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26 de julho de 2011
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23:59

Minhas lembranças da Legalidade

Por
Sul 21
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Nos porões do Palácio, Brizolava falava pela Rede da Legalidade l Foto: Acervo Fotográfico do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

Antônio Goulart *

O tempo modifica, mas não apaga certas lembranças. Aos vinte e poucos anos, e já dirigindo a redação da Revista do Globo, acompanhei de perto todo o movimento da Legalidade, naquele final de agosto e início de setembro de 1961.

Passados 50 anos – ou, para ampliar essa dimensão temporal, meio século — guardo na memória passagens daqueles dias que agitaram Porto Alegre, causaram tensão e medo principalmente entre as centenas de pessoas, em sua maioria jornalistas, que se encontravam no interior do Palácio Piratini. Um episódio que acabou contagiando o país inteiro, mudou os rumos da nação e ficou na nossa história.

Foi uma convivência de várias horas por dia no chamado Porão da Legalidade, onde funcionava o setor de imprensa do Piratini, local onde, seis anos depois, eu viria a trabalhar, lá permanecendo por vários governos, durante cerca de duas décadas.

Brizola: armado com uma metralhadora l Foto: Acervo fotográfico do Museu de Comunicação Hipólito José da Costa

Vi, por mais de uma vez, o governador Leonel Brizola, com uma metralhadora a tiracolo, descer ao porão e ocupar o microfone da Rede da Legalidade, para seus inflamados e comoventes pronunciamentos contra a tentativa de golpe e em defesa do cumprimento da Constituição, com vistas à posse de João Goulart na presidência, na vaga aberta com a inesperada renúncia de Jânio Quadros.

Acompanhei as coletivas de Brizola, os momentos de maior tensão, a azáfama provocada pelas centenas de jornalistas que se acotovelavam pelos corredores do Palácio. Calcula-se que foram em torno de quatrocentos credenciados pelo incansável Hamilton Chaves, o secretário de imprensa do governo e quem coordenava todas as ações da mídia. Testemunhei o trabalho dos fotógrafos Carlos Contursi, Lemyr Martins e Assis Hoffmann, a agitação do cinegrafista Odilon Lopez, carregando sua pesada câmera e um monte de tralhas.

Dividi espaço com dezenas de profissionais, muitos dos quais vieram a se projetar nacionalmente, como Josué Guimarães, Flávio Tavares e o jovem Tarso de Castro, somados a nomes como Lucídio Castelo Branco, Índio Vargas, Carlos Bastos, João Aveline, Dilamar Machado, Amir Domingues, Jayme Keuneke, Carlos Fehlberg, Remy Gorga Filho, José Setembrino Machado, Lauro Schirmer, Erika Kramer, João Carlos Terlera, Melchiades Stricher, Walter Galvani, Batista Filho, Wanderley Soares, João Souza, Júlio César Pacheco e tantos outros.

Junto ao microfone da Rede da Legalidade se revezavam os expoentes da nossa locução, como Lauro Hagemann, Naldo Freitas, Ênio Rockenbach, Marcus Aurélio Wesendonk, Almir Ribeiro, Petrônio Cabral, Gonçalves Júnior, Carlos Miguel, Marino Cunha e José D’Elia. Todos atuando de forma voluntária.

Porto Alegre, naquela época, contava com oito jornais diários: Correio do Povo, Diário de Notícia, Folha da Tarde, Folha Esportiva, Jornal do Comércio, Jornal do Dia, A Hora e Última Hora, além da Revista do Globo (quinzenal), em torno de uma dezena de emissoras de rádio e apenas uma televisão, a TV Piratini, Canal 5. A TV Gaúcha (hoje RBSTV) estava sendo implantada, mas só seria inaugurada em dezembro do ano seguinte. Não foram apenas estes veículos que atuaram naquela cobertura. A Legalidade atraiu enviados especiais de diversos órgãos de imprensa do centro do país e até o exterior.

Lembro muito bem que cheguei a estar relacionado para viajar no avião que conduziu uma equipe de jornalistas a Brasília, para cobrir a chegada de Jango. Mas, por motivos de ordem pessoal, acabei ficando por aqui mesmo. Minha contribuição no balanço geral daquele histórico movimento cívico foram as 14 páginas que a Revista do Globo (No. 803, com a foto de Brizola na capa) dedicou ao episódio, num trabalho feito a quatro mãos, com a participação dos repórteres Ney Fonseca, hoje residindo em Viamão e dedicando-se mais às artes plásticas, Carmen Fernandes, já falecida, e A. Edison Salazar de Souza, de quem nunca mais tive notícias. As ilustrações ficaram a cargo dos fotógrafos Thales Farias e João Vieira, com o apoio do serviço de imprensa do Piratini.

Nas comemorações do cinquentenário da Legalidade, é com emoção e nostalgia que revivo aqueles momentos, penso nos colegas de então que já nos deixaram e evoco uma época distante, em que o jornalismo era praticado de forma braçal, sem as facilidades que as modernas tecnologias hoje proporcionam. Mas o entusiasmo e o gosto de fazer as coisas, com certeza, eram maior.

* Jornalista. Na época da Legalidade trabalhava na Revista do Globo


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