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8 de julho de 2011
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00:31

Uma jovem estudante no porão da Legalidade

Por
Sul 21
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Erika Coester Kramer: “Foi um dos momentos mais impressionantes da minha vida profissional” l Foto: Camila Domingues / Câmara Municipal de Porto Alegre

Lorena Paim

Erika Coester ainda não tinha acrescentado o sobrenome Kramer, de casada, quando participou do movimento da Legalidade. Aos 24 anos, em 1961, cursava Jornalismo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e colaborou como locutora em alemão das notícias divulgadas pela Rede da Legalidade. O idioma já conhecia da infância, pois os pais eram alemães que vieram morar em Pelotas, no Rio Grande do Sul.

“Foi um dos momentos mais impressionantes da minha vida profissional”, diz a jornalista, que após trabalhou em televisão. Ela foi uma das fundadoras, e diretora por 30 anos, da Fundação Estadual Padre Landell de Moura (Feplam). Hoje, dirige a consultoria Alternativa, empresa de educação, comunicação e cultura. “Logo que entrei na faculdade comecei a me engajar nos movimentos sociais. E no Centro Acadêmico, no Coral da Universidade, entre outros. Já trabalhava como secretária de escola, também”.

Papel da Patrulha Aérea Civil

O que levou Erika a colaborar com o movimento de 1961, além de ser estudante de Jornalismo, foi sua inclusão, com um grupo de universitários, na Patrulha Aérea Civil. Hoje, seria o equivalente a uma ONG. Seus líderes eram ligados à Aeronáutica, daí o nome da entidade. A PAC prestava serviços comunitários e foi convidada a entrar na Legalidade. “Tínhamos um uniforme — saia e blusa e quepe cinza-azulado — e vivi com ele, sem trocar, durante praticamente sete dias dentro do Palácio”, conta.

Erika participava da Patrulha Aérea Civil l Foto: Coletiva.net

Segundo Erika, não havia muitos estudantes de Jornalismo em Porto Alegre — em sua turma, formaram-se apenas seis, em 1964. Ela e o grupo da Patrulha foram lá pelo segundo ou terceiro dia para a sede do Governo. Os colegas se espalharam e ela — pela formação — foi para o chamado porão, onde ficava o estúdio de rádio. Por lá circulavam, entre outros, Hamilton Chaves, chefe de Imprensa do governo, Almir Ribeiro e Lauro Hagemann, o Repórter Esso, que emocionou a jovem estudante. Ela se lembra, ainda, do companheiro Bolufas, como era conhecido o sonoplasta João Natalício. “Passamos tomando café, comendo sanduíches e, principalmente, esperávamos as quentinhas que nos entregavam”.

Profissionalmente, ela recortava os jornais para produzir as notícias que seriam lidas na Rede da Legalidade; também usavam as informações das agências vindas por telex. Uma das boas fontes de escuta era a Voz da América, programa de rádio feito nos Estados Unidos que tinha uma parte dedicada à América Latina. “Era o meio de saber o que os outros países estavam pensando de nós”, constata.

Quando o movimento “esquentou”, surgiu a ideia de fazer o noticiário em outras línguas, para dar mais visibilidade ao discurso da Legalidade. Erika lia os textos vertidos para o alemão. Havia também locutores em inglês, espanhol, francês e até russo. Um tradutor juramentado ajudava nos textos. As notícias eram lidas geralmente à noite, aproveitando o horário em que as ondas curtas tinham mais alcance. Primeiro, Lauro Hagemann falava seu texto e, a seguir, vinham as diversas versões em língua estrangeira. Graças ao engenheiro Homero Simon (diretor-técnico da rádio Guaíba), esse trabalho foi possível, acredita Erika.

“Fomos até o fim. No dia 6 ou 7 de setembro, estávamos esperando por Brizola e aí fomos descansar. Foi liberada a ala residencial do Palácio e fomos todos para o quarto. Havia algumas camas e nos arranjamos como pudemos. Mal nos acostamos, veio alguém e avisou: todo mundo para casa; terminou!”

Engajamento dos estudantes

“Esse grande movimento cívico teve sucesso devido à cadeia de rádio" l Foto: Camila Domingues/ Câmara Municipal de Porto Alegre

Para a jornalista, “esse grande movimento cívico teve sucesso devido à cadeia de rádio e a quem trabalhou nela e também a Leonel Brizola”. O governador, às vezes, aparecia “para dar um estímulo ao pessoal”. No estúdio, segundo lembra, apareciam também pessoas que nada tinham a ver com comunicação; “iam tomar café, bater papo”. Mas logo foi regulado sobre quem poderia entrar no local. “Nós podíamos ser muito mais em número, mas no porão havia mais curiosos do que profissionais”, acrescenta. Erika recorda que o clima era de “muita tensão, mas de muita confiança na Brigada Militar”. O termo guerra era familiar para ela, por conta de seus pais que vieram da Alemanha, país que passou por conflitos armados.

A jovem morava no bairro Ipanema e não foi em casa nesse período. “Dormia sentada e sobrevivia graças ao café. Sempre tive resistência”, conta. As mulheres eram poucas dentro do Palácio. A poetisa Lara de Lemos (coautora do Hino da Legalidade) aparecia seguidamente, assim como dona Mila Cauduro.

Sobre o que ficou da Legalidade, afirma: “Acho que a imagem de Brizola e de Jango é imutável até hoje. Para mim, o que ficou foi o engajamento da classe estudantil dentro de um movimento de alta relevância democrática. Universitários de várias instituições e vários cursos participaram. Não queríamos armas nem sangria; não era um movimento radical, mas pela Constituição que não podia ser maculada de maneira nenhuma. Além de cumprir a parte curricular nas faculdades, arranjávamos tempo para participar de outras atividades. Éramos motivados para isso pela escola, por professores com experiência de vida que nos passaram esse compromisso”.


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