Para MP, Natal Luz de Gramado virou negócio em família

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Sul 21
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Atração turística de Gramado, Natal Luz foi alvo de investigação do MP, que listou 21 relações familiares na organização do evento | Foto: Divulgação/Prefeitura de Gramado

Igor Natusch

A lista de denunciados pelo Ministério Público por irregularidades no Natal Luz de Gramado descortina um negócio em família. A cada ano, a comissão executiva nomeada pelo prefeito de Gramado conta não só com a liderança do empresário Luciano Peccin, mas também com uma série de pessoas próximas a ele – desde esposa e filhos até sócios e colaboradores comerciais. Uma aliança que traz “características mafiosas de um bando criminoso”, nas palavras do MP, na denúncia sobre irregularidades no trato com recursos públicos em uma das maiores atrações da Serra Gaúcha.

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A denúncia do Ministério Público, à qual o Sul21 teve acesso, lista nada menos que 21 relações familiares ou empresariais entre os acusados, que extrapolam os limites da comissão e se estendem por outros aspectos do turismo cultural de Gramado, como o Festival de Cinema e a administração do Cine Embaixador. Coisa que, segundo o advogado de Luciano Peccin, nada tem de anormal. “O Natal Luz é um produto privado, que essas pessoas desenvolveram e a prefeitura abraçou”, diz Amadeu de Almeida Weinmann, que defende boa parte dos nomes incluídos na denúncia do MP.

De acordo com o MP, Luciano Peccin é sócio, representante ou procurador de várias empresas que prestaram serviços ao Natal Luz, como Mundo de Gramado, D’Art Produções e Eventos, 3P e MP Peccin e Cia. Ltda. Nelas, o empresário divide ações e responsabilidades com sua esposa, Marlene Prawer Peccin, os filhos Felipe e Rafael e os irmãos Laurence e Ricardo Peccin. Todas as empresas foram incluídas na folha de pagamento do evento. A Mundo de Gramado, por exemplo, ganhou R$ 321 mil de Natal Luz e ACTG, enquanto a D’Art recebeu R$ 732 mil.

Atual prefeito de Gramado, Nestor Tissot, e o presidente do Natal Luz, Luciano Peccin. "Agora, que o Natal Luz dá lucro e é famoso no mundo todo, dizem que é suspeito que uma família desenvolva um negócio conjuntamente", critica advogado | Foto: Divulgação/Prefeitura de Gramado

Um dos filhos de Luciano, Felipe Peccin, foi designado em janeiro de 2011 membro do conselho fiscal do Instituto Natal Luz. Felipe é casado com Iara Brocker Urbani Peccin – que também integrou, ao lado de sua irmã Lisiane, a comissão executiva do 25º Natal Luz, no ano passado. Felipe e Iara são igualmente sócios na Iafe Produções Turísticas, que recebeu R$ 395 mil da ACTG pela coordenação da última edição do evento. Rodrigo Cadorin, marido de Lisiane Brocker Urbani Peccin, também participou da comissão executiva nomeada pela Prefeitura de Gramado.

Pedro Henrique Bertolucci, ex-prefeito de Gramado, foi sócio de Luciano Peccin em uma empresa chamada Artesanato Kaskão, parceria que iniciou-se em 1972 e só foi encerrada em 2008, de acordo com o MP. O sobrinho de Pedro Bertolucci, Darci Maurício Brock, é integrante da comissão do 25º Natal Luz, além de sócio majoritário da DM Brock & Cia. Ltda., que recebeu R$ 73 mil por serviços de assessoria e produção prestados ao Natal Luz do ano passado.

“Só escravo trabalha de graça”

O advogado Amadeu de Almeida Weinmann, que defende os interesses da família Peccin, garante estar convencido de que a denúncia é uma “barbaridade” cometida pelo Ministério Público. “O evento tem sido um sucesso maravilhoso por 26 anos. Agora, que o Natal Luz dá lucro e é famoso no mundo todo, dizem que é suspeito que uma família desenvolva um negócio conjuntamente”, diz o advogado.

De acordo com Weinmann, a denúncia apresentada pelo MP é contraditória, já que não leva em conta que o Natal Luz é, antes de tudo, um empreendimento privado. “Se tu analisares o Carnaval do Rio, vais ver que ele é organizado por empresas particulares com a concessão do governo carioca. A corrida de Fórmula Indy em São Paulo é a mesma coisa”, exemplifica. Não haveria, portanto, necessidade de promover licitações, ou de contratar empresas outras que não as dos próprios responsáveis pela organização do evento.

Para ele, o Natal Luz é uma iniciativa desenvolvida e aprimorada por Luciano Peccin e pessoas próximas, que desde o início foi bem recebida pela prefeitura. O grau de sucesso alcançado desperta o interesse de “grandes conglomerados”, que agora querem explorar a marca Natal Luz em benefício próprio. “Chegam (promotores do MP) ao absurdo de dizer que existe suspeita sobre o dinheiro pago por serviços prestados. Imagino eu que só escravo trabalhe de graça”, diz Amadeu Weinmann.

O advogado que defende Luciano Peccin garante ter contratado os serviços de uma assessoria contábil para analisar as prestações de contas do Natal Luz nos anos cobertos pela denúncia. “Nenhum centavo foi desviado, tudo está devidamente declarado”, assegura. “Examinamos os resultados ao lado de peritos. As conclusões simplesmente não conferem com o que aparece na denúncia”.

Para advogado, Natal Luz é uma iniciativa desenvolvida e aprimorada por Luciano Peccin. A denúncia apresentada pelo MP seria contraditória, já que não leva em conta que o Natal Luz é, antes de tudo, um empreendimento privado | Foto: Divulgação/Prefeitura de Gramado

Mudança de cláusula teria favorecido grupo

Luciano Peccin está envolvido com o Natal Luz desde seu nascimento. Era secretário de Turismo de Gramado em 1986, quando retomou a Festa das Hortênsias, evento que tinha o Natal Luz como parte da programação. Mais tarde, o evento natalino tornou-se independente da festa que o gerou, seguindo os passos de outra atração nascida na Festa das Hortênsias: o Festival de Cinema de Gramado.

O Natal Luz de Gramado vem sendo, desde a gestão do ex-prefeito Pedro Bertolucci, entregue nas mãos de uma comissão executiva, designada por meio de portaria assinada pelo chefe do Executivo municipal. Invariavelmente, a presidência da comissão era entregue a Luciano Peccin. De acordo com o MP, uma vez que há nomeação pelo prefeito, a participação na comissão deve ser vista como função pública, de forma que os membros não podem ter nenhuma ligação com as empresas prestadoras de serviço.

Em princípio, a organização deveria caber à Associação de Cultura e Turismo de Gramado (ACTG), mas a partir de 2007 a atuação do órgão foi esvaziada por meio de uma mudança de cláusula no convênio para realização do Natal Luz. A mudança, assinada pelo então prefeito Pedro Bertolucci, oficializou o repasse de recursos para a conveniada, retirando a ACTG e a Secretaria de Turismo do texto. Segundo o MP, isso permitiu a Peccin e seus aliados uma apropriação criminosa, “paulatina e constante”, dos poderes decisórios sobre o evento.

A partir da nomeação, os participantes do suposto esquema teriam controle total sobre a elaboração dos contratos com fornecedores e prestadores de serviço, além de definir os valores envolvidos. De acordo com o MP, a estrutura do grupo seria bem definida, com a liderança clara de Luciano Peccin e até mesmo um organograma para coordenar os desvios.

Promotor Adrio Gelatti. Segundo MP, como a comissão organizadora do evento é nomeada pela prefeitura, deve ser entendida como função pública | Foto: Natália Pianegonda/MPRS

O dinheiro investido no Natal Luz de Gramado tem três origens. Parte dos valores são oriundos dos cofres públicos, investidos diretamente pela prefeitura do município. Outra parte dos recursos são de origem federal, via leis de renúncia fiscal e incentivo à cultura. Por fim, também estão registradas doações da iniciativa privada, com empresários que patrocinam ou apenas contribuem financeiramente para o evento.

Caso a denúncia do MP seja aceita pelo juiz, os denunciados serão processados pelos crimes de peculato e formação de quadrilha. Além da denúncia criminal contra 34 pessoas, o MP também prepara ação civil pública conta agentes públicos de suposto envolvimento no esquema, como Pedro Bertolucci, ex-prefeito de Gramado, e Nestor Tissot, atual chefe do Executivo municipal.

“Agora, pagar pelo trabalho virou desvio”, diz ex-prefeito

“São acusações muito infundadas”, diz Pedro Bertolucci. O ex-prefeito, que se licenciou da presidência estadual do PP para defender-se das acusações, refuta com veemência as acusações de que teria favorecido o grupo ilegalmente ou agido de modo a lesar os cofres públicos. “Afirmo categoricamente: é mentira”, acentua. “Todos os convênios foram assinados com autorização legal, sempre com base na lei orgânica do município. São acusações feitas de forma escandalosa, sem nenhuma sustentação”.

O modelo de nomeação de comissões adotado no Natal Luz é praxe em Gramado desde 1959, segundo Bertolucci, sendo igualmente observado em vários municípios do RS. “É exatamente o mesmo procedimento durante todos esses anos”, assinala. Quanto à mudança de cláusula, Pedro Bertolucci diz ter sido feita para garantir o pagamento justo aos responsáveis pelo Natal Luz. “São pessoas que trabalham durante 72 dias, mais o período todo necessário para organização e preparação de um mega evento. Por óbvio, elas precisam receber”, diz o ex-prefeito. “Acho curioso que chamem de ‘desvio’ o que é simplesmente o pagamento do trabalho dessas pessoas”.

Bruno Alencastro/Sul21
Pedro Bertolucci: "Acho curioso que chamem de 'desvio' o que é simplesmente o pagamento do trabalho dessas pessoas" | Foto: Bruno Alencastro/Sul21

A presença sistemática de Luciano Peccin é explicada por Bertolucci com um argumento simples: foi ele quem criou o Natal Luz. “Ele transformou um desfile de lanternas, que existe em várias cidades gaúchas, no maior evento natalino do mundo”, argumenta. “Foi ele quem criou o evento, quem desenvolveu tudo. Por que não fizeram essa cobrança toda quando o evento não dava lucro?”, indaga Bertolucci. Segundo ele, em breve as pessoas verão os “interesses políticos e comerciais” por trás das cobranças sobre o evento. “Por enquanto, não vou falar mais nada. Mas vai aparecer”, conclui.

Acordo deve garantir Natal Luz em 2011

Segundo a prefeitura de Gramado, a realização da 26ª edição do Natal Luz está garantida. Após acordo firmado com o Ministério Público na quinta-feira (11), ficou definido que o evento de 2011 será gerido em um modelo transitório, no qual a ACTG será assessorada por um administrador judicial. Ruben Francisco de Souza Oliveira, conselheiro estadual da Cultura e presidente regional do Conselho de Cultura da Famurs, foi indicado pelo MP para o cargo. Para as próximas edições, o município de Gramado terá que criar uma empresa pública para gerir o Natal Luz.

A prefeitura já havia definido durante a semana um novo nome para ocupar a pasta de Turismo. Rosa Helena Volk substitui Gilberto Tomasini, afastado do cargo por determinação judicial após a entrega das denúncias pelo MP. Também será nomeada, nos próximos dias, uma nova comissão executiva para o evento, sem a presença de nenhum dos antigos participantes. Os denunciados estão impedidos, por ordem judicial, de contratar com o poder público.

O Tribunal de Justiça já encaminhou notificações a dois funcionários públicos denunciados: o vice-prefeito de Gramado, Luiz Antonio Barbacovi, e o atual presidente do Festival de Cinema de Gramado, Alemir Coletto. A partir do recebimento das notificações, os dois dispõem de 15 dias para entregar defesa. Só após isso o juiz encarregado do caso decidirá se aceita ou não a denúncia do Ministério Público.


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