Ocupa POA: Um varal de reivindicações e lutas no Largo Glênio Peres

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Ramiro Furquim/Sul21

Felipe Prestes (texto) e Ramiro Furquim (fotos)

“O governo sem povo não é nada. O povo sem governo é TUDO”, diz o cartaz de inspiração anarquista. Um grande varal sem roupas estendidas, mas dezenas de cartazes feitos com folha A4 e canetas coloridas, se equilibra entre os postes do Largo Glênio Peres, no centro de Porto Alegre.

“Parabéns, Eliana Calmon”. “Mais amor”. “Vivemos o refluxo da Era Medieval”. “O capitalismo não contempla a diversidade racial. Saudade da Mãe África”. “Tarso caloteiro”. Diante das fartas opções, foi mesmo o cartaz anarquista o que mais agradou a telefonista aposentada Gládis, que lia um por um, enquanto pitava um cigarrinho.

– Esse aqui tá pra mim! – exclamou. – Eu sempre disse isso. Esse mundo não precisava de governo. Pra quê? Para ser corrupto? Injusto?

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– O que a senhora acha do movimento? – digo, apontando para as dezenas de jovens (e alguns mais experientes), sentados em roda no chão, ouvindo os que se revezavam discursando. Em volta umas oito barracas estão de pé, e outras duas ou três sendo montadas.

– Não, não falei com eles ainda. Quem são eles? Agricultores?

– Não, é um movimento que está tendo em todo o mundo. Os jovens acampam e discutem vários problemas, cada um traz suas reivindicações.

– Ah, claro! O que não falta é reclamação neste mundo violento, injusto, hipócrita.

Como Gládis, várias pessoas de várias classes sociais, idades, etc. param para ler os cartazes, para ouvir quem discursa com um megafone, ou simplesmente para descobrir que raios está fazendo aquela gente ali acampada em pleno centro da cidade.

– São os hippies – explicou uma mãe para uma guriazinha.

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A curiosidade que o Ocupa POA despertou em seu primeiro dia (11) é sinal de êxito para a jovem Priscila De Ávila, que trabalha temporariamente como mediadora da Bienal do Mercosul. “Primeiro as pessoas têm que se questionar sobre as coisas. As pessoas passarem por aqui, se interessarem pelo que está acontecendo, é importante”.

Priscila diz ter a sensação de que se está fazendo algo para se chegar a algum lugar – um paradeiro ainda desconhecido: “Todo mundo está junto aqui porque está de saco cheio e dá a sensação de estar fazendo algo para que se chegue a algum lugar. Acho muito bonito o que está acontecendo no mundo todo. Cada pessoa tem a sua ideia de como evoluir para questões mais práticas. Aqui as pessoas podem pensar sobre isto e se organizar. União e conhecimento são importantes”.

Enquanto conversava com Priscila, o professor de Psicologia da Ufrgs, Edson Luiz André de Souza, rebatia a todos os que vêm dizendo que movimentos como o Occupy Wall Street não atam nem desatam. “A recusa a um modelo existente já é uma causa em si”, dizia, megafone em mãos, municiando os acampados. Durante a tarde de sexta, os acampados se propuseram a discutir aspectos de Direitos Humanos, como a luta antimanicomial. Pela manhã, o Ocupa POA começou oficialmente com uma meditação às 11:11 do dia 11 do 11 de 2011. A meditação era para durar onze minutos, mas durou bem mais que isso. Criar cartazes com as mais diversas críticas foi uma das atividades. À noite, uma banda tocou um forró bem pegado, com direito a amplificação, até sabe-se lá que horas.

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O grupo do Ocupa POA no Facebook parece ser o principal elo entre os que acampam no Largo Glênio Peres. Priscila conta que passou a fazer parte do grupo logo após o dia 15 de outubro, que foi o dia global de manifestações convocado pelos “Indignados” espanhóis e que teve sua versão porto-alegrense na Praça da Matriz.

Professor de ensino médio estadual, Iuri Jigas também ficou sabendo do Ocupa POA pelo Facebook. Enquanto monta a barraca em que vai passar a noite, ele explica que a motivação principal de estar é o fato de o Largo Glênio Peres ser um estacionamento à noite e nos finais de semana. “Isto aqui é um largo, não um estacionamento”, reclama. Ocupações no Largo Glênio Peres têm se tornado frequentes, especialmente por cicloativistas – o que não cheguei a saber se Iuri é.

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“Estou aqui para me envolver nas discussões e, quem sabe, ter novas motivações para estar aqui”, explica o jovem, que também está atento à interdição recente de vários bares na boêmia Cidade Baixa pela Secretaria Municipal de Indústria e Comércio (Smic). “Foram fechados os três bares que vendem cerveja a preços populares. Dizem até que a associação de moradores estaria pedindo para que os bares elevem o preço da cerveja”. A discussão sobre os 10% do PIB para a educação também agrada o professor, que pretendia ficar só um dia no acampamento, para depois se dedicar a discutir educação a partir deste sábado, num encontro de estudantes de História.

De Araraquara, interior de São Paulo, Bruna e Felipe vieram para a Feira do Livro Anaraquista e aproveitaram para prestar solidariedade ao Ocupa POA, do qual ficaram sabendo também pelo Facebook. Me entregam cópias do jornal anarquista “A Flecha”, publicação de Araraquara mesmo. Ele é estudante de Ciências Sociais; ela, de Letras. Contam que na capital paulista a ocupação no Viaduto do Chá não para desde o 15 de outubro.

O casal não tem dúvidas: as revoltas que começaram nos países árabes e se alastraram pelo mundo são um processo revolucionário. Em São Paulo ou em Porto Alegre, as pessoas começam a construir esse processo, explica Felipe. “Não é reformista, é revolucionário”, reforça Bruna.

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