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17 de agosto de 2011
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00:20

Última atuação de caráter bélico da Brigada Militar foi no movimento de 1961

Por
Sul 21
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Exposição no Instituto Histórico e Geográfico lembra a legalidade l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Lorena Paim

A participação no movimento da Legalidade, em 1961, foi a última operação da Brigada Militar organizada como unidade para combate. Desde então, a corporação foi reestruturando seu papel, até mesmo por força de determinações legais, passando a atuar mais no policiamento, como acontece até hoje. Essa avaliação foi feita pelos participantes do debate promovido no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, nesta terça (16), em comemoração aos 50 anos da Legalidade.

A Brigada, como órgão vinculado ao governador do Estado, foi chamada imediatamente por Leonel Brizola para agir durante os turbulentos dias do final de agosto de 1961. O Regimento Bento Gonçalves ficou encarregado do Palácio Piratini, enquanto outras unidades se preparavam para a luta, tanto em Porto Alegre quanto no interior.

Regimento Bento Gonçalves foi convocado a defender o Palário Piratini l Foto: Acervo Fotográfico do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

O coronel Bento Mathuzalém, em sua exposição, contou que, aos 17 anos, quando ingressou na BM, como cadete, tomou parte das ações do Centro de Instrução Militar, um dos pontos importantes da capital naquele contexto de iminência de conflito. “Eu era jovem, não entendia de política. Recebemos ordem de prontidão e um fuzil”, lembra. Destaca, a propósito, que a Brigada “tinha uma formação guerreira, parecida com a do Exército, em que se treinava posição de combate e guerrilha, enquanto hoje ela é mais voltada para o policiamento ostensivo”. Por causa dessa tradição, acredita que o governador Brizola tenha imediatamente confiado na corporação, pois sabia que ela era preparada para a ação.

Coronel Bento Mathuzalém: "O real perigo surgiu quando um oficial ordenou: alimentem as armas" l Ramiro Furquim/Sul21

Segundo ele, os cadetes – 82, no total – tinham cerca de quatro meses de caserna e alguma participação em manobras. Formavam uma unidade de elite, com preparação militar. No dia 26 de agosto, lembra, “caiu o portão”, isto é, foi decretada prontidão rigorosa nos quartéis. “O comando estava decidindo o que fazer. Nós atuaríamos defensivamente, em três linhas, a partir da Avenida Aparício Borges, com posições de retraimento no Morro da Polícia, onde poderíamos nos estabelecer, em caso de ataque”.

O coronel Bento lembra que cada grupo de combate portava um fuzil-metralhadora, e cada homem um fuzil. “Eu, pela pouca idade, não tinha visto a real gravidade da situação na trincheira onde me encontrava com outros companheiros. O real perigo surgiu quando um oficial ordenou: alimentem as armas – o que significa colocar o cartucho em posição de tiro. Aí o clima era de ansiedade e medo. O que só acabou com a notícia de que o comandante do III Exército iria apoiar a Legalidade”.

Em Torres, defesa com frio e chuva

Outro depoimento foi o do coronel Jerônimo Braga, que na época já tinha cinco anos de Brigada Militar e estava no terceiro ano do curso de formação de oficiais. Ele integrou o Batalhão de Operações que foi enviado a Torres para fazer a defesa do território nas proximidades de Santa Catarina. A Brigada tinha determinado esse eixo para atuar no Litoral.

A tropa tinha alunos do terceiro e do quarto ano do curso de oficiais. “O superior fez a formação no pátio do quartel e disse que quem quisesse, poderia desistir da missão. Na minha turma, ninguém desistiu”, constata. O coronel diz que os jovens ficaram contentes, “porque ganhamos o salário adiantado”. Embarcaram em cerca de 80 veículos, incluindo carros e caminhões, tudo sem luz, para evitar observação aérea e seguiram para o Litoral, em tempos pré-freeway. Ao passar por Gravataí, recorda do povo acenando com lenços, o Hino da Legalidade tocando, alguns chorando: “era um clima altamente emocional”.

Em Torres, ao chegar, os homens começaram a tomar posições, nos morros, montando espaldões de metralhadoras e abrigos antiaéreos. Além disso, sempre havia um destacamento observando o mar, mais perto da praia. O coronel Jerônimo lembra de “estar com muito frio, molhado, mas mesmo a monotonia do dia a dia não diminuía o nosso entusiasmo”. Acrescenta que naquela missão sentiu “a dor do frio”, mesmo abrigado e com o chão da barraca forrado de galhos. Ele participou de uma posição de distraimento, sendo enviado com colegas a um ponto distante, onde puderam armar barracas e acender uma fogueira, a fim de enganar o eventual inimigo sobre o local do acampamento da tropa.

De volta à capital, sem nenhum tiro disparado ou incidente grave, os soldados foram recebidos com festa em Porto Alegre. Os parentes aguardavam, ansiosos. Fizeram formação na Avenida Borges de Medeiros, sendo inspecionados pelo governador Brizola. “Talvez alguns estranhassem nossa aparência, depois de dez dias sem lavar a roupa ou fazer a barba”, observa Jerônimo Braga.

Exposição mostra a atuação da BM

O coronel Moacir Almeida Simões fez uma exposição sobre a Brigada Militar, lembrando que, desde a sua criação, em 1837, a corporação participou de vários movimentos armados no Estado, como em 1893, em 1930 e 32. A partir dos anos 50, começou a sair da condição bélica em direção ao policiamento. Surgiram, então, os batalhões, a dupla de Pedro e Paulo, a instalação do corpo de bombeiros no interior. Segundo Simões, durante a Legalidade “houve a iminência de confronto em vários momentos, sim, principalmente quando a Brigada Militar estava de um lado e o Exército de outro”.

Victor Nunez: integrante do Comitê de Resistência l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

No final, o advogado Victor Nuñez, que participou, em 1961, do Comitê de Resistência do Mata-Borrão, como um dos dirigentes, lembrou da homenagem que fez na época à Brigada Militar. No desfile de 20 de Setembro, foi escolhido para entregar uma placa de prata ao comandante da BM Diomário Moojen, “uma homenagem do povo desarmado ao povo armado”.

Na sede do Instituto Histórico e Geográfico, a Brigada Militar colocou banners com fotos e textos sobre sua atuação na Legalidade. A exposição irá a diversos municípios, ainda, juntamente com fardamentos e armas usadas naquela ocasião. A Câmara de Vereadores de Porto Alegre, por sua vez, colocou a exposição “Jango Presidente”, também com fotos e textos sobre o mandato de João Goulart – que na época da Legalidade era o vice cuja posse foi motivo de contestação militar.

Exposição Jango Presidente pode ser vista no Instituto Histórico e Geográfico l Ramiro Furquim/Sul21

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