Lorena Paim
A Brigada Militar foi imediatamente acionada por Leonel Brizola no Rio Grande do Sul, assim que se confirmou a notícia da renúncia do presidente Jânio Quadros. A polícia militar estadual, subordinada ao governador e com cerca de 13 mil homens em 1961, entrou em regime de rigorosa prontidão e permaneceu durante 12 dias mobilizada para responder a qualquer ataque contra o movimento da Legalidade.
No episódio da requisição da Rádio Guaíba pelo governo, para formar a Rede da Legalidade, cerca de 150 homens da Brigada Militar fortemente armados foram enviados à Ilha da Pintada a fim de proteger os transmissores. O local também recebeu lanchas do Corpo de Bombeiros. O Exército, em contrapartida, mandou soldados da Companhia de Guardas, chefiados pelo capitão Pedro Américo Leal, para confiscar o cristal da torre de transmissão, sem o que a emissora não poderia funcionar. Diante da iminência de um confronto com a BM e depois de ouvir interlocutores cautelosos, o comandante do III Exército, general Machado Lopes mandou suspender a operação, quando os homens já se encontravam perto do local dos transmissores.
O Regimento Bento Gonçalves (RBG) — hoje 4º Regimento de Polícia Montada –, que era responsável pela guarda do Palácio Piratini, foi destacado para a sede do governo, que se transformou numa verdadeira cidadela, nas palavras de Brizola. Sob o comando do coronel Átila Escobar, o RBG foi reforçado com contingentes dos municípios vizinhos de Porto Alegre. No momento mais crítico, diante da ameaça de bombardeio, eram cerca de 300 homens guardando o Palácio. Metralhadoras foram posicionadas em pontos estratégicos do prédio e barreiras montadas nas ruas de acesso à Praça da Matriz. Parte da Catedral (prédio vizinho) foi tomada pela Brigada Militar à revelia do arcebispo Dom Vicente Scherer e suas torres ocupadas com metralhadoras. Sacos de areia foram colocados em vários locais, com o objetivo de amortecer o poder das balas.
Relato de um guardião do Palácio
Um dos integrantes do Regimento Bento Gonçalves em 1961, o então terceiro sargento Eduardo Requia foi um dos brigadianos que estiveram durante a Legalidade posicionados no terraço do Palácio Piratini. Atualmente na reserva, o tenente relembra da ação:
“Eu tinha vindo de Santa Maria para Porto Alegre. Estava com 23 anos e também era atleta: participei como corredor de diversas rústicas. Vim para o RBG — Regimento Bento Gonçalves, localizado na avenida Aparício Borges. Como fazíamos a guarda do Palácio, todos os dias ia uma guarnição para lá, cumprir uma rotina de 24 ou 48 horas de serviço.Quando estourou a Legalidade, nos colocaram (cerca de 40 homens) no porão do Palácio, com toda espécie de armamento, e era onde Brizola praticamente fazia expediente, também portando a Lurdinha, como chamavam a submetralhadora INA .45. Em certo momento, correu a notícia de que o porta-aviões Minas Gerais atacaria pelo Guaíba e os aviões da Base Aérea de Canoas estavam preparados também para o ataque. O III Exército ainda estava indefinido sobre que posição adotar. Fomos mandados então para o terraço. Éramos oito lá em cima. Escolheram para isso o pessoal mais jovem, solteiro, sem família. Deram uma metralhadora Schwarzlose, que era uma arma estranha para nós. Alguns usavam capacete, que recém tinham sido lançados na BM; outros, o casquete ou bico de pato. Os sacos de areia serviam como proteção. Quando o comandante do III Exército chegou, foi uma correria da multidão, pois alguns achavam que ele vinha prender Brizola. A partir do apoio dele, a situação começou a ficar mais calma. Mas ficamos cerca de 12 dias no terraço. A comida vinha do RBG e alguém do povo nos alcançava sanduíches também; a população adorava a Brigada. Para dormir, botávamos a arma de lado e nos enrolávamos nos capotes e nas mantas. Quando terminou o movimento, houve um grande desfile em Porto Alegre. Nós, os sargentos, comandamos um pelotão na frente da tropa. O povo todo aplaudindo e cantando o Hino da Legalidade. Foi muito emocionante”.
Dione Kuhn, no livro Brizola, da Legalidade ao Exílio, conta que no interior do estado um plano foi armado, mas não chegou a ser colocado em prática. Como estava precisando de armas, a Brigada Militar em Carazinho “foi orientada a assaltar o quartel do Exército em Passo Fundo”. Para isso, seria preciso conter as tropas que sairiam de Cruz Alta para socorrer o quartel passo-fundense. “Divididos em grupos, os legalistas procuraram impor obstáculos em todos os trechos… Trilhos da estrada de ferro foram besuntados com azeite, uma ponte sobre o Rio Jacuizinho ficou abarrotada de dinamite e as mulheres da cidade decidiram preparar um suculento lanche, para atrasar os soldados”.
Existem controvérsias sobre o poder de fogo das armas utilizadas pela BM na Legalidade. A chefia militar recuperou armamentos importados — ou contrabandeados, dizem alguns — da Checoslováquia por Flores da Cunha, em 1937. Eles nunca foram usados. Os fuzis e metralhadoras haviam permanecido guardados em depósitos, sem que se soubesse de sua existência. Até serem recuperados em 1961.
Uma operação mista em Torres
Quando o general Machado Lopes resolveu apoiar Brizola, este colocou todas as forças sob o comando do chefe do Exército. “Neste momento, general — disse o governador — eu entrego a Brigada Militar ao seu comando. Passo a partir de agora a atuar exclusivamente no campo político”. Nessa reunião, o comandante da BM, coronel Diomário Moojen, pediu a palavra e se dirigiu ao general: “Comandante, eu peço ao senhor que reserve à Brigada Militar a área mais decisiva na defesa do Estado”. Moojen fez mais tarde uma proclamação a todos os milicianos do país, através de correspondência dirigida aos comandantes das Polícias Militares, conclamando-os a lutar pela causa da Legalidade.
Efetiva foi a ação conjunta entre as forças militares, em defesa do território próximo à divisa com Santa Catarina. Foram destacados reforços da Brigada para o Litoral Norte, sob o comando do coronel Heraclides Tarrago, com o objetivo de evitar o desembarque de tropas federais contrárias à Legalidade. Os militares da BM colocaram-se à disposição da 6ª Divisão de Infantaria do Exército, chefiada pelo general Silvio Santa Rosa.
O 1º Batalhão de Guardas da Brigada Militar recebeu a orientação de deslocar-se para a região de Torres, na linha do Rio Mampituba, com a finalidade de barrar qualquer ataque pelo mar, bem como para guarnecer e vigiar todo o litoral. Entre seus integrantes, estavam alunos veteranos do Centro de Instrução Militar (CIM), o curso de formação de oficiais. Essa constituição híbrida resultou no Batalhão de Operações da Brigada Militar, conhecido como Batalhão Tarrago. Sua formação era de cerca de 600 homens. O Exército, por sua vez, em sua missão alcançou a divisa com Santa Catarina.
No dia 2 setembro, antes de partir, o coronel Tarrago falou do perigo da missão: “Caso seja desfechado um ataque ao nosso estado, nossa missão será de guerra”. E abriu uma opção: “Quem não quiser seguir em frente, pode sair de forma, que o Comando não tomará nenhuma medida punitiva”. Ninguém desistiu. Houve, até, número superior ao efetivo previsto, pois brigadianos de outras unidades, inclusive da reserva, haviam se juntado à tropa. E também civis do DAER — Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem, muitos dos quais foram como motoristas.
No trajeto, perto de Três Cachoeiras, as tropas encontraram um comboio motorizado, vindo em direção contrária, que parou e apagou as luzes. Os militares mandaram uma patrulha de reconhecimento até eles. Surpresa: era um bando de ciganos que vinha para o Sul dar apoio a Leonel Brizola.
Os soldados enfrentavam chuva intensa e frio. Passaram os dias abrindo trincheiras e construindo abrigos subterrâneos. As notícias indicavam a aproximação do porta-aviões Minas Gerais, que, segundo se dizia, iria atacar os legalistas. Na noite de 5 de setembro de 1961, circulava a notícia sobre o “mar grosso”, ou seja, de que as águas estariam cheias de fuzileiros navais. “A invasão não aconteceu, mas entrou para história da Brigada Militar como a Lenda do Mar Grosso” — conta o tenente-coronel reformado Antônio Silveira da Silva, que escreveu um livro sobre o assunto.
No regresso da missão, em 10 de setembro, os soldados da Brigada Militar foram homenageados em Porto Alegre com um desfile de reconhecimento ao papel desempenhado.
Como a BM vai comemorar
O comando da Brigada Militar vai comemorar os 50 anos do movimento da Legalidade com o lançamento de uma revista — a previsão é 25 de agosto — contando a participação da instituição no movimento. Vários brigadianos que viveram aquela época dão seu depoimento.
Também está prevista uma exposição, a cargo do Museu da Brigada Militar, dirigido pela major Najara Santos da Silva. Além de banners com imagens, serão mostradas armas usadas durante a resistência gaúcha em 1961: a submetralhadora INA, calibre .45, a metralhadora Schwarzlose e o fuzil-metralhadora Zbrojovka.