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18 de julho de 2011
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23:52

Ocupação da Ilha da Pintada opõe Exército e BM

Por
Sul 21
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Pedro Américo Leal: sem água e luz, quem lutaria? l Foto Telenews Shopping

Lorena Paim

O coronel da reserva Pedro Américo Leal, de 87 anos, está retirado da vida pública há sete anos. Carioca, vive desde 1944 no Rio Grande do Sul, onde seguiu carreira no Exército e formou família. Foi, ainda, chefe de Polícia e diretor da Escola de Polícia. Na política do Rio Grande do Sul, exerceu mandatos como vereador de Porto Alegre e deputado estadual (por quatro legislaturas), tendo encerrado as atividades no PP. Em 1961, no posto de capitão, ele participou das primeiras tentativas do III Exército de barrar a reação do governador Leonel Brizola, que já ensaiava o movimento pela Legalidade.

Apesar da situação indefinida, nos primeiros dias após a renúncia de Jânio Quadros, já se vislumbrava uma posição: os ministros militares pretendiam vetar a posse do vice-presidente João Goulart, no lugar de Jânio. Após a leitura do manifesto do marechal Lott, em defesa do cumprimento da ordem constitucional, as rádios de Porto Alegre começaram a sair do ar, por ordem do Exército. Ficou operando apenas a Guaíba, que não havia transmitido o texto.

Foi quando o comandante do III Exército, general Machado Lopes, chamou o capitão Pedro Américo Leal ao QG, no Centro de Porto Alegre, pois tinha uma tarefa importante para ele. O comandante foi direto: era preciso ir à Ilha da Pintada, onde ficavam os transmissores da Rádio Guaíba. O objetivo era silenciar, também, essa emissora, de modo que o governador ficasse sem comunicação com a população gaúcha.

No comando da 1ª Companhia de Guardas, com sede no bairro Santana, em Porto Alegre, o capitão tinha 200 homens sob suas ordens. “Eram recrutas preparados, escolhidos no posto de recrutamento por mim, entre os que eu considerava os melhores. Homens atléticos, de mais de 1m80cm de altura, de bom porte”, diz Pedro Américo. A função dessa tropa de elite, superior à média do Exército, treinada em segurança e em defesa pessoal, era dar guarda nas situações delicadas ou extremas. “Eram homens da minha inteira confiança e que periodicamente se submetiam a treinamento”.

Sugestão de isolar a cidade foi recusada

O coronel conta que, na reunião, levantou a possibilidade, junto a Machado Lopes, de aplicar outra estratégia: “cortar a água e a luz da cidade, deixando tudo às escuras. Ocuparíamos os pontos nevrálgicos. Nessas condições, quem iria lutar?” Mas a sugestão não foi aceita. “Cumpra as ordens”, declarou o chefe militar. Diante disso, acrescenta, foi à sede da Companhia e, “em quatro minutos”, tinha os homens em forma, prontos para entrar em ação. “Inclusive com gás de mostarda e máscaras de gás”, diz. O major Álcio da Costa e Silva, responsável pelo serviço de comunicações do QG, iria junto, com a missão de retirar o cristal da torre, sem o que a emissora não poderia funcionar.

Pedro Américo: contra-ordem foi dada depois que emissários de Brizola estiveram no QG do III Exército l Foto: do blog de Pedro Américo Leal

Mas, ao avistar dois assessores ligados a Brizola nos corredores do QG do Exército, naquela madrugada de 28 de agosto, Pedro Américo pressentiu que algo iria mudar. Eram Floriano Maya d’Ávila, procurador geral do Estado, e Lauro Schuch, auditor de Guerra da Justiça Militar. “Foi naquela madrugada que Machado Lopes se conciliou com Brizola”, acredita, referindo-se ao “poder de convencimento” dos dois emissários.

Mesmo assim, com os pelotões em forma, com farda e armas, Pedro Américo lembra que estava na esquina da rua da Companhia de Guardas quando chegou o capitão Mauro, porta-voz do comando do Exército, com a contra-ordem: operação fora suspensa. “Primeiro, recebi a informação por telefone, mas exigi que a contra-ordem fosse dada de frente”, relata. Assim, a tropa acabou voltando para o quartel.

Em várias entrevistas, relembrando o movimento de 61, o coronel Emílio Neme, subchefe da Casa Militar do governo Brizola, disse que o Exército não estaria preparado para enfrentar os homens da Brigada Militar, naquela ocasião. Ele teria, até, alertado o capitão Pedro Américo, de quem era amigo: “estes teus soldados novatos nunca deram um tiro e vão enfrentar a Brigada, calejada em combates… “ Os brigadianos já cercavam toda a área junto à torre de transmissão da Guaíba, logo que Brizola decidiu requisitar a rádio. Lembrado dessa frase de Neme, hoje, Pedro Américo sorri e comenta: “cada um pensa de uma forma diferente”.

Afinal, os homens da Companhia de Guardas poderiam enfrentar a Brigada Militar? “Poderiam, mas íamos perder gente. A Companhia estava na defensiva, nós íamos chegar andando e, por isso, levávamos desvantagem, pois eles estavam aferrados ao terreno”.

"Íamos perder gente", afirma o coronel sobre o evitado choque com a BM l Foto: afaelnemitz.blogspot.com

No final da manhã do dia 28 de agosto, Machado Lopes, efetivamente, declarava seu apoio à causa liderada por Brizola, mesmo desobedecendo ao ministro da Guerra. E aí o movimento da Legalidade tomou seu rumo. Por estar “do outro lado”, como diz, Pedro Américo enfrentou uma situação difícil, pois tinha amigos entre os partidários da Legalidade. Com Brizola, ele se encontrou muito depois, em 1993, numa solenidade em Tramandaí. O governador, segundo ele, não era de guardar rancor. O diálogo entre os dois, na ocasião, segundo Pedro América Leal, foi o seguinte:

— O mundo dá muitas voltas — disse o coronel.
— Mas assim foi melhor, não? — comentou Brizola, referindo-se aos acontecimentos de 1961.


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