocratização do país. A primeira eleição, em 15 de janeiro de 1985, de um presidente civil ainda foi indireta, por meio de um colégio eleitoral.

Exilados retornam ao Brasil depois da promulgação da anistia, em 1979. A anistia foi o ponto de partida do processo democrático chamado de “abertura política” | Foto: gabeira.com.br
Exilados retornam ao Brasil depois da promulgação da anistia, em 1979. A anistia foi o ponto de partida do processo democrático chamado de “abertura política” | Foto: gabeira.com.br

A partir de 1979, reconfigura-se o cenário político e novos partidos entram na disputa eleitoral. O primeiro é o Partido Democrático Social (PDS), sucessor da Arena após a demolição do bipartidarismo em 1979. Constituiu-se no início de 1981 e tentou ampliar sua base eleitoral, “modernizando” seu programa com pitadas de preocupações sociais, baseado no voto de zonas interioranas, especialmente do Nordeste. O segundo é o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), que sucedeu o MDB e, como ele, era um partido especialmente urbano. Abrigou setores moderados das classes médias e do empresariado, setores populares e intelectuais progressistas. Com expressão eleitoral localizada emergiam três partidos: o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), liderado pela deputada Ivete Vargas, tinha bases eleitorais somente em São Paulo e Rio de Janeiro; o Partido Democrático Brasileiro (PDT), de Leonel Brizola, era baseado principalmente no Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, e o Partido dos Trabalhadores (PT), liderado por Luiz Inácio da Silva, tinha expressão somente nas regiões operárias da Grande São Paulo.

Com o fim do bipartidarismo, surgem outros partidos como o PT, liderado por Luiz Inácio Lula da Silva
Com o fim do bipartidarismo, surgem outros partidos como o PT, liderado por Luiz Inácio Lula da Silva

Agora, o problema deste sistema eleitoral é o pluripartidarismo limitado. A Lei da Reforma Partidária (de 20 de dezembro de1979) extinguiu a ARENA e o MDB, estabeleceu prazo de 180 dias para a organização de novos partidos, cuja fundação deveria ser de iniciativa de pelo menos 101 eleitores. No entanto, obrigava o uso da palavra partido no nome das novas agremiações, proibia o uso de propaganda, nomes, siglas ou símbolos dos partidos extintos; exigia ainda que, para legalizar-se, o novo partido deveria ter 5% dos votos da Câmara Federal, em nove Estados, com um mínimo de 3% por Estado, que estivesse organizado em nove Estados, em pelo menos um quinto dos municípios; e proibia coligações partidárias. Ainda na legalidade, os PCs e as organizações de esquerda atuavam no interior do PMDB, PDT e PT. Em 1984, durante os comícios da campanha por eleições diretas para a Presidência da República, era franca a presença da esquerda, através de faixas e cartazes. Inicia-se uma campanha pela legalização do PCB e do PC do B, que tinham jornais e sedes oficiais desde o final dos anos 70. As restrições legais, no entanto, permaneciam.

Em 1982, mesmo ano em que o voto vinculado foi eliminado da legislação eleitoral, a legislação dispôs sobre a utilização do processamento eletrônico de dados dos serviços eleitorais. O início da Nova República é marcada pela rejeição da Emenda Dante de Oliveira, em 25 de abril de 1984, que previa eleição direta para presidente e vice-presidente da República, e a eleição do primeiro civil, após o período de exceção, se deu ainda indiretamente, por meio de um colégio eleitoral, em 15 de janeiro de 1985. Em 15 de maio do mesmo ano, a emenda constitucional n° 25 alterou dispositivos da Constituição Federal e estabeleceu outras normas constitucionais de caráter transitório, restabelecendo eleições diretas para presidente e vice-presidente da República, em dois turnos, eleições diretas para deputado federal e senador para o Distrito Federal, eleições diretas para prefeito e vice-prefeito das capitais dos estados, dos municípios considerados de interesse da segurança nacional e das estâncias hidrominerais. Também aboliu a fidelidade partidária e revogou o artigo que previa a adoção do sistema distrital misto. Além disso, a reforma autorizou o voto aos 16 anos e aos analfabetos. No mesmo ano, nova legislação disciplinou a implantação do processamento eletrônico de dados no alistamento eleitoral e na revisão do eleitorado, possibilitando, em 1986, o recadastramento, em todo o território nacional, de 69.371.495 eleitores.

A Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988, foi um marco na história política eleitoral | Foto: ebc.com.br
A Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988, determinou a eleição em dois turnos para presidente, governadores e municípios com mais de 200 mil habitantes| Foto: ebc.com.br

A Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988, foi um marco na história política eleitoral. Ela determinou a realização de plebiscito para definir a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo). Também determinou que o presidente, os governadores e os prefeitos dos municípios com mais de 200 mil eleitores sejam eleitos por maioria absoluta ou em dois turnos se nenhum candidato alcançar a maioria absoluta na primeira votação. Nos municípios com menos de 200 mil eleitores, os chefes do Executivo são eleitos por maioria simples. A lei ainda estabeleceu que o período de mandato do presidente seria de cinco anos, vedando-lhe a reeleição para período subsequente e fixou a desincompatibilização até seis meses antes do pleito para os chefes dos Executivos federal, estaduais e municipais que quisessem concorrer a outros cargos. Outros dispositivos legais agregaram-se no sistema político. O primeiro foi a Emenda Constitucional nº 4, de 14 de janeiro de 1993, que, para evitar casuísmos, tão comuns no período anterior, estabeleceu que a lei que alterar o processo eleitoral somente será aplicada um ano após a vigência. O segundo, a Emenda Constitucional nº5, de 7 de junho de 1994, reduziu para quatro anos o mandato presidencial. O terceiro, a emenda Constitucional nº 16, de 4 de junho de 1997, que permitiu a reeleição dos chefes dos executivos federal, estadual e municipal, para um único período subsequente.

O quadro do sistema eleitoral do Brasil foi definido. O voto é facultativo para analfabetos e para jovens entre 16 e 18 anos, bem como os maiores de 70 anos. O sistema moderniza-se a partir de 1996 com a introdução da urna eletrônica e da votação biométrica em 2008 que chega a 60 municípios em 2010. Agora, basta ter um documento de identidade para poder votar e o voto pode ser em trânsito. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se empenha para a inclusão do voto de presos. O resultado da história do sistema eleitoral no Brasil é que, com seus diversos períodos ditatoriais, o Executivo terminou por ser mais valorizado como instituição do que o poder Legislativo. Para José Murilo de Carvalho, autor de “As eleições legislativas sempre despertam um menor interesse do que as do Executivo”, a sociedade raramente se posiciona contra ataques ao parlamento, como foi com o fechamento do Congresso. Esquece-se que o parlamento é o lugar da lua contra os direitos corporativistas em benefício dos direitos de todos.

A representação política deve resolver os problemas da maior parte da população. A reforma política é um caminho para aprimorar o sistema político, desde que envolva o sistema eleitoral, o sistema partidário e a forma de governo. Os movimentos de junho do ano passado emergem no contexto de uma frágil democracia política e lutam pela ampliação do gozo político e dos direitos civis. Mas frente às dificuldades do sistema político-eleitoral, esquerda e direita devem acima de tudo lutar para fortalecer a democracia. Não é possível outra forma de acesso ao poder que não passe pela via eleitoral. Qualquer iniciativa que proponha a quebra do jogo político deve ser recusada com vigor. Por isso, tanto os movimentos de jovens quanto os do estado – principalmente no uso de policiais militares – devem se conservar dentro das leis. “Se há algo importante a fazer, em termos de consolidação democrática, é reforçar a organização da sociedade para dar embasamento social ao político, isto é, para democratizar o poder”, afirma José Murilo de Carvalho. Isso significa que a organização da sociedade não precisa e não deve ser feita “contra o estado em si”, mas lutar por um sistema representativo capaz de produzir resultados que impliquem na redução da desigualdade.

* Historiador, Doutor em Educação/UFRGS, Pesquisador do Memorial da Câmara Municipal de Porto Alegre

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