Notícias em geral
|
7 de junho de 2011
|
01:44

Moniz Bandeira: Jânio tentou repetir a comoção popular ocorrida com o suicídio de Vargas

Por
Sul 21
[email protected]
Jânio com Che Guevara. Moniz, em pé, acompanha a reunião - Foto: Arquivo pessoal Moniz Bandeira

Lorena Paim

Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira, formado em Direito, é doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e professor titular (aposentado) de História da Política Exterior do Brasil, na Universidade de Brasília (UnB). É Doutor Honoris Causa pelas Faculdades Integradas do Brasil – UniBrasil, do Paraná, bem como pela Universidade Federal da Bahia. Em 2006, a União Brasileira de Escritores (UBE) elegeu-o, por aclamação, Intelectual do Ano de 2005, conferindo-lhe o Troféu Juca Pato, por sua obra Formação do Império Americano (Da guerra contra a Espanha à guerra no Iraque).

Perseguido, durante a ditadura militar, teve de exilar-se no Uruguai (1964-1965). Depois que regressou clandestinamente ao Brasil, foi preso por cerca de dois anos (1969-1970 e 1973) pelo Centro de Informações da Marinha (Cenimar). Autor de mais de 20 obras, algumas das quais publicadas na Rússia, Alemanha, Argentina, Chile, Portugal e Cuba, Luiz Alberto Moniz Bandeira foi professor visitante nas Universidades de Heidelberg, Colônia, Estocolmo, Buenos Aires, Nacional de Córdoba (Argentina) e Técnica de Lisboa. É Grande Oficial da Ordem de Rio Branco (Brasil); comendador da Ordem do Mérito Cultural (Brasil); comendador da Ordem de Mayo (Argentina) e condecorado com a Cruz da República Federal da Alemanha, 1ª Classe.

O professor Luiz Alberto Moniz Bandeira, há muitos anos, reside na Alemanha. Por e-mail, concedeu a seguinte entrevista:

Sul21 — O senhor retornava de viagem em 1961 quando ficou sabendo da renúncia de Jânio? Qual foi a sua sensação? Foi uma renúncia anunciada e esperada?
Moniz Bandeira —
A fim de responder a essa pergunta, tenho de rememorar alguns fatos. Em janeiro de 1960, com 24 anos, eu era redator político do Diário de Notícias, importante jornal do Rio de Janeiro, e seu diretor, João Dantas, determinou que eu acompanhasse Jânio Quadros na campanha eleitoral, que ele estava a começar. Nunca fui simpatizante, muito menos partidário de Jânio Quadros. Era assessor político do deputado Sérgio Magalhães, do PTB, e presidente da Frente Parlamentar Nacionalista (FPN).

Como jornalista, não podia deixar de cumprir a ordem de João Dantas, que, inclusive, tinha muita confiança na minha isenção e capacidade de trabalho. Viajei com Jânio Quadros seis meses, durante todo o primeiro semestre de 1960. Durante a viagem, escutei diversas vezes Jânio Quadros declarar que processaria o Congresso perante o povo, promoveria sua responsabilidade, caso ele não lhe desse as leis que pedia, culpando-o pela situação do país, por não lhe dar os instrumentos necessários para governar. Jânio Quadros manifestava o inconformismo de ter de governar dentro dos marcos constitucionais. Repetia que não poderia governar “com aquele Congresso”. A Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul, o presidente Jânio Quadros disse que, “com aquele Congresso”, dominado pelos conservadores, não poderia avançar para a esquerda, tomar iniciativas para reformar as instituições e promover a transformação da estrutura econômica e social do país: limitação das remessas de lucros para o exterior, lei antitruste e reforma agrária. Precisava, portanto, de poderes extraordinários. Seduzido, Brizola comentou com o ex-presidente Juscelino Kubitschek o objetivo de Jânio Quadros e sua disposição de apoiá-lo. Porém, com Carlos Lacerda, a conversa era diferente, embora a conclusão fosse a mesma. “Com aquele Congresso”, dentro do regime democrático, não poderia governar, sem fazer “concessões às esquerdas e apelar para elas”. Necessitava, em consequência, de poderes extraordinários.

Com formação acadêmica, pois era formado em Direito, em Ciências Sociais e Jurídicas, e conhecimento de História, pude interpretar as manifestações que ele fazia e deduzir que sua pretensão era jogar a opinião pública contra o Legislativo e, provavelmente, dar um golpe de Estado, suspeita essa que começara a tomar corpo, desde maio de 1961, na Câmara dos Deputados. Para mim, desde a campanha eleitoral, estava claro de que a política exterior de Jânio Quadros tinha, em larga medida, caráter de propaganda política, para manter a esquerda na expectativa e conquistar-lhe a simpatia. E, como chefe da seção política do Diário de Notícias, possuía inúmeras informações sobre preparativos de um golpe de Estado, adensadas por várias iniciativas que Jânio Quadros estava a tomar na área militar. Porém, que golpe? A deflagração da crise, portanto, não me surpreendeu.

Moniz e Jânio, em 1961 - Foto: Arquivo pessoal Moniz Bandeira

Em agosto de 1961, fui à Bolívia fazer uma pesquisa sobre a execução dos acordos de Roboré, para a exploração em Camiri, por empresas brasileiras. De Santa Cruz de la Sierra, que me pareceu uma cidade do far-west dos Estados Unidos, na segunda metade do século XIX, com cadáveres nas ruas, após tiroteio entre forças do governo e do senador Sandoval Morón, fui a Camiri assistir ao trabalho de exploração do petróleo, e depois viajei para Cochabamba e La Paz.

Em La Paz, estava hospedado na residência do embaixador do Brasil, Mario Antônio de Pimentel Brandão, quando ele me mostrou telegramas do Itamaraty sobre o agravamento da crise política. Decidi regressar imediatamente ao Brasil. No dia 25 de agosto, tomei o avião para Santa Cruz de la Sierra, onde embarquei para o Brasil, em aparelho da companhia Cruzeiro do Sul. E, ao chegar a São Paulo, por volta das 14h, escutei a notícia de que Jânio Quadros renunciara à presidência da República, pois Carlos Lacerda, governador do Estado da Guanabara, havia denunciado pela televisão que ele estava a articular um golpe contra as instituições, a fim de adquirir poderes especiais, por meio do ministro da Justiça, Oscar Pedroso d’Horta. Com as informações que possuía, foi-me fácil concluir que Lacerda havia lancetado o tumor. Viajei então para o Rio de Janeiro e João Dantas, o proprietário do Diário de Notícias, mandou que fosse imediatamente para Brasília acompanhar a evolução da crise.

Acompanhei os acontecimentos, de dentro da Câmara dos Deputados, pois o deputado Sérgio Magalhães, meu amigo pessoal e em cujo apartamento eu sempre me hospedava, assumira a presidência do Congresso, quando o deputado Ranieri Mazzilli foi investido na presidência da República.Tinha tantas informações, de bastidores e cujas fontes (muitas das quais militares) não podia revelar. Assim, dois meses após a renúncia, em novembro, publiquei o livro O 24 de Agosto de Jânio Quadros, no qual deslindei o enigma, ao mostrar que ele renunciou à presidência da República esperando voltar ao governo com o apoio das multidões. O respeitável jornalista Carlos Castelo Branco, seu secretário de imprensa, ouviu-o dizer a Francisco Castro Neves, ministro do Trabalho: “Não farei nada por voltar, mas considero minha volta inevitável. Dentro de três meses, se tanto, estará na rua, espontaneamente, o clamor pela reimplantação do nosso governo”.

Marx comentou, no prefácio ao 18 Brumário de Luiz Bonaparte, que a história se repete, uma vez como tragédia, e a outra, como farsa. A renúncia de Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, foi a farsa com que ele tentou repetir, excluindo evidentemente o tiro no coração, a comoção popular que a tragédia do suicídio de Vargas, no dia 24 de agosto de 1954, provocou. Até uma carta ele escreveu, dizendo: “Fui vencido pela reação e assim deixo o governo. Nestes sete meses cumpri o meu dever. Tenho-o cumprido dia e noite, trabalhando infatigavelmente, sem prevenções, nem rancores. Mas baldaram-se os meus esforços para conduzir esta nação, que pelo caminho de sua verdadeira libertação política e econômica, a única que possibilitaria o progresso efetivo e a justiça social, a que tem direito o seu generoso povo. Desejei um Brasil para os brasileiros, afrontando, nesse sonho, a corrupção, a mentira e a covardia que subordinam os interesses gerais aos apetites e às ambições de grupos ou de indivíduos, inclusive do exterior. Sinto-me, porém, esmagado. Forças terríveis levantam-se contra mim e me intrigam ou infamam, até com a desculpa de colaboração”. Até o estilo da carta-testamento de Vargas ele tratou de imitar. Depois da renúncia, ao embarcar para a Europa, declarou: “Enxotaram-me. Mas voltarei como Getúlio”.

Historiador Moniz Bandeira: "muitos acreditaram que Quadros fora deposto pelos militares por causa de sua política exterior" - Foto: Wikipedia

Quadros imaginou que podia compelir o Congresso a outorgar-lhe o poder legislativo e entrar em recesso permanente, diante da mobilização popular em seu favor (que não houve) e do impasse político e constitucional que se criaria com o veto previsível dos ministros militares à investidura no cargo do vice-presidente João Goulart. Ele pretendia constituir-se como alternativa para a junta militar por ele próprio sugerida aos ministros militares. Porém, muitos acreditaram que Quadros fora deposto pelos militares por causa de sua política exterior, em defesa da autodeterminação de Cuba. Porém, dois meses depois da renúncia, em novembro, revelei o que acontecera, ao publicar O 24 de agosto de Jânio Quadros, prefaciado pelo deputado Sérgio Magalhães, do Grupo Compacto do PTB.

Esse foi meu primeiro livro de ensaio político, que está a completar 50 anos, minha estreia como cientista político e historiador. Ele teve enorme repercussão e foi muito vendido. E, atualmente, não há dúvida quanto ao objetivo da renúncia. O próprio Quadros confirmou, na obra História do Povo Brasileiro, escrita em coautoria com Afonso Arinos de Melo Franco, que seu propósito fora constranger o Congresso, coagido pelos acontecimentos, a delegar-lhe as faculdades legislativas, sem prejudicar, aparentemente, “os aspectos fundamentais da mecânica democrática”.

Sul21– O senhor já declarou que Brizola pretendia, de fato, naquela ocasião, assegurar a volta de Jânio. A Legalidade teria, assim, esse viés, e não o de assegurar a posse do vice, Jango, o que veio depois, de roldão, com os acontecimentos?
Moniz —
Sim. Não há nenhuma dúvida sobre isso. O próprio Brizola contou-me que imaginou haver ocorrido uma confusão em Brasília e um golpe militar forçara Quadros a renunciar. Depois de colocar a Brigada Militar em prontidão, da sacada do Palácio Piratini, em frente do qual a multidão já se concentrava, ele, Brizola, fez um pronunciamento, no qual ressaltou que, embora não sendo partidário de Quadros, colocava o Rio Grande do Sul em defesa do seu mandato. Em seguida, tratou de telefonar para os diversos comandantes militares, inclusive o general Artur da Costa e Silva, comandante do IV Exército em Recife, com quem teve um incidente. Quando o substituto legal — o presidente da Câmara, deputado Pascoal Ranieri Mazzilli — assumiu o governo e os ministros militares — general Odílio Denys (Guerra), almirante Silvio Heck (Marinha) e brigadeiro Gabriel Grün Moss (Aeronáutica) — emitiram uma nota, na qual declararam a “absoluta inconveniência” do regresso do vice-presidente, sr. João Goulart, que se encontrava na China, e sua investidura na presidência do Brasil, Brizola percebeu que a renúncia de Quadros era irreversível e o movimento que desfechou tomou outro sentido. Antes, a legalidade era a manutenção de Quadros no governo; depois, a posse na presidência do seu sucessor constitucional, o vice-presidente João Goulart.

Havana, 1960: Juan Marinello, político e escritor cubano, Moniz Bandeira e Jânio Quadros - Foto: Arquivo pessoal de Moniz Bandeira

Sul21– Hoje, o senhor diria que Brizola teve razão? Ou Jango? Por quê?
Moniz —
Em que Brizola tinha razão? Imagino que sua pergunta se refira à ideia de marchar sobre Brasília, com o III Exército e a Brigada Militar, ou Jango, quando aceitou o parlamentarismo. Qualquer resposta nesse sentido seria mera especulação e as variáveis são muitas. Estou convencido, porém, de que a marcha sobre Brasília não seria simples passeata. Carlos Lacerda nunca foi legalista e, já em 1954, queria a derrubada do presidente Getúlio Vargas e o estabelecimento de um “estado de exceção”. Conhecia o propósito de Jânio Quadros e estava envolvido na articulação do golpe. A traição, que cometeu, não foi mero acidente. Ela refletiu as contradições políticas dos Estados Unidos, onde a CIA e o Pentágono não só pressionavam em favor da intervenção direta em Cuba como se opunham às diretrizes do presidente John Kennedy e do Departamento de Estado, pilares da Aliança para o Progresso, contrárias aos golpes militares e revoluções na América Latina.

Lacerda sempre estivera alinhado com a CIA, que tudo indica financiara a campanha contra Vargas, na primeira metade dos anos 1950, e seu jornal Tribuna da Imprensa. E a construção do Muro de Berlim, em 13 de agosto de 1961, tanto aguçou a Guerra Fria quanto, em consequência, adensou histeria com respeito a Cuba, cuja soberania e autodeterminação Quadros defendia desde a campanha eleitoral. Quadros não era confiável para a CIA e o Pentágono e, naquelas circunstâncias, afigurou-se maior perigo, se obtivesse poderes extraordinários para governar. A percepção da ameaça latente exacerbou-se, quando o Congresso aceitou sem discussão a renúncia de Quadros e a perspectiva real era a ascensão de João Goulart ao governo.

Jânio, entre sindicalistas, conversa com Moniz Bandeira - Foto: Arquivo pessoal de Moniz Bandeira
Jânio, entre sindicalistas, conversa com Moniz Bandeira - Foto: Arquivo pessoal de Moniz Bandeira

Esta minha interpretação está fundada nos depoimentos que me prestaram o general Odílio Denys e o almirante Silvio Heck, quando pesquisei, em 1976/77, para escrever o livro O Governo João Goulart, cuja 8ª edição, revista e muito ampliada, a Editora UNESP publicou no ano passado, 2010. Aliás, os próprios ministros militares deixaram bastante evidente essa questão, no manifesto contra a posse de Goulart, ao dizerem que, “no quadro de grave tensão internacional, em que vive dramaticamente o mundo dos nossos dias, com a comprovada intervenção do comunismo internacional na vida das nações democráticas e, sobretudo, nas mais fracas, avultam, à luz meridiana, os tremendos perigos a que se acha exposto o Brasil”. O almirante Silvio Heck, na entrevista que me concedeu, declarou que Jânio Quadros renunciou “para voltar na ‘crista da onda’, com o povo, e tornar-se ditador”, mas “seu erro foi ter renunciado sem antes ter conversado conosco”, ou seja, com os ministros militares, e que ele quis “João Goulart como vice-presidente porque sabia que as Forças Armadas não lhe dariam posse”.

Sul21– Qual o papel dos governadores em apoio à Legalidade (além do já conhecido papel de Mauro Borges, de Goiás)?
Moniz —
Além Mauro Borges e, é claro, de Brizola não se destaca a atuação de nenhum outro governador em apoio à legalidade, o que não significa, entretanto, que os demais fossem favoráveis ao golpe de Estado. Havia no país ampla consciência legalista e, inclusive, grande parte dos políticos da UDN não aceitava a posição de Lacerda, que, no âmbito do Estado da Guanabara, por ele governado, implantara seu próprio estado de sítio, com censura à imprensa, executada pelo jornalista Ascendino Leite, e prisão de líderes sindicais. Mas, a bem da verdade, a atitude legalista de Brizola foi circunstancial, uma vez que, posteriormente, ele sempre instou Goulart a dar um golpe de Estado.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora