Nubia Silveira
O poema Gaúcho, do pernambucano Ascenso Ferreira (1895-1965), revelava o pouco apreço do poeta pelo homem do pampa:
Riscando os cavalos!
Tinindo as esporas!
Través das coxilhas!
Sai de meus pagos em louca arrancada!
— Para quê?
— Pra nada!
A visão de Ascenso mudou com o Movimento da Legalidade. O poeta fez questão de ligar para o governador Leonel Brizola e informar que o final do seu poema havia mudado: “ Para quê? Para tudo!”, disse ele. Brizola se entusiasmou e convidou Ascenso a visitar o Estado e patrocinou a viagem. No Estado, ele foi muito bem recebido, deu um recital e viu seus poemas serem distribuídos pelas escolas públicas. Quem lembra o fato é o filho de pernambucano Caio Lustosa. Advogado, ambientalista, político e, mais recentemente, artista plástico, Caio conta que, nos anos 60, para lembrar suas origens, frequentava o Clube Nordestino, que funcionava na Avenida Getúlio Vargas, no bairro Menino Deus.
Caio Lustosa foi um dos legalistas de primeira hora. Já advogava havia um ano, quando o país mergulhou na crise de 1961. Ele participou da criação do Comitê Popular da Resistência, que se instalou no prédio conhecido como Mata-Borrão, no Centro de Porto Alegre. Ali, escrevia palavras de ordem e produzia o jornalzinho Resistência. Nos altos do Mercado Público, junto com Xico Stockinger e outros artistas plásticos, confeccionava faixas incentivando a população a se integrar no movimento de resistência. “As faixas eram espalhadas pela cidade, principalmente, pelo Centro”, recorda.
Em 61, integrava a ala moça do PTB e acreditava na possibilidade de os brasileiros se envolverem numa guerra civil, se os chefes das Forças Armadas persistissem na posição de impedir a posse do vice-presidente João Goulart, também do PTB. “Cheguei a dar ordem unida ao Batalhão Tiradentes, formado pelos tranviários”, afirma.
Ordem para desmobilizar
Quando o vice aceitou assumir a presidência no regime parlamentarista, o deputado Mariano Beck (PTB) foi até ao Mata-Borrão dar a ordem de desmobilização. Caio repete o que ouviu do trabalhista: “Está tudo acabado. O doutor Jango aceitou as condições. Tem de desmobilizar”. O ex-trabalhista que, em 1964, militava no PSB, diz, como outros militantes da Legalidade, que a desmobilização abriu caminho para o golpe de 64. Mas, olhando para o passado, Caio afirma que “Jango não tinha alternativa. Havia um navio de guerra em Florianópolis (pronto para atacar o Estado) e havia também as forças dos Estados”. Ele ressalta que “na época, estávamos na linha do Brizola, de resistência”.
O que restou da Legalidade, de acordo com Caio, foi a grande mobilização em “torno de uma causa justa e de idéias democráticas. O mesmo que, agora, acontece em países árabes e da Europa, como a Inglaterra e a Espanha”. Ele acha, no entanto, que na política brasileira de hoje nada restou dos princípios da Legalidade: “Houve algum avanço na Constituinte. Mas o atual quadro oficial dos partidos é uma desgraça”.
Depois de militar no PTB e no PSB, Caio ingresso no MDB, quando o país viveu sob o bipartidarismo. Mais tarde, acompanhou “Bisol, FHC, Ecléa e outros” no movimento resultaria no PSDB. Por fim, apoiou a candidatura de Olívio Dutra à prefeitura de Porto Alegre (1989-1992), ingressou no PT e foi convidado por Olívio a assumir a Secretaria Municipal do Meio Ambiente. Hoje, não pertence a qualquer partido. Dedica-se a desenhar e pintar e segue na luta em defesa da natureza.