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2 de agosto de 2011
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04:19

Como um general legalista, conservador e apartidário apoiou o movimento de 61

Por
Sul 21
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Machado Lopes: “um militar experiente, ex-combatente da II Guerra Mundial, convicto liberal-cristão e anticomunista" l Foto: Acervo Fotográfico do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

Lorena Paim

“Um General na Legalidade” foi o tema do trabalho de conclusão de Marcelo Danéris no curso de licenciatura plena em História, na Unisinos, em 2008. Ex-vereador porto-alegrense, atualmente secretário estadual do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (Conselhão), ele enfocou “Machado Lopes e as razões da adesão”, ao analisar a figura do comandante do III Exército que, em 1961, resolveu apoiar o movimento pelo cumprimento da Constituição.

O autor trata dos motivos que levaram “um militar experiente, ex-combatente da II Guerra Mundial, convicto liberal-cristão e anticomunista, a optar pela Legalidade” e conclui que existiram razões militares, políticas e sociais que determinaram sua decisão. Ou seja: no dia 28 de agosto, após a ordem do ministro da Guerra, Odílio Denys, determinando ao III Exército o ataque sobre Porto Alegre e o Palácio Piratini, o general Machado Lopes se recusou a obedecer. Logo em seguida, anunciou seu apoio ao movimento da Legalidade e à posse do vice-presidente João Goulart.

Marcelo Danéris: "o começo da caminhada para compreensão de 1964 passa de qualquer forma por 1961" l l Foto Divulgação

Os acontecimentos de agosto de 1961 – a renúncia do presidente Jânio Quadros, o veto militar à posse do vice, a formação da Rede da Legalidade, a resistência vitoriosa ao golpe de Estado, a mobilização popular, a participação do III Exército ao lado dos legalistas e a posse de Jango sob o parlamentarismo – tudo em apenas 13 dias — instigam a curiosidade histórica. “Essa curiosidade, que confesso, carrego desde os tempos de estudante secundarista, aumentou durante o curso de graduação em História. O desejo de entender sobre um movimento político, popular e militar que infelizmente não se repetiu, em intensidade e mobilização, durante o golpe civil-militar de março de 1964. No entanto, o começo da caminhada para compreensão de 1964 passa de qualquer forma por 1961, a crise da renúncia e a luta pela legalidade”, diz Danéris, em seu trabalho de conclusão.

“No contexto da crise de 1961 e da derrota de mais uma tentativa dos militares de realizar um golpe de Estado – constata Danéris — não deixa de ser irônico, e historicamente interessante, saber que muito do fracasso desta tentativa foi determinado pela adesão do III Exército e seu comandante, general Machado Lopes, à Legalidade. A presença do III Exército ao lado dos legalistas, contra as ordens e a vontade dos comandantes das Forças Armadas brasileiras, em especial do ministro da Guerra, marechal Odílio Denys, foi um dos elementos determinantes para o sucesso da Legalidade e a posse de Jango”.

Odílio Denys E), ministro do Exército: derrotado pela decisão de Machado Lopes l Foto: reprodução

O texto relembra o contexto — político, social e militar — aparentemente desfavorável, no Rio Grande do Sul e no Brasil, para um golpe de Estado, e assim, supostamente facilitador para a adesão aos legalistas: os diversos focos de resistência no âmbito das Forças Armadas, a liderança de Brizola no Sul, a expressiva mobilização popular no Estado, a divisão no interior do próprio III Exército e as dificuldades logísticas e financeiras que este teria em garantir uma efetiva reação contra o movimento da Legalidade.

A relação do governo estadual com o III Exército não era das melhores, observa o autor. Tanto que, na época, Brizola apresentou reclamação formal ao chefe da Casa Militar da Presidência, Pedro Geraldo, sobre as interferências do III Exército, especialmente do general Antônio Murici, nas questões políticas do Estado. Segundo o governador, o general Murici estaria querendo fazer policialismo, envolvendo-se com problemas sindicais e greves. Brizola também reclamou do general Machado Lopes, a quem acusou de tê-lo constrangido em almoço com o embaixador suíço, ao manifestar repulsa a Cuba e à possibilidade de aproximação do Brasil com a Rússia.

Trajetória ligada à disciplina e à ordem

Marcelo Danéris busca dados em vários autores para traçar o perfil do militar. José Machado Lopes nasceu em 1900 no Rio de Janeiro, filho de um comerciante e de uma professora, ingressou aos 13 anos no Colégio Militar do Rio de Janeiro, depois cursou a Escola Militar do Realengo onde se especializou em engenharia. Era contemporâneo e amigo do General Góes Monteiro e do marechal Humberto de Alencar Castelo Branco.

Ele não era um oficial da linha conservadora, constata o trabalho. “Parte dos oficiais ficava em uma posição neutra, mais fiel à disciplina militar, à legalidade e à ordem. Parece ter sido este o caso de Machado Lopes, um soldado mais afeito à caserna e que pouco protagonizou disputas políticas, salvo para, como dizia ele, combater os extremismos de esquerda e de direita. Recebeu punição – considerada injusta – com a transferência para a 5ª Região Militar (Curitiba) por ser tomado como participante do levante tenentista de 5 de julho de 1922, ao qual, na verdade, se opusera.” Esta injustiça cristalizou dentro dele a devoção total à disciplina e à legalidade, acrescenta, com base em informações de Amir Labaki. Em 1935, quando cursava a Escola do Estado-Maior do Exército no Rio de Janeiro, Lopes combateu, armado, a Intentona Comunista.

Machado ao lado de Brizola: "um soldado mais afeito à caserna e que pouco protagonizou disputas políticas" l Foto: Acervo Fotográfico do Museu de Comunicação Hipólito José da Costa

Ainda fez parte da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na II Guerra Mundial, comandou a engenharia de combate como coronel e participou do ataque dos aliados, em fevereiro de 1945, a Monte Castelo na Itália. Em 1946 foi enviado pelo presidente Gaspar Dutra ao Ceará como interventor federal para organizar as eleições, onde ficou até 1947. Foi também adido militar nos EUA em 1955 e, logo após, comandante militar da 7ª Divisão de Infantaria em Recife. “De certa forma, parte da trajetória do general Lopes estava ligada à defesa da legalidade e da democracia, particularmente a de tipo republicana e liberal”, constata.

Em junho de 1961, assumiu o Comando do III Exército, atualmente Comando Militar do Sul (CMS), que abrange Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. “Com 61 anos, o general José Machado Lopes havia assumido o comando do III Exército havia pouco tempo. Chegara sozinho, sem a família, e apesar de em tempos passados ter comandado uma unidade no interior do Estado, conhecia pouco sobre o Rio Grande do Sul de 1961, suas unidades militares e seus comandantes. Sua rotina resumia-se a passar o dia no Quartel General (QG) do III Exército no centro de Porto Alegre e almoçar eventualmente na unidade militar da Companhia de Guardas, no bairro Santana”.

O autor também destaca que, no cenário externo, a Legalidade está inserida na era da Guerra Fria, no período da chamada coexistência pacífica. “Mas este período carregava consigo uma singularidade: a quem pertencia a América Latina dentro da distribuição global entre as forças e suas áreas de influência e não intervenção?” No plano interno, o início da década de 60 significou o enfrentamento entre getulistas e antigetulistas ou, em uma síntese mais ampla e simplificadora, entre esquerda e direita, o enrijecimento das relações e das posições políticas.

Brizola não consegue apoio imediato do Exército

No Rio Grande do Sul, o governador Brizola reagiu ao veto militar a João Goulart formando a Rede da Legalidade e exigindo o retorno ao Brasil e a posse do vice-presidente. Após ter conquistado o apoio de vários oficiais comandantes do III Exército no Estado, contatou também com os principais comandantes militares do País, mas naquele momento não conseguiu nenhuma adesão. No segundo contato telefônico que fez com o comandante do III Exército, general Machado Lopes, desde o início da crise, solicitou apoio ao Movimento da Legalidade. O general lhe disse que não poderia se decidir daquela forma, que era soldado e ficava com o Exército, Brizola respondeu que como civil, eleito governador legalmente, ficaria com a Constituição.

Brizola informa o comandante do III Exército que ficaria ao lado da Constituição l Foto: Acervo Museu de Comunicação Hipólito José da Costa

Por rádio o general Machado Lopes informou ao Ministro da Guerra, no dia 27 de agosto, que Brizola lhe declarou que iria resistir ao veto e que os comandantes da 3ª Divisão de Infantaria, general Pery Bevilaqua, e da 1ª Divisão de Cavalaria, general Oromar Osório, queriam que fosse mantido o princípio constitucional. O general Bevilaqua já havia sugerido ao comandante que o III Exército oferecesse a Jânio uma base territorial na qual este pudesse governar livremente.

Segundo Danéris, começa uma reação em outra frente. O ministro da Aeronáutica, Gabriel Grun Moss, ordenou na madrugada do dia 28 de agosto ao comandante da 5ª Zona Aérea que realizasse vôos rasantes no Palácio Piratini para “amedrontar o governador Brizola e fazê-lo calar a Rede Nacional da Legalidade”. A ordem previa o bombardeio do Palácio em caso de Brizola não se calar.

Ainda na madrugada do dia 28, o brigadeiro Passos, apesar de apoiar a decisão do veto, resolveu adiar a execução da ordem, com medo de uma reação que poderia levar a guerra fratricida. Comunicou sua decisão de adiar o ataque ao general Machado Lopes, mas deixou os aviões preparados e os pilotos em prontidão. Um grupo de quatro suboficiais e sargentos, simpáticos à Legalidade, abandonam a Base e se dirigem, com metralhadoras, ao Palácio Piratini. Todos foram ouvidos e enviados por Brizola ao QG, onde foram recebidos pelo comandante: “muito bem, sargento, eu quero lhe apertar a mão e dizer que tomaram uma atitude heroica e patriótica de não deixar bombardear a cidade”, afirmou Machado Lopes. Sem conseguir controlar a rebelião, o comandante da 5ª Zona Aérea, Arellano Passos, pede e recebe do general Machado Lopes tropas do Exército para controlar a insubordinação na base, logo em seguida, deixa o comando e voa para o Rio de Janeiro.

Aqui já aparece um traço da indecisão de Machado Lopes e das contradições em relação aos legalistas. “Enviou tropas do Exército à Base para controlar a situação até a chegada dos novos comandantes. O oficial encarregado da missão era um empedernido e violento anticomunista. Este, quando chegou à Base, obrigou a todos os sargentos e suboficiais que participaram da sabotagem a ficarem por horas a fio em forma no pátio, sob o sol e a mira de soldados armados, até a chegada do comandante”.

Momento de decisão para o comandante

No dia 28 de agosto, tanques são deslocados da Serraria para o centro de Porto Alegre l Foto: José Abraham

Outro incidente se refere ao episódio dos tanques. Na noite de 27 de agosto, chegou a notícia de que uma coluna de mais de 20 tanques se deslocava da 2ª Companhia Mecanizada, do bairro Serraria, para o Centro da cidade. Eram tanques M-3 com canhões 37 milímetros e metralhadoras. Na madrugada do dia 28 de agosto, a movimentação de tanques do III Exército nas ruas próximas ao Centro dava a certeza de que o ataque ao Palácio do governo era iminente.

Após a longa e tensa espera pelo ataque na madrugada, no meio da manhã, em torno das dez horas, chegou ao Palácio Piratini a confirmação da notícia de que o ministro da Guerra, Odílio Denys, teria determinado ao III Exército e a Força Aérea Brasileira (FAB): “utilize sobre Porto Alegre toda a tropa do Rio Grande do Sul que julgar conveniente; empregue a Aeronáutica, realizando inclusive bombardeio se necessário”.

O governador Brizola, após ser comunicado do pedido de audiência de Machado Lopes para as 12 horas do dia 28, e mesmo informado de que o general declararia apoio, decidiu, uma hora antes da reunião, descer aos porões do Palácio. Fez o que ficou conhecido como o “discurso patético”. Era também sua intenção constranger qualquer tentativa de Machado Lopes de prendê-lo ou exigir sua renúncia.

Diante da ordem de ataque, o comandante vivia o momento decisivo, “com a crise tomando contornos de uma luta armada, já não era possível o III Exército ficar numa posição contemplativa.” Pediu para ficar sozinho, pensou e respondeu assim ao radiograma: “cumpro ordens apenas dentro da Constituição vigente”. Logo em seguida, reuniu seu Estado Maior no QG do III Exército, e assim que ouviu da maioria dos oficiais a vontade de aderir à Legalidade, pediu uma audiência com o governador Leonel Brizola. De qualquer forma, diz Danéris, uma tentativa de calar Brizola àquela altura exigiria romper violentamente o cerco de milhares de pessoas que se reuniam em vigília na frente do Palácio.

Algumas horas antes, Machado Lopes, ainda indeciso e acatando a determinação do ministro da Guerra, tinha ordenado ao capitão comandante da Companhia de Guarda, Pedro Américo Leal, que retirasse o cristal dos transmissores da Rádio Guaíba. Ordem que mandou logo suspender.

Ao mesmo tempo, os tanques que se movimentavam próximos ao Centro, e que tanto temor haviam gerado durante a madrugada, na verdade dirigiam-se ao cais do porto, nos fundos do quartel-general do III Exército, “prontos para entrar em ação, mas ação que se desenrolaria contra o destróier Baependi, que se encontrava ancorado em Porto Alegre, sem justificativa plausível”.

Quando chegou ao Palácio Piratini, ao sentar à mesa com Brizola, Machado Lopes anunciou, de imediato, a decisão sua e do Estado-Maior do III Exército de apoiar o Movimento da Legalidade. No mesmo instante o governador transmitiu-lhe o comando da Brigada Militar. A notícia foi anunciada pelos microfones da rádio da Legalidade e da sacada do Palácio Piratini pelos dois chefes, para delírio e alívio da multidão que aguardava ao lado de fora.

Machado Lopes ameaça prender Cordeiro de Farias, se ele desembarcasse em Porto Alegre para substituí-lo l Foto: Acervo Fotográfico do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

A adesão do general, garantindo à Legalidade o apoio de uma das regiões do Exército mais bem armadas, foi um duro golpe nos planos dos ministros militares. Eram mais de 60 mil soldados – 13 mil da Brigada Militar – os efetivos legalistas disponíveis pelo III Exército na Região Sul, além de milhares de voluntários que se inscreviam nos comitês de resistência democrática, contra 90 mil do restante das três regiões militares (I, II e IV Exércitos). Em suas memórias, Lopes afirmou que teria 120 mil homens sob o seu comando.

Imediatamente após voltar ao QG, Machado Lopes iniciou os preparativos militares para a resistência e o avanço das tropas até Santa Catarina, Paraná e São Paulo. Os legalistas temiam a entrada ou formação de bases da Marinha e da Aeronáutica nestes estados, principalmente a possibilidade do envio do temido porta-aviões Minas Gerais para o litoral sul.

Mas, constata o autor, nem tudo era tranquilo nos meios militares do Sul: uma série de deserções de oficiais das Forças Armadas, simpáticos à posição do ministro da Guerra, seguiu-se ao anúncio de adesão de Machado Lopes. Entre estes estavam o general Antônio Carlos Murici, chefe do Estado-Maior do III Exército, e o brigadeiro José Arellano Passos, Comandante da 5ª Zona Aérea.

Machado Lopes informa que não reconhece mais às ordens do ministro Odílio Denys e que prenderia o general Cordeiro de Farias (nomeado seu substituto) assim que este colocasse os pés em solo gaúcho. A posição dos ministros militares já estava sensivelmente debilitada, com a dissensão interna no Exército exposta pelo marechal Lott, a falta de respaldo político no Congresso Nacional e de apoio popular na sociedade. Após as notícias sobre a adesão do III Exército ao movimento da Legalidade, a situação parecia insustentável. “Restavam apenas três opções à junta golpista: desistir, enfrentar a guerra civil ou negociar uma solução política e pacífica. Optaram pela última. A perda do III Exército tinha empurrado a crise para o epílogo e praticamente garantido o retorno em segurança do vice-presidente”.

Luta contra extremismos de direita e de esquerda

Conforme o autor, a decisão de Machado Lopes poderia ser vista como a expressão consequente do seu histórico militar, das suas convicções político-ideológicas e de sua visão constitucionalista em relação ao papel do Exército no sistema republicano, como o próprio militar alega em seu livro de memórias. No entanto, é preciso considerar também que como um militar experiente, ele poderia ter tomado a decisão de aderir ao movimento frente à falta de apoio e a fragilidade da junta de ministros militares.

Para Labaki, ao qual Machado Lopes concedeu uma entrevista em 1985, a história deste general é semelhante à de toda uma geração que formaria os expoentes do Exército brasileiro durante mais de metade do século XX. O general diz em suas memórias que sempre lutou contra os extremismos “de esquerda e de direita” e a favor de uma democracia liberal e cristã.

Carlos Lacerda: um "espírito ávido" pelo poder, segundo o comandante do III Exército l Foto: reprodução

Na permanente tentativa de demonstrar sua neutralidade política em relação aos lados em disputa naquele período, Machado Lopes ao falar sobre os primeiros momentos da renúncia, refere-se aos governadores da Guanabara, Carlos Lacerda, e do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, como “espíritos ávidos” pelo poder que logo se lançaram em ações, vislumbrando na oportunidade a realização dos seus ideais. Aos ministros militares dedicou o mais áspero comentário: “em Brasília, no recôndito de um dos gabinetes do Palácio do Planalto, os três ministros militares extravasaram os seus naturais sentimentos. O mais emotivo não conseguia conter as lágrimas, o mais patético, só via em Deus a solução e o mais ambicioso vislumbrava o poder”.

De qualquer forma – afirma Danéris – o que se percebe é que realmente o general nem virou um entusiasmado apoiador de Brizola, como afirma Thomas Skidmore, nem pertencia às fileiras orgânicas do golpismo militar como diz Werneck Sodré. “Mais parecia uma combinação do militar legalista, conservador e apartidário, fiel à doutrina do ministro de Getúlio Vargas, Goés Monteiro, que pretendia afastar as Forças Armadas das questões políticas e sociais”.

Machado Lopes, em seu livro de memórias, justifica sua adesão à Legalidade da seguinte forma:

– Assistindo ao entusiasmo do Povo Gaúcho pelo acatamento da lei, ouvindo matraquear a Cadeia da Legalidade e auscultando a opinião dos Comandos das grandes unidades que compunham o III Exército, confirmei a impressão de que qualquer solução que implicasse o veto à posse do Sr. João Goulart na Presidência da República levaria à guerra fratricida, com todas as suas maléficas conseqüências .

O que leva Danéris a comentar: “Pode-se aqui notar que Machado Lopes percebeu que a reação ao golpe contra a posse do vice-presidente João Goulart estava organizada e determinada a lutar, e que caberia então a ele a responsabilidade de iniciar a guerra civil no País”.

Também destaca que o militar procura demonstrar que não admirava o governador Leonel Brizola; pelo contrário, tinha severas críticas ao governador. “Nenhum contato político tive com o governador Leonel Brizola. Enquanto queríamos uma solução democrática para crise, ele só via na sublevação da ordem a solução, já que mantinha a idéia fixa da cubanização do Brasil”

Relata, ainda, que não aceitou quase nenhuma das homenagens por sua participação na Legalidade e recusou convite para ser o ministro da Guerra de João Goulart. Por fim, posiciona-se favoravelmente ao golpe de 64: “O clero, o povo e principalmente as Forças Armadas puseram em 1964 um paradeiro na situação caótica em que se encontrava o País”.

Para o jornalista Amir Labaki, é preciso derrubar alguns mitos. Para ele, a biografia do militar é muito semelhante à de toda uma geração que formaria os expoentes do Exército Brasileiro. Ou seja, a geração que foi formada dentro da nova doutrina político-militar de Góes Monteiro. Labaki relata inclusive o episódio em que o então coronel Machado Lopes, comandante em Recife em 1958-9, mandou prender Dom Helder Câmara, ameaçando surrá-lo por ser “um sujeito revolucionário e subversivo”.

Dom Hélder Câmara: Machado Lopes mandou prender o arcebispo, “um sujeito revolucionário e subversivo” l Foto: fernandomachado.blog.br

O autor se refere à indecisão que caracterizou o general em vários momentos da Legalidade. “Do ponto de vista logístico havia muitas fissuras na estrutura e nos comandos do III Exército, cenário que compunha o quadro no qual o general teria que tomar sua decisão”. O engenheiro civil e naval Olavo Kramer da Luz, afirma em depoimento que, em conversa com o tenente-coronel Oscar Blum, comandante do Batalhão de Artilharia de Rio Grande, este revelou-lhe a indecisão do general Machado Lopes diante do quadro militar e político quando estourou a crise. Olavo da Luz descreve a situação precária do quartel em Rio Grande: baterias de artilharia desmontadas, sem recursos financeiros, comando do quartel dividido no apoio à Legalidade, maioria esmagadora dos sargentos e soldados a favor de Brizola.

O Coronel PM da reserva, Antônio Silveira da Silva, relata que “a posição de Machado Lopes nas primeiras horas do movimento foi dúbia e indefinida”. Para o ex-coronel, esta dúvida era justificável pelo fato de existir entre os oficiais comandantes do III Exército uma forte divisão entre os que desejavam a obediência ao Ministro da Guerra e os que exigiam o respeito à Constituição.

Três momentos importantes

Nos momentos de maior emoção, o comandante sabe que entrará para a História como o “General da Legalidade”, e de fato é assim que passou a ser tratado durante e após a crise de 1961. É possível inferir que Machado Lopes desde o início não demonstrava disposição de fazer parte do golpe preparado pelos ministros militares, tampouco de usar sua experiência militar, adquirida na II Guerra Mundial, contra os próprios brasileiros, conclui o autor. O dilema estava mais circunscrito a como estar ao lado da Legalidade sem ser identificado com o governador Brizola, um “agitador” no seu entender. Portanto não se preocupou em preparar o III Exército para uma reação contra a resistência popular. Na verdade, desde os primeiros momentos da crise o general demonstrava todo o seu desconforto por uma solução fora da legalidade constitucional, queria uma solução legal e pacífica, dentro da ordem.

Além de admitir publicamente o conflito de consciência que viveu para se decidir pela Legalidade, mais uma vez o general faz questão de se afirmar católico e contrário a influências de “outras culturas” na vida nacional. Outro destaque importante no processo da decisão de Lopes é o argumento de fidelidade à Constituição “sem qualquer modificação”.

Resistência popular foi uma das razões que levaram Machado Lopes a apoiar a posse de Jango l Foto: Acervo Fotográfico do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

É possível perceber que o general mudou de argumentos sobre sua participação em pelo menos três momentos: no primeiro em que é questionado sobre a crise da posse pelo então governador Leonel Brizola diz que era “um soldado e ficava com o Exército”; no segundo, quando do rompimento com o ministro da Guerra, diz que só obedeceria a ordens da Constituição Federal sem qualquer alteração; no final da crise, durante negociações da emenda parlamentarista, afirma que obedecerá às “decisões soberanas do Congresso Nacional”.

Danéris destaca os seguintes aspectos: as condições materiais (falta de recursos e armamentos sem condições), militares (divergência entre os comandantes do III Exército e entre o oficialato das Forças Armadas), políticas (oposição e situação unidas no Estado e no Congresso), religiosas (o clero negou apoio aos ministros militares) e sociais (milhares de pessoas nas ruas em apoio à Legalidade), todos francamente desfavoráveis a uma decisão de reação do III Exército.


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