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5 de maio de 2014
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18:36

Na Ufrgs, Gilberto Gil fala de sua carreira e da gênese de suas canções

Por
Sul 21
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 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Gilberto Gil tocou suas músicas entremeadas de conversas com o público | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Roberta Fofonka

O cantor e compositor Gilberto Gil esteve em Porto Alegre na noite de domingo, no Salão de Atos da Ufrgs, apresentando um misto de show e conversa — a aula-espetáculo –, em um dos eventos de comemoração aos 80 anos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs).

Acompanhado pelo professor de literatura da universidade, Flávio Azevedo, Gil foi extensivamente aplaudido pelo público que lotava o Salão. Ele abriu o espetáculo com a música Tempo Rei (1984):

A conversa se conteve nas histórias de vida de Gil e dos momentos e lembranças que envolvem as composições das músicas. Nascido em 1942, em Salvador (BA), Gilberto Gil, recém formado em Administração de Empresas pela Universidade da Bahia, mudou-se em 1965 para São Paulo a fim de trabalhar em uma grande empresa e entrar na carreira de executivo. Na mesma época, começou a tocar na noite. O desdobramento, já sabemos.

 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Gil contou que sua principal contribuição à Tropicália foi o entusiasmo dele frente às inovações musicais da época | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Ao ser questionado sobre a sua participação no tropicalismo, movimento cultural de ruptura aos padrões estéticos da música popular brasileira encabeçado por Caetano Veloso, que estourou e durou entre 1967 e 1968, Gil destaca o interesse que tinha pela mistura de estilos e instrumentos, que estavam surgindo na música à época. “Acho que a minha contribuição na Tropicália foi o grande entusiasmo. Pelos Beatles, pelas inovações todas, por todas aquelas grandes novidades musicais, Bob Dylan, Jimi Hendrix, os novos timbres, as guitarras. Tinha essas referências todas, então eu atiçava os outros. Eu era muito entusiasmado com isso. E isso supria até uma deficiência técnica que eu tinha, porque eu não tinha ido pra uma escola de música nem nada disso.”

 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
“Eu ficava temeroso. Eu via a situação política se deteriorando e achava que podia complicar” disse, sobre 1968 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

O movimento que culminou no lançamento em 1968 do disco coletivo Tropicália ou Panis et Circensis (com a participação do maestro Rogério Duprat, além dos Mutantes, Tom Zé, Nara Leão, Gal Costa, os letristas José Carlos Capinan e Torquato Neto) eclodiu num momento político de forte repressão aos artistas brasileiros, em plena ditadura militar no Brasil. “Eu tinha uma paranoia imensa. O Caetano era destemido, arrojado, para ele parecida que aquilo não ia causar nenhum tipo de problema, seguia em frente. Eu não, eu ficava temeroso. Eu via a situação política se deteriorando e achava que podia complicar. Tanto que prenderam a gente” exclama, rindo. “E na prisão eu fiz três músicas”.

“Mas o principal sucesso que estourou você nem teve possibilidade de acompanhar…”, completa o professor. E Gil começa, ao violão, a música que gravou às vésperas de viajar para o exílio em 1969, inspirada pelas recordações do trajeto de saída do quartel onde estava detido, no Rio de Janeiro:

“O Rio de Janeiro continua lindo
O Rio de Janeiro continua sendo
O Rio de Janeiro, fevereiro e março

Alô, alô, Realengo – aquele abraço!
Alô, torcida do Flamengo – aquele abraço!

Chacrinha continua balançando a pança
E buzinando a moça e comandando a massa
E continua dando as ordens no terreiro

Alô, alô, seu Chacrinha – velho guerreiro
Alô, alô, Terezinha, Rio de Janeiro
Alô, alô, seu Chacrinha – velho palhaço
Alô, alô, Terezinha – aquele abraço!
Alô, moça da favela – aquele abraço!

Todo mundo da Portela – aquele abraço!
Todo mês de fevereiro – aquele passo!
Alô, Banda de Ipanema – aquele abraço!

Meu caminho pelo mundo eu mesmo traço
A Bahia já me deu régua e compasso
Quem sabe de mim sou eu – aquele abraço!

Pra você que me esqueceu – aquele abraço!
Alô, Rio de Janeiro – aquele abraço!
Todo o povo brasileiro – aquele abraço!”

(Letra de Aquele Abraço, gravada em 1969)

 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sobre sexualidade e sensibilidade: “Nós somos todos homem e mulher.” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

No exílio, Gil passou por Portugal, Paris, e depois Londres, onde se estabeleceu, conheceu e tocou com muita gente de renome da música, como, por exemplo, os membros do Pink Floyd, em especial David Gilmour. Durante Festival da Ilha de Wight (The Isle of Wight Festival) em 1970, na Europa, ele e Caetano conseguiram entrar no backstage para conversar com Jimi Hendrix, cinco minutos antes de o guitarrista entrar no palco. Depois da conversa, conforme Gil conta, enquanto Hendrix se retira Caetano vira-se e diz ao amigo: “Ele parece um mulatinho lá de Santo Amaro”. Neste momento, a plateia se abriu em risadas.

 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
| Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Gil falou das muitas histórias por trás das letras. Mas, divertido, contou também de como, às vezes, alguns rascunhos de composições saem completamente sem propósito. Foi o que aconteceu em Refazenda (1975) (“Abacateiro acataremos teu ato / nós também somos do mato como o pato e o leão […]). “Quando eu vi, estes versos eram completamente sem sentido. Aí, peguei meu caderninho e fui trabalhando. Abacateiro…”

Em Super-Homem – A canção (1979) que inicia assim: “Um dia vivi a ilusão de que ser homem bastaria/ que o mundo masculino tudo me daria / do que eu quisesse ter […]”, Gil teve a ideia a partir de um relato de Caetano, que recém chegava do cinema, sobre o filme em que o herói gira a terra ao contrário para salvar a amada. O professor Flávio Azevedo lembrou que, na época, a música foi vista como uma analogia à homossexualidade. Gil arrancou aplausos dizendo que não era exatamente este o caso. “Nós somos todos homem e mulher. Não depende das coisas que você gosta, não depende de como você erotiza as coisas, você é filho de um pai e uma mãe”, justificou.

Gil contou também que escreveu duas músicas para Roberto Carlos, e nenhuma delas o cantor da Jovem Guarda gravou. Uma delas, a lindíssima e calma Se eu quiser falar com Deus (1980). “Acho que ele não gostou da parte que diz do pão que o diabo amassou”, relatou. Gil encerrou a aula-espetáculo com a música Aqui e agora (1977), seguida do bis de Expresso 2222 (1972).

 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
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