Com pontos polêmicos, Plano Nacional de Educação vai a Plenário na Câmara de Deputados

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Durante votação sobre pontos polêmicos, militantes pediam inclusão de texto sobre orientação sexual e igualdade de gênero | Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Débora Fogliatto

Após quatro anos de tramitação no Congresso Nacional, o Plano Nacional de Educação (PNE) deve ser votado ainda nesta semana pela Câmara de Deputados. O projeto apresenta dez diretrizes e 20 metas a serem aplicadas para os próximos dez anos, incluindo alguns pontos polêmicos por conta de emendas que devem ser decididos no plenário. A proposta (PL 8035/10) determina que o Brasil invista 10% do Produto Interno Bruto (PIB) em educação.

Entre as metas do PNE, está a universalização do atendimento escolar de crianças de quatro a cinco anos, elevar a taxa de matrículas no ensino médio para 85%, alfabetizar a população até os 8 anos, oferecer educação em tempo integral em pelo menos 50% das escolas de educação básica. O texto também inclui formas de inclusão de pessoas com deficiências e estabelece metas a serem atingidas pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).

O projeto original foi encaminhado pelo Ministério da Educação em 2010, após a Conferência Nacional de Educação. Desde então, tramita no Congresso, período em que recebeu mais de três mil propostas de emendas. O PL foi aprovado no último dia 6 pela comissão especial que o analisava, com alguns pontos controversos. O destaque aprovado pelo Senado, que trata da questão de gênero no PNE, gerou polêmica entre grupos de militantes dos direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBTs) e de representantes de igrejas. Enquanto o relator, deputado Angelo Vanhoni (PT-PR), defendia a aprovação do texto original, em que constava a superação das desigualdades, com ênfase na promoção de “igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual”, o Senado altera o texto para “a erradicação de todas as formas de discriminação”.

Foto: Luís Macedo/ Câmara dos Deputados
Texto deve ser votado em Plenário nessa semana | Foto: Luís Macedo/ Câmara dos Deputados

Outro ponto polêmico aprovado pela comissão especial foi a destinação dos 10% do PIB, com a manutenção do destaque do Senado, que inclui isenções fiscais e financiamentos ao setor privado, como o Programa Universidade para Todos (ProUni) e o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). No texto original, constava que o valor seria destinado apenas à “educação pública”. Ambas as questões podem ser contestadas e decididas no Plenário.

Eliezer Pacheco, presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Udime), secretário de Educação de Canoas e um dos membros do Ministério de Educação que trabalhou na elaboração do PNE, considera que seria um “retrocesso muito grande” incluir iniciativas privadas nos investimentos. “A essência do Plano (original) está preservada no texto que vai a Plenário. Entretanto, algumas questões ainda polêmicas não estão decididas. Quando defendemos 10% do PIB para a educação, alguns setores entendem que estejam incluídas também as instituições privadas. Nós entendemos que o dinheiro público é para a instituição pública”, afirmou.

A necessidade de elaboração do Plano veio com o vencimento do anterior, que terminou no final de 2010. “Todo parlamentar quer deixar sua marca no PNE, foram centenas e centenas de emendas e todas têm que ser debatidas para serem acatadas ou rejeitadas. Agora, entendo que apesar disso, o Congresso foi lento sim e poderia ter priorizado isso, porque é importante”, ponderou Pacheco.

Críticas aos pontos polêmicos

Foto: José Cruz/Agência Brasil
Jair Bolsonaro (P-RJ) comemorou após a retirada do texto sobre igualdade de gênero na comissão especial | Foto: José Cruz/Agência Brasil

No Rio Grande do Sul, o Cpers/Sindicato, assim como o Sindicato dos Professores de Ensino Privado (Sinpro/RS) acreditam na necessidade dos investimentos a serem destinados à rede pública. “O PNE não constrói com o conjunto e atores da escola pública um projeto político pedagógico para a educação pública. E sequer prevê que os 10% estejam para a educação como defendemos”, lamentou Rejane de Oliveira, presidente do Cpers.

Da mesma forma, o diretor do Sinpro também defende os investimentos em escolas públicas. “Continuamos na disputa para que os 10% sejam investidos na escola pública. Achamos que a educação privada deve ser uma opção da sociedade e regulamentado pelo Estado”, explicou, dizendo que essa regularização também poderia estar prevista no PNE e não está.

Outro ponto criticado por Rejane é a inclusão da estratégia aprovada pelo Senado que estabelece políticas de estímulo às escolas que melhorarem o desempenho no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). No texto original, está previsto apenas uma meta a ser alcançada em relação a esse índice. “O governo sequer investe aquilo que está previsto, não valoriza os trabalhadores, e daí agora vão fazer um ranking e premiar a escola de melhor educação? Educação de qualidade é um direito de todos. Eles querem estabelecer um processo meritocrático”, criticou a presidente do Cpers.

Para Eliezer Pacheco, a questão da meritocracia é algo que deve ser debatido. “Acho que se equivocaram tanto aqueles que defendem sob qualquer protesto quanto aqueles que entendem que a meritocracia não deve ser levada em conta. Mas não creio que seja um tema para estar incluído no PNE”, esclarece. No entanto, ele não se opõe à alteração que retira as especificidades no combate à discriminação, afirmando que “o fundamental é que o texto preserve o respeito às diferenças e aos direitos humanos. E aí então incluídas todas as formas de diversidade, sem ênfase em nenhuma delas”.

Já para Rejane, os deputados acederam a uma “pauta eleitoral”, o que gerou um retrocesso no PNE. “Eles abriram mão de buscar políticas transformadoras, como a questão de gênero, raça, orientação sexual, relacionadas às escolhas das mulheres, porque foram submetidos à política de aliança e a seus interesses, que infelizmente na são os interesses das escolas públicas”, lamentou.

Foto: Câmara de Vereadores
Grupos defendiam a retirada da especificada durante votação na comissão | Foto: Câmara de Vereadores

Para algumas pessoas, a retirada dessa especificidade é considerada um retrocesso. Marina Reidel, que trabalha na assessoria da diversidade da primeira coordenadoria regional da Secretaria de Educação do estado, afirmou que não soube de iniciativas por parte do governo ou dos parlamentares em consultar os movimentos sociais e academia relacionados a questões de gênero e sexualidade. “Eu acredito que é um retrocesso nessas questões, devido a toda a caminhada que já se tem e todos os trabalhos, questões do movimento social, pesquisas acadêmicas sobre os temas. A gente retorna ao passo de que ainda não temos identidades”, destaca ela, que foi a primeira mulher transexual a completar o mestrado em Educação pela UFRGS, em 2013.

A formulação

Para elaborar o projeto, o Ministério da Educação realizou a Conferência Nacional de Educação (Conae) em 2010. “O governo chamou conferências, chegamos a ir. Mas elas apontaram caminhos que depois não foram seguidos, então na segunda não participamos porque não vamos a espaços para propostas serem aprovadas e depois desconsideradas”, disse Rejane.

Eliezer Pacheco afirmou que o projeto original foi fruto de um “amplo debate” com a sociedade, que culminou na Conae. A maioria dos pontos polêmicos são originários de tentativas mais progressistas no texto original o que acabaram derrubadas devido à pressão de parlamentares mais conservadores no Senado e na Câmara. O PL pode ir a Plenário nesta quarta-feira (28) e depois precisa passar pela sanção presidencial. A matéria já havia sido aprovada pela Câmara em 2012, mas como sofreu alterações no Senado, voltou para os deputados.


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