No Parlamento Europeu, lado conservador mantém hegemonia

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No Parlamento Europeu, lado conservador mantém hegemonia
No Parlamento Europeu, lado conservador mantém hegemonia

Flavio Aguiar
Rede Brasil Atual

Há várias maneiras de ler o resultado das eleições para o Parlamento Europeu, que se realizaram de quinta-feira (22) até ontem (25). A mais comum é a de que venceram os eurocéticos, e nisto se junta um balaio de gatos de distintas cores. Colocam no mesmo saco, por exemplo, as votações da extrema-direita e da chamada “esquerda radical”.

A extrema-direita, com Marine Le Pen e sua Frente Nacional na França, e Nigel Farage e seu UKIP (United Kingdom Independent Party) no Reino Unido obtiveram retumbantes votações e foram os mais votados nos respectivos países.

No caso do UKIP, conseguiram também expressiva votação nas eleições locais e regionais concomitantes. Saíram-se bem igualmente na Dinamarca e na Hungria. Fracassaram na Holanda, onde Geert Wilders, o leão de juba branca, amargou votação inexpressiva de 12%, em quarto lugar.

A esquerda “radical” obteve sua melhor votação na Grécia, onde o Syriza, liderado por Alexis Tsipras, foi o partido mais votado, com 26%, deixando para trás o Nova Democracia, do primeiro-ministro Antonis Samaras, com 22%, e o Pasok socialista, com inexpressivos 8%. Porém, atenção: o neofascista Aurora Dourada conseguiu 9,37%, elegendo três deputados.

O Bloco Social Democrata/Socialista amargou sua pior derrota na França, onde o Partido Socialista, do presidente François Hollande, ficou em terceiro, com pífios 14,5%, diante dos 25,4% da FN e dos 21% da UMP, do ex-presidente Sarkozy, cuja volta agora está sendo pedida, como único bastião que pode se opor aos ultradireitistas de Le Pen.

Sua melhor atuação se deu na Itália, onde o Partido Democrático, vagamente ex-Partido Comunista, obteve consagradora votação de 40%, contra cerca de 21% do Partido M5S, de Beppe Grillo, 16% da Forza Italia, de Berlusconi e 6% da reacionaríssima Liga Norte, da Lombardia.

Na Alemanha, a CDU de Angela Merkel perdeu muitos votos, caindo, com sua parceira CSU, da Bavaria, para seu menor patamar da história desta votações: 30,5%. O SPD melhorou, indo para 27,2%. Mas as grandes novidades também foram conservadoras: o Alternative für Deutschland, um partido com aspirações acadêmicas, vagamente nacionalista sem poder confessá-lo (isto é palavrão por aqui), ganhou sete cadeiras em sua participação neste tipo de eleição; e o neonazista NPD conseguiu, pela primeira vez, eleger um deputado para o Parlamento Europeu.

A Social Democracia/Socialismo conseguiu vitórias expressivas em Portugal, na Romênia, na Suécia (com os Verdes), além da já mencionada Itália. Os partidos mais conservadores venceram na Espanha, Irlanda, Alemanha e grande parte dos países do ex-Leste europeu.

O resultado desta salada mista é que o Bloco Conservador é o que terá mais deputados no Parlamento: 212 em 751. Os Liberais, também do campo conservador, terão 72. Os Ecologistas, literalmente perdidos no mato, transformados em apêndice biocapitalista das correntes hegemônicas, ficaram com 55 cadeiras.

Os social-democratas e socialistas têm 187 cadeiras, mas não representam, no momento, uma real opção alternativa à hegemonia neoliberal em Bruxelas, apesar de terem feito progressos para a esquerda na Alemanha, com a adoção de um salário mínimo nacional e a diminuição da idade necessária para a aposentadoria “integral” (porque não é integral, na verdade) neste país.

Em suma, a sopa do Parlamento continua a ser temperada pelo pensamento conservador. E a prova dos nove virá a seguir, com a eleição do presidente da Comissão Europeia, que é o verdadeiro cargo executivo da União. Há dois candidatos de fato concorrentes (Alexis Tsipras, do Syryza grego, também é candidato, mas já se sabe que não tem nenhuma chance): Jean-Claude Junker, ex-primeiro-ministro de Luxemburgo, pelo Bloco Conservador, que é o candidato de Angela Merkel; e Martin Schulz, do SPD alemão, pelo Bloco Social-Democrata/Socialista (que não tem a menor chance, em princípio).

A escolha se desdobra em duas etapas: primeiro o Conselho Europeu (formado pelos chefes de estado) define um candidato, que, a seguir, deve ser votado no Parlamento. Dificilmente o Conselho indicará alguém contrário à orientação de Merkel, com Hollande esmagado pela vitória de Le Pen e Cameron enfraquecido pela do UKIP. Tudo dependerá então das alianças que o Bloco Conservador conseguirá fazer no Parlamento, o que será complicado, mas factível. A ver.

A escolha de Junker significará que Merkel poderá retomar o controle – e através dela, Jens Weidman, presidente do Banco Central Alemão, do Banco Central Europeu, que é quem dá as cartas em matéria de política econômica na União Europeia. O atual presidente, Mario Draghi, tem tomado algumas medidas pouco ortodoxas em matéria de controle do mundo financeiro, e entrou em rota de colisão com o todo-poderoso Weidman, verdadeiro Siegrfried das ideias neoliberais.

De todo modo, o próximo mandato do Parlamento Europeu será mais agitado, pois ele terá mais poderes do que antes. Uma das definições, ainda que vaga, deste novo poder é a letra do Acordo de Lisboa, que rege a União Europeia, e que diz que a indicação do presidente da Comissão Europeia deve “levar em consideração” a votação para o Legislativo do continente. Embora Angela Merkel tenha deixado claro que a competência – de que ela não abriria mão – era do Conselho, onde ela, em geral, dá as cartas.


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