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9 de agosto de 2011
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00:34

A consolidação do Movimento dos Sargentos

Por
Sul 21
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Jango recebeu apoio dos sargentos l Foto: Acervo Fotográfico do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

César Daniel de Assis Rolim*

A renúncia do então presidente eleito, Jânio Quadros, com uma considerável votação na eleição de 1960, incentivou a ascensão de atores sociais importantes para o cenário político-militar da conjuntura estudada: a aparição de uma maneira destacada do Movimento dos Sargentos e a atuação política de Leonel Brizola em defesa da posse do então vice-presidente João Goulart. Os sargentos atuaram de maneira decisiva na crise política, envolvendo a mobilização social incentiva pelo então governo sul-rio-grandense.

Com uma minoria na Câmara Federal, Quadros assumiu o governo defendendo a ideia de combate à corrupção na administração pública, em relação às ações internas. Na sua política externa, com Afonso Arinos de Melo Franco como ministro das Relações Exteriores, permitiu o primeiro choque com os seus apoiadores. Essa política correspondia à intenção de diminuir os males financeiros do Brasil através de negociações simultâneas com três grandes potências: os Estados Unidos, a Europa Ocidental e o bloco soviético. À esquerda nacionalista, o neutralismo externo aplicado por Quadros poderia soar bem. A preocupação de Quadros foi efetivamente criar condições para que pudesse ter as mãos livres na política interna, isto é, para que as pudesse desembaraçar das peias constitucionais. A renúncia atenderia aos anseios antidemocráticos de Quadros. Ela poderia consolidar as intenções golpistas no sentido de sensibilizar diversos setores sociais, inclusive as Forças Armadas.

"A renúncia atenderia aos anseios antidemocráticos de Quadros" l Foto: Reprodução

O viés mais conservador de seu governo foi caracterizado com a escolha dos seus ministros militares. No Ministério da Guerra, manteve o marechal Odílio Denys, que substituíra o marechal Lott no final do governo Kubitschek, com a candidatura desse marechal à Presidência. A pasta da Aeronáutica ficou sob o comando do brigadeiro Grun Moss, que era lacerdista e ligado ao IBAD, e de Sílvio Heck, ligado também ao grupo dos entreguistas das Forças Armadas.

A crise da sucessão de Quadros se inicia com a denúncia de Lacerda, no dia 24 de agosto, de que havia sido convidado por Jânio, através do ministro da Justiça Pedroso Horta, para executar um golpe. Na manhã seguinte, Dia do Soldado, Quadros renunciou à presidência sob a alegação de que forças terríveis levantaram-se contra ele, difamando-o. Para decepção de Quadros, segundo Felizardo, o povo não se manifestou e o Congresso aceitou a renúncia. Diversos manifestos foram lançados já no dia 25 do mesmo mês de agosto. Alguns até defendendo o retorno de Quadros – como o dos governadores de Goiás, Espírito Santo, Minas Gerais, Piauí, Pará e São Paulo -, outros, defendendo a legalidade constitucional democrática – o dos dirigentes sindicais da Guanabara e do arcebispo do Rio de Janeiro, dom Jaime Câmara, e até um de Carlos Lacerda, que também advertia para não se acreditar em boatos e servir de instrumentos às agitações, que seriam reprimidas dentro da lei.

"Oromar Osório assumiu prontamente a defesa da Constituição"l Foto: reprodução documentário Legalidade

Leonel Brizola, governador do Estado do Rio Grande do Sul, divulgou um manifesto ao final do dia, indicando sua surpresa com o acontecimento e declarando apoio à ascensão de João Goulart, então em viagem à China, ao primeiro posto da nação. A defesa imediata do regime democrático e da ascensão de Goulart à Presidência repercute nos meios civis e militares. No dia seguinte, 26 de agosto, é divulgado o manifesto do marechal Henrique Teixeira Lott, uma das principais lideranças dos setores nacionalistas defendendo a posição legalista das Forças Armadas. Apesar da detenção do marechal Lott após a divulgação do manifesto, começam as primeiras manifestações militares legalistas. Distante de Porto Alegre surgia a primeira reação à renúncia de Quadros. Na 1ª Divisão de Cavalaria (1ª DC), com sede em Santiago, o general-de-brigada Oromar Osório assumiu prontamente a defesa da Constituição, colocando-se a favor da posse do vice-presidente João Goulart, que começava sua viagem de regresso ao Brasil depois de visitar a União Soviética e a China. Em outro ponto do Estado, tão logo soube da renúncia do presidente, o general-de-divisão Pery Beviláqua, comandante da 3ª Divisão de Infantaria com sede em Santa Maria, propôs oferecer a Jânio Quadros uma base territorial onde pudesse governar livremente.

Brizola, no dia seguinte à renúncia de Quadros, lança um apelo aos militares legalistas no sentido de não se aproximarem das ações golpistas da cúpula militar, que custava a aceitar a posse de Goulart. A interpelação às forças democráticas e populares é nítida nos pronunciamentos de Brizola.

Repercussão na Base Aérea de Canoas

A documentação, divulgada pela imprensa meses após a crise militar de agosto de 1961, comprova as pressões exercidas pelo Ministério da Guerra em relação ao III Exército no sentido de impedir uma possível reação legalista. O ministro da Guerra, já no dia 25 de agosto, procurava demonstrar uma normalidade “democrática” com a ascensão de Ranieri Mazzili à Presidência. A mensagem vinha no sentido de comunicar que o presidente da Câmara dos Deputados estava assumindo a Presidência da República devido à renúncia de Quadros. As mensagens continuam como uma tentativa de tranquilizar a situação e impedir qualquer reação contrária ao golpe que estava sendo colocado. No dia 27, Machado Lopes envia uma mensagem colocando o ministro a par da situação no Estado. A preocupação com uma mobilização de resistência às articulações golpistas é nítida no comunicado entre os oficiais. Como consequência das primeiras ações de resistência ao possível golpe que estava sendo proporcionado pela cúpula militar golpista, já no dia 25 de agosto as tropas da 5ª Zona Aérea foram colocadas em prontidão, aquartelada e armada com mais de 200 sargentos. Havia 12 aviões Gloster e cada avião com bombas de 250 libras, com raio de ação de 1.000 metros quadrados. Tão pronto foi repassada a ordem de bombardeio ao Palácio, os sargentos da referida unidade em Canoas colocaram-se contrários à drástica ação que traria consequências trágicas. Adotaram, portanto, uma postura de defesa da ordem constitucional contrariando as determinações antidemocráticas de alguns oficiais.

"Havia 12 aviões Gloster e cada avião com bombas de 250 libras, com raio de ação de 1.000 metros quadrados" l Foto: Reprodução do documentário Legalidade

O ambiente era intenso em preocupações por todos os setores. Especialmente a partir da informação divulgada de que o governador do Estado supostamente estaria enviando tropas de ferroviários, com o apoio do III Exército para invadir a Base. Com isso, os aviões foram armados e preparados para qualquer ação. O clima na Base Aérea era de extrema tensão, assim como em diversas regiões militares. A discussão entre o comandante Machado Lopes e o ministro da Guerra foi um dos fatores determinantes para a tomada de posição legalista dos comandantes militares, especialmente do III Exército. A troca de mensagens entre ambos foi se radicalizando a ponto de levar o Ministério da Guerra a ordenar drásticas atitudes contra a mobilização promovida por Brizola.

A ordem de bombardeio ao Palácio foi rechaçada por Machado Lopes. Depois da divulgação dessa ordem de bombardeio, o III Exército definitivamente ingressa na Campanha da Legalidade. Machado Lopes, em categórica resposta, indica sua posição de desvinculação com o comando militar do ministro da Guerra. A repercussão do não acatamento da ordem de bombardeio por parte do III Exército, e a consequente aproximação de Machado Lopes com o movimento de defesa da posse de Goulart, foi de grande monta na Base de Canoas. O Comandante fez questão de dizer que não cumpriria a ordem de bombardeio. O capitão Danton Pinheiro Machado ainda falou à tropa, tentando influenciá-lo. Como pairava no ar o receio de uma ação das tropas do Exército, os suboficiais e sargentos continuaram preocupados com a possibilidade de que as esquadrilhas de caça poderiam decolar para alguma missão de ataque.

"A ordem de bombardeio ao Palácio foi rechaçada por Machado Lopes" l Foto: Reprodução

As desconfianças de que algo estaria para acontecer se comprovaram quando o sargento Álvaro Moreira de Oliveira Filho foi até o Esquadrão, onde encontra o major Cassiano Pereira, que era favorável ao golpe, fazendo uma preleção justificando a missão que deveriam cumprir, mas já sentindo a reação contrária dos sargentos.

O comandante Passos comunicou a Machado Lopes que não aceitaria o bombardeio. A partir daí os sargentos impediram qualquer possibilidade de decolagem dos aviões para o bombardeio. Caracterizados como legalistas, os sargentos dessa Base Aérea ganharam notoriedade por contrariarem as ordens antidemocráticas dos oficiais. A quebra da hierarquia para evitar o bombardeio foi marcante para as hostes militares. Após esse fato, o coronel Honório, um dos comandantes golpistas, constatou que os aviões de combate estavam impedidos de decolar. Esse coronel pediu a suboficiais e sargentos que deixassem decolar um avião T-6 desarmado, para que ele enviasse um oficial ao Ministério da Aeronáutica. A resposta foi que o impedimento era para aviões que estivessem armados. O coronel, reconhecendo a situação, resolveu se render. Apresentou-se a Machado Lopes, no III Exército. Essa passagem de comando aconteceu nas primeiras horas do dia 29 de agosto, com o major Mário de Oliveira substituindo Honório. Soube-se à noite que o bombardeio sobre o Palácio estava marcado para as 14.30 horas, exatamente quando se concentrava uma enorme multidão à frente do Palácio Piratini e após ter o brigadeiro Aureliano Passos, comandante da 5ª Zona Aérea, informado que se solidarizava com a posição legalista do general Machado Lopes, comandante do III Exército.

Chegando ao Piratini, os sargentos Moacir Paluszkeivz, Calixto e Álvaro Moreira foram encaminhados ao III Exército. Solicitavam eles a intervenção do Exército para acalmar os ânimos exaltados na Base. Machado Lopes se dispôs a enviar uma tropa para a Base, e o major Mário Oliveira assumiria o Comando da Base indicado pela comissão.

Resistência também no 18º RI

A ameaça de bombardeio foi arrefecida, com os sargentos sendo os protagonistas da mobilização de resistência. Esta foi constatada também no Exército, especialmente no 18º Regimento de Infantaria (RI). O movimento dos sargentos, em agosto de 1961, se dividia em dois setores: a importância da atuação dos sargentos deveu-se fundamentalmente aos da Aeronáutica, na Base Aérea de Canoas, onde eles desarticularam o bombardeio sobre o Palácio, e os do Exército no 18º RI, que era uma unidade que possuía muitos militares.

Os acontecimentos em Canoas e no 18º RI foram decisivos entre os militares para evitar o bombardeio e bloquear a ação conspiratória de parte da oficialidade. Almoré Zoch Cavalheiro, que foi o sargento eleito para deputado estadual na Assembleia Legislativa sul-rio-grandense, em 1962, também estava no 18º RI no mês de agosto de 1961. O comando do 18º RI, como acontecia com a maioria dos oficiais, colocou-se a favor do golpe. Serviam naquela época na unidade dois Mena Barreto, que têm uma tradição direitista muito forte: Luiz Carlos e Carlos Alberto. Eram comandantes de companhias.

Nota-se a constatação da existência de setores castrenses contra Goulart. Militares esses que eram classificados como “gorilas, golpistas e udenistas” pelos setores que se classificavam como nacionalistas democráticos. Com a percepção por parte dos sargentos de que a mobilização golpista estava sendo articulada, os mesmos procuraram uma forma de conter e destituir o comando da unidade do 18º RI. Após o comandante ter saído da unidade com Luiz Carlos Mena Barreto, os sargentos decidiram mudar a guarda da barreira colocando guardas de sua confiança. A intenção era parar o jipe do comando quando voltasse, e saber da posição do coronel se ele retornasse à unidade, mas se ele não voltasse, quem viesse para o 18º RI seria preso pelos sargentos. A acolhida da ideia de resistência, por parte de um considerável contingente dos subalternos militares no Regimento referido, impediu qualquer ação conspiratória contra o regime democrático.

Nem o coronel, tampouco Mena Barreto, como previsto, retornou à unidade. Quem chegou foi o capitão Alencastro Guimarães, que também participava do golpe. Perguntado sobre o paradeiro do comandante, Alencastro não respondeu, sendo preso naquele momento. Bengoechea avisou o restante dos oficiais que precisava decidir a questão da unidade, pois o capitão estava preso. Com isso os sargentos começaram a tomar conta da situação nas dez companhias. Começaram a colocar a soldadesca em forma, assumir o armamento, o comando de suas unidades. Os oficiais correram todos para o pavilhão do comando e a tropa cercou o local.

Brizola divulgou na Cadeia da Legalidade a ação no 18º RI l Acervo Fotográfico do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

Tão pronto conseguiram controlar a situação no 18º RI, os sargentos buscaram comunicar as suas ações para Brizola, como cita Ferreira anteriormente. A atuação desses militares procurava apoiar-se na Campanha da Legalidade. Tão pronto Brizola foi comunicado da situação no 18º RI, ele divulgou na Cadeia da Legalidade. Esse canal de comunicação foi possibilitado pela tomada dos aparelhos da Rádio Guaíba de Porto Alegre, no dia 27 de agosto. As comunicações do Executivo sul-rio-grandense passaram a ser transmitidas temporariamente pela Rádio Guaíba, consolidando a Cadeia da Legalidade. A tomada da aparelhagem da emissora foi realizada pela Polícia Civil. Brizola passa assim a realizar seus pronunciamentos diretamente do Palácio tendo um alcance privilegiado ajudando a desestabilizar possibilidade de ação golpista dentro dos quartéis, mesmo considerando o fato de que a maioria do oficialato era contrária à posse de Goulart.

Tentativa de impedir desembarque

Antes ainda da chegada do presidente Goulart em Porto Alegre, ocorre mais uma tentativa de golpe por parte do udenismo militar. Dez oficiais da FAB tentaram impedir o desembarque do presidente Goulart no aeroporto de Brasília. O acontecimento foi assim descrito por Última Hora: “Dez oficiais, cujos nomes não são ainda conhecidos, chegaram a preparar caças a jato para fazer voos rasantes sobre o aeródromo na hora da chegada. Ao saberem dessa intenção dos oficiais baderneiros, sargentos, cabos e soldados da FAB tomaram a decisão enérgica: cercaram seus superiores e os encerraram num avião, até que todos se retirassem do aeroporto. Presume-se que nem mesmo as altas autoridades da FAB, presentes do desembarque, tiveram conhecimento do fato, já que tudo se desenrolou sob grande sigilo”.

A pressão contra Goulart permanecia até mesmo em sua chegada na capital federal. Paralelo a isso, os sargentos procuravam defender a posse do presidente da República e bloquear a ação dos conspiradores. No dia 2 de setembro, todavia, a Câmara dos Deputados aprovou a emenda parlamentarista que impediu a posse com plenos poderes por parte de Goulart, o que só aconteceu após o plebiscito realizado no início do ano de 1963. Com considerável apoio dos deputados pessedistas e petebistas, a Câmara aprovou na reunião a emenda parlamentarista. O parlamentarismo serviu para a manutenção do regime democrático, atendendo aos anseios de setores conservadores e dos grupos pró-reformas (nacionalistas), apesar de colocar consideráveis dificuldades para Goulart tirando-lhe os plenos poderes.

Dois casos de rebelião na Marinha

A atuação dos marinheiros durante a Campanha da Legalidade foi importante. Os marinheiros estavam dispostos a contrariar qualquer determinação do oficialato no sentido de impedir a posse de Goulart. A hierarquia estaria abalada se preciso fosse. Existiram dois casos de rebelião na Marinha durante a Campanha da Legalidade. Em duas embarcações distintas ocorre a sublevação entre os marinheiros que não iriam cumprir a determinação do almirantado. No primeiro exemplo de ‘rebelião’, ocorre a adesão da

"Tripulação do contratorpedeiro Ajuricaba aderiu aos legalistas de Leonel Brizola" l Foto: tripulação do contratorpedeiro Ajuricaba aos legalistas de Leonel Brizola

. A segunda ‘rebelião’ foi desencadeada na desobediência do comandante de outro contratorpedeiro, Bracuí, atracado no porto de Recife, às ordens do comandante do Terceiro Distrito Naval, que estava na conspiração contra a posse de Goulart.

No caso a rebelião do contratorpedeiro Ajuricaba, o navio havia zarpado do Rio de Janeiro, nos dias que se sucederam a renúncia, com destino ao porto de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, com a missão de reconhecimento, e de, em caso de necessidade, bloquear o porto contra os “legalistas” do governador Leonel Brizola. A rebelião no Ajuricaba consubstanciava-se na atuação dos marinheiros para a defesa das ações de Brizola e aprisionamento dos oficiais conspiradores. Nota-se a correlação entre os subalternos militares, marinheiros e militares de outras Armas, e as ações em defesa da ordem democrática. A Campanha da Legalidade fortaleceu a aliança entre os militares e civis nacionalistas em defesa da posse de Goulart e apoio as ações do mesmo.

A atuação dos sargentos, bem como a dos marinheiros, na Campanha da Legalidade consolidou uma aproximação ainda maior dos militares nacionalistas com setores civis progressistas. Alguns setores das esquerdas nacionalistas passaram a considerar que, através a inserção nos quartéis, poderia fortalecer a legitimidade do governo Goulart, especialmente após a mobilização popular em garantia aos princípios constitucionais.

Especialmente nas ações ocorridas na 5ª Zona Aérea de Canoas e no 18º RI, com os sargentos tomando posição em favor da posse de Goulart, os militares subalternos passaram a adquirir um maior prestígio junto ao trabalhismo. Isso permitiu a aproximação de muitos militares com o PTB, que foi a legenda que abarcou muitos sargentos e suboficiais nas eleições legislativas no ano subsequente à Campanha da Legalidade.

*Mestre em História pela UFRGS


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