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28 de julho de 2011
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04:14

Políticos, líderes estudantis e militares vieram ao estado trazer apoio

Por
Sul 21
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Tenório Cavalcanti: "Vim evitar que o Brasil seja incendiado por uma guerra civil" l Foto:Acervo Fotográfico do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

Lorena Paim

Foram muitos os personagens que vieram ao Rio Grande do Sul, em 1961, para oferecer apoio ao movimento da Legalidade. Alguns deles, chamados pelo governador Leonel Brizola; outros, em comitivas, e uns poucos por iniciativa própria. Grande parte desse contingente era de políticos de outros estados. Apesar de movidos pela causa legalista, muitos queriam, mesmo, era se inteirar da real situação no estado, numa época em que a comunicação era precária, os telefones funcionavam mal e havia, até mesmo, censura à imprensa, como na Guanabara, imposta pelo governador Carlos Lacerda.

Uma das figuras mais carismáticas que chegou a Porto Alegre foi o deputado federal Tenório Cavalcanti, político de vida aventureira que era conhecido como Homem da Capa Preta e andava sempre acompanhado por sua metralhadora, chamada de Lurdinha. Na disputa ao governo da Guanabara, foi derrotado por Carlos Lacerda. Pertenceu à UDN, mas abandonou o partido. Reportagem do Jornal do Brasil em 12 de julho de 1984, enfocando a filha de Tenório, Do Carmo Fortes, relembra o diálogo que Tenório teria tido com Brizola, durante a Legalidade:

— Tenório, por que vieste? Foi para brigar? Estás comigo ou contra mim?
— Brizola, estou velho demais para brigar sem motivo e cansado de pelejar pela vida. Minha missão aqui é de paz. Vim evitar que o Brasil seja incendiado por uma guerra civil, que já começou no Rio Grande do Sul. Tenho uma mensagem para o III Exército, com cujos chefes devo conversar logo. E para você, um conselho que se resume em lhe dizer que sua luta pode ser em vão, porque seu próprio cunhado Jango já concordou com o parlamentarismo, que você se recusa a aceitar.

Tenório no Palácio Piratini: "do meu corpo já saltaram mil estilhaços nas lutas pela liberdade" l Foto: Acervo Fotográfico do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

Outras publicações relatam que Tenório chegou a se inscrever no comitê de recrutamento de voluntários, no pavilhão do Mata-Borrão, no Centro da capital. A presença dele no estado fazia parte de uma campanha de solidariedade conduzida por parlamentares do PTB. E teria previsto, até mesmo, um plano de impacto, que seria o “sequestro” do avião procedente de Brasília, para que não fizesse escalas e seguisse diretamente a Porto Alegre. Mas, por condições técnicas do voo, o plano não foi adiante.

Nessa missão, cujo objetivo oficial era trazer apoio à posição do general Machado Lopes, que aderira à resistência, viajaram junto com Tenório, desde Brasília, os deputados do PTB José Lopes (PE) e Esmerino Arruda (CE). Em entrevistas à imprensa local, o velho parlamentar foi enfático: “Sou de 37 revoluções e do meu corpo já saltaram mil estilhaços nas lutas pela liberdade. Estou disposto a pagar com a vida o preço da liberdade que não se vende e tampouco se compra”.

Futuros integrantes do governo Jango

Outros “forasteiros” aqui desembarcaram respondendo não apenas a um apelo de Brizola como à sugestão do virtual presidente da República, João Goulart. Nesse caso, estavam o banqueiro e ex-embaixador Walter Moreira Salles e o general Amaury Kruel, este sem posto de comando no Exército, na ocasião. Os dois chegaram, em segredo, à noite, e foram levados diretamente ao Palácio Piratini, onde ficaram até a partida de João Goulart para Brasília, três dias mais tarde. Moreira Salles, sem ligação partidária, foi sondado para ser ministro da Fazenda do futuro governo, o que acabou se concretizando logo depois. O presidente Jango pensava no nome do banqueiro para acalmar os mercados internacionais, agitados com as opções à esquerda da política externa do antecessor Jânio Quadros.

O gaúcho Amaury Kruel, padrinho de um filho de Jango, havia se prontificado a colaborar com a mobilização feita pelo governador gaúcho. Veio à paisana, num voo pilotado pelo próprio presidente da Varig, Rubem Berta. A interpretação mais plausível é a de que Brizola queria ter por perto um militar de alto nível ao qual pudesse recorrer em caso de resistência armada sem a participação do general Machado Lopes, comandante do III Exército. Kruel foi a escolha de Jango para a chefia da Casa Militar, quando assumiu no sistema parlamentarista.

O escritor e historiador Jorge Ferreira, autor do livro João Goulart, uma Biografia, analisou, em entrevista ao Sul21, o papel do militar:

Amaury Kruel l Foto: exército.gov.br

“O general Amaury Kruel era amigo pessoal de Jango e homem que o apoiou dentro do Exército. Durante a Campanha da Legalidade, Brizola o convocou para ir secretamente a Porto Alegre, o que ele fez. A ideia de Brizola era a de que, no deflagrar da guerra civil, Kruel fosse nomeado ministro da Guerra (atualmente ministro do Exército). Kruel foi general da base de apoio de Jango no Exército durante seu governo. Na crise de março de 1964, Kruel estava à frente do comando do II Exército. Ele não participou da conspiração, mas sua adesão no movimento de derrubada de Goulart foi decisivo para o sucesso do golpe de Estado. Estava em situação muito difícil. O Estado-Maior do II Exército tomou a decisão pela derrubada de Goulart. Se Kruel não concordasse, seria atropelado pelo seu Estado-Maior e perderia o comando do II Exército. No momento crucial, ele ficou ao lado do Exército.”

Representantes parlamentares e estudantis

Representando o apoio do Parlamento, estiveram ainda na capital gaúcha o senador Barros Carvalho (PE), os deputados pelo Rio de Janeiro Bocaiúva Cunha e Eloy Dutra – este chamado de Tigre da Guanabara, por suas críticas ao governador Lacerda –, o deputado paulista Germinal Feijó e o catarinense Elias Adaime. Dez vereadores de São Paulo também vieram ao estado. Destaque especial teve a comissão de deputados goianos que trouxe uma mensagem do governador Mauro Borges, o qual já vinha promovendo mobilização expressiva em seu estado. Borges tinha receio de que suas comunicações fossem interceptadas e, por isso, mandou os emissários Venerando de Freitas Borges, Pedro Celestino Filho e Ananias Dornelles Soares. Eles portavam também uma carta dirigida a João Goulart, falando sobre a posição de Goiás quanto à situação política daquele momento.

Em relação aos partidos políticos, foi importante a figura do líder comunista João Amazonas, que já se encontrava no Rio Grande do Sul havia algum tempo, em função da descentralização promovida pelo comando nacional do Partido Comunista. Aqui, Amazonas e outros companheiros organizaram os comitês de voluntários que reuniam as mais diferentes categorias de trabalhadores.

aldo arantes
Aldo Arantes presidia a UNE e transferiu a entidade para Porto Alegre l Foto: Elton Bomfim/Agência Câmara

Os estudantes, que contribuíram bastante para o movimento, tiveram a figura de seu líder máximo presente em Porto Alegre. Aldo Arantes, que era presidente recém-eleito da União Nacional de Estudantes (UNE), transferiu a sede da entidade do Rio de Janeiro, onde estavam ocorrendo perseguições e cerco à sede. “Eu falava pela Rádio da Legalidade, falava para os estudantes, orientava a greve. Fiquei aqui todo o tempo que durou a campanha”, lembra o então universitário de Direito da PUC-RJ. Com ele, veio toda a diretoria da UNE, inclusive o assessor Herbert de Souza, que ficaria conhecido como o sociólogo Betinho. Nas manifestações estudantis, participava também o líder Marco Aurélio Garcia, atualmente assessor especial da presidência da República.

Outro visitante ilustre foi o embaixador Batista Luzardo, revolucionário de 30. “Estou pela legalidade e não poderia ficar na minha fazenda sem tomar uma atitude”, declarou ele, acrescentando que pretendia cumprimentar o governador Leonel Brizola e o comandante do III Exército, general Machado Lopes. Um apoio curioso veio do almirante da Marinha, na reserva, João Eduardo Secco, que saiu doRio de Janeiro, por iniciativa própria, para engrossar a fileira dos que lutavam pela causa.


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