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14 de junho de 2014
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13:04

Documentário mostra Vila Dique e as memórias de uma remoção que não terminou

Por
Sul 21
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Por Ramiro Furquim/Sul21
Durante o projeto apresentado ano passado, moradores tiraram fotos do Porto Novo e da velha Dique | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Débora Fogliatto

A remoção  de comunidades pobres de áreas centrais para áreas afastadas na cidade não é novidade no Brasil. Em Porto Alegre, foi assim que se formou um dos maiores bairros da cidade, a Restinga. Outro caso emblemático é o da Vila Chocolatão, tirada do centro da cidade para quase sua saída, perto de Viamão. Na Vila Dique, a situação é parecida. No entanto, iniciada em 2009, a política de reassentar as famílias que viviam atrás do aeroporto Salgado Filho para o conjunto habitacional Porto Novo — próximo do sambódromo Porto Seco — ainda não foi terminada.

A produção e realização do filme foi feita pela Primeiro Corte, graças ao apoio do projeto de extensão “Memórias da Vila Dique”, coordenado pela Profª Carmem Gil, ao apoio da Unidade Básica de Saúde Santíssima Trindade – GHC, e de outros parceiros da produtora. No ano anterior, o projeto “Memórias da Vila Dique” realizou um livro com artigos acadêmicos e relatos de rodas de conversas feitas com os moradores do Porto Novo. Agora, apresentam o média-metragem de 47 minutos, com direção de Jaime Lerner e produção de Flávia Matzembacher.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
No Porto Novo, todas as casas têm o mesmo tamanho e formato | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

“Eu não olhei pra trás”. É assim que começa o documentário, a partir da fala de uma das moradoras que colaborou para a sua realização, Almerinda Argenta Gambin, a Miranda. A partir daí, são retratados homens, mulheres e jovens que moram nas duas Diques: a do passado e a do presente. Enquanto alguns dos que ainda não foram reassentados se mostram ansiosos para que isso aconteça, outros reclamam da necessidade de se mudar. Dentre os que já estão no Porto Novo, também se vê essa divisão. Algumas pessoas elogiam a limpeza e infraestrutura do local, mas outras sentem falta de ter mais espaço, de poder escolher seus vizinhos, de ter onde plantar o que quisessem.

A maioria das pessoas contam ter vindo de cidades do interior para formar a vila, onde trabalhavam com reciclagem e mantinham alguns hábitos rurais, com plantações e criação de animais. “Nós lá ‘tinha’ alface, cebola, repolho, tinha ‘as galinha tudo’. E aqui?”, reclama uma das moradoras.

No documentário, Ana Maria, Vavá, Rosângela, Helena, Maria, Cristiano relembram os bons e maus momentos que tiveram lá, assim como as conquistas da comunidade. O posto de saúde, creche, clube de mães, igrejas, acesso à água e luz foram conseguidos aos poucos, a partir de suas reivindicações.

“Quando começaram a demolir o que que eu ia fazer?”, questiona uma mulher que teve sua moradia removida. Os moradores lembram que não optaram pelo reassentamento, mas sim foram forçados. Eles falam com nostalgia de suas casas, que foram destruídas na sua frente, apenas após tirarem seus pertences, mesmo antes de entrarem nas novas residências. As imagens mostram, alternadamente, o Porto Novo e os escombros que permanecem no que costumava ser uma das mais antigas vilas da cidade.

Lançamento do documentário

Por Ramiro Furquim/Sul21
A produtora Flávia Matzembacher, o músico Daniel Wolff e o diretor Jaime Lerner com a equipe de produção | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Após a sessão fechada de lançamento do filme, nesta segunda-feira (9) na Sala P.F Gastal da Usina do Gasômetro, os moradores foram convidados a ir até o palco, onde foram aplaudidos de pé pelo público presente. Miranda, lembrada como grande colaboradora do documentário, convidou também os trabalhadores do posto de saúde, do grupo de estudos da Ufrgs e do Grupo de Assistência Popular do Serviço de Assistência Jurídica da Ufrgs. “Vocês também moram no Porto Novo”, observou.

Porque os realizadores desejam inscrever o filme em festivais de cinema, ele ainda não será exibido de forma comercial regular. A produtora Flávia afirmou, no entanto, que será realizada uma sessão no Porto Novo, para que a comunidade tenha acesso. Apenas depois disso, a distribuição será discutida.

“Muitas vezes se ouve que a Dique é a vila mais pobre de Porto Alegre. Esse é o filme com menos recursos que eu fiz, e descobrimos que há uma riqueza muito grande, tem coisas muito especiais e únicas. As pessoas que estão aqui são a riqueza da Dique”, disse o diretor Jaime Lerner. Ele contou que o dinheiro para a realização era “simbólico”, mas a equipe embarcou na ideia e colaborou como pode, como o músico Daniel Wolff, que cedeu todas as suas músicas.

Ele contou que, devido ao orçamento, o tempo de pré-produção e filmagem também foi curto. Já a pós-produção, após 14 horas de material bruto, foi demorada e minuciosa. “Eu gostaria de ter ficado mais tempo, acho que isso teria sido o ideal”, colocou. Miranda elogiou os realizadores, afirmando que eles foram “como vizinhos” da população, o que se reflete no filme. Lerner destacou também que, apesar de a ampliação do aeroporto ter sido justificada pela Copa do Mundo, a política de reassentamentos não é novidade e não deve terminar depois da Copa. A ampliação na pista do Salgado Filho, que ainda não aconteceu, foi o motivo exposto para que as famílias precisassem sair.

A professora da Ufrgs Carmen Gil, emocionada após o fim da sessão, observou que o grupo está lá desde 2010, onde foram para aprender e não para fazer “assistencialismo”. “Lá eu encontrei  pessoas que falam de um projeto coletivo de vida. Tudo tem que estar bom pra todos, isso não se encontra em qualquer lugar. Vocês são muito ricos em dignidade”, afirmou.

O documentário, em menos de meia hora, não poderia retratar a integralidade da luta da população que foi retirada de suas moradias e realojadas em um local que não escolheram. Até hoje, algumas famílias lutam junto à prefeitura para conseguir que seus filhos, irmãos e netos saiam da antiga Dique, abandonada e sem acesso à saúde, educação e segurança.

Por Ramiro Furquim/Sul21
Ao final da sessão, moradores e apoiadores foram aplaudidos | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

 


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