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20 de junho de 2011
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23:46

Mata-borrão centralizou ação de voluntários da Legalidade

Por
Sul 21
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Mata-borrão centralizou ação de voluntários da Legalidade
Mata-borrão centralizou ação de voluntários da Legalidade
No Centro de Porto Alegre, o Mata-borrão foi o ponto de reunião dos voluntários l João Alberto Fonseca da Silva/CMPA

Lorena Paim

O Comitê Central de Resistência Democrática recebeu imediatamente milhares de inscrições de voluntários em Porto Alegre. Com sede no pavilhão conhecido como Mata-borrão (por causa de seu formato), funcionou graças à iniciativa de intelectuais esquerdistas e o apoio do Partido Comunista (PCB). Teve o comando formal do deputado Milton Dutra, indicado pelo governador Leonel Brizola. Mas, na prática, a liderança das ações de defesa e sustentação do movimento da Legalidade esteve ligada aos movimentos populares.

O pavilhão, situado na esquina da avenida Borges de Medeiros com a rua Andrade Neves, no Centro da capital, era uma iniciativa do governo do estado para abrigar exposições e outros eventos; tratava-se de uma construção provisória. Um dos integrantes da coordenação daquele Comitê é o advogado trabalhista Victor Nuñez, que viveu aqueles dias intensamente, e declara: “a resistência popular começou antes do Movimento da Legalidade e terminou depois dele”.

Os jornais publicam que, no dia 25 de agosto (data da renúncia de Jânio) à noite, já houve um comício improvisado em frente à prefeitura: a população saía às ruas para marcar posição. No livro de Norberto Silveira, Reportagem da Legalidade, consta que o Comitê foi aberto no sábado, 26: “Somente no posto central do Comitê de Resistência Democrática, até a meia-noite de ontem (dia 30/8), mais de 45 mil voluntários estavam inscritos e atentos ao menor comunicado para entrar em ação”.

Segundo o advogado Nuñez, “Brizola vacilou um pouco antes de deflagrar o Movimento da Legalidade. Desde o início, logo após a renúncia de Jânio Quadros, houve mobilização popular. Acredito que tudo começou com uma passeata dos estudantes do Colégio Júlio de Castilhos até a prefeitura, para falar com o prefeito Loureiro da Silva”.

Voluntários entram em ação

Sobre a instalação do Comitê no Mata-borrão, Nuñez diz que um grupo chegou lá “com um ofício” e requisitou a sede ao guarda que estava no local. “Não tinha torneira nem sanitário”, lembra. Na presidência do Comitê, estava o advogado Fernando Almeida. O advogado Nuñez, que se integrou ao grupo, acabou escolhido como chefe de Propaganda, pois também tinha habilidade em desenho. “Logo no primeiro dia, começamos a pintar faixas e cartazes com mensagens de resistência. Uma delas, uma frase atribuída a Brizola, dizia: ‘Não daremos o primeiro tiro, mas o segundo e o último’”.

Sampaulo

Dentro do pavilhão, a movimentação ocorria 24 horas por dia. Victor Nuñez recorda de vários participantes, como do coronel Nei Bueno, que era encarregado de regular a distribuição de gasolina nos postos da cidade, do ex-vereador e ecologista Caio Lustosa, “instrutor de marcha do batalhão de tranviários, pois possuía noção de instrução militar”, e do chagista Sampaulo, que o presenteou com uma charge sobre a aprovação do parlamentarismo. Lembra, também, de José Mariano Volcato, “que trouxe uma Kombi que colocou à nossa disposição, assim como outros que contribuíram para formar a frota de transportes da Legalidade”.

O advogado destaca ainda o trabalho de Marat Budaszewski, que organizou o setor de intendência, isto é, providenciava as provisões, para alimentar os trabalhadores do Comitê. Os gêneros eram resultado de doações de estabelecimentos comerciais, como bares e restaurantes.

Efeito multiplicador do movimento

Além dos veículos, acrescenta Nuñez, chegavam doações de máquinas de escrever, cadeiras, mesas e mimeógrafos para reproduzir os boletins que eram redigidos e distribuídos à população, a fim de que as mensagens chegassem rapidamente a todos. Também foram constituídos comitês nos bairros. “O movimento teve um efeito multiplicador impressionante, pois todo mundo colaborava, cada um na sua área”, declara. Ele e os companheiros escreviam textos que eram lidos nos alto-falantes da cidade. Até literatura de cordel a Legalidade inspirou.

As providências práticas tinham de ser tomadas no dia a dia. A fim de conseguir um telefone para o Mata-borrão — imprescindível e difícil de obter na época — Nuñez diz que simplesmente redigiu um ofício à Companhia Telefônica, e logo estava instalado o aparelho. “Não havia tempo para muita burocracia. Acredito que tenha sido o primeiro telefone público e gratuito da cidade, pois podia ser usado livremente pelos voluntários”.

Voluntários se alistam no Mata-borrão l Foto: Reprodução do documentário Legalidade

Sobre o número total de voluntários inscritos durante a Legalidade, ele não calcula o número exato. Depois de uma primeira triagem, segundo ele, vinha a segunda, na qual eram selecionadas as pessoas com experiência na área militar ou de saúde. Os dados ficavam anotados em fichas. Havia também os diversos batalhões, que marchavam ordenadamente pela cidade, de prontidão. Os tradicionalistas dos CTGs aderiram à causa. Sobre o sentimento popular daquela época, o advogado afirma: “era como uma tormenta que estava se preparando”.

O desfecho, com a aceitação do parlamentarismo por parte de João Goulart, foi frustrante para muitos gaúchos. Tanto que um grupo, exaltado, chegou a invadir o Mata-borrão, gritando palavras de ordem. “A frustração foi grande, mas mesmo depois de encerrada a Rede da Legalidade o nosso Comitê continuou funcionando. Até 20 de Setembro, data farroupilha”. Nesse dia, Victor Nuñez lembra que participou de solenidade como representante dos movimentos populares e entregou uma placa ao comando da Brigada Militar, por seu papel na manutenção da ordem legal.


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