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30 de junho de 2011
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23:37

Brigada Militar ficou em prontidão durante toda a Legalidade

Por
Sul 21
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Brigadianos defendem o Palácio Piratini l Foto: Acervo Fotográfico do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

Lorena Paim

A Brigada Militar foi imediatamente acionada por Leonel Brizola no Rio Grande do Sul, assim que se confirmou a notícia da renúncia do presidente Jânio Quadros. A polícia militar estadual, subordinada ao governador e com cerca de 13 mil homens em 1961, entrou em regime de rigorosa prontidão e permaneceu durante 12 dias mobilizada para responder a qualquer ataque contra o movimento da Legalidade.

No episódio da requisição da Rádio Guaíba pelo governo, para formar a Rede da Legalidade, cerca de 150 homens da Brigada Militar fortemente armados foram enviados à Ilha da Pintada a fim de proteger os transmissores. O local também recebeu lanchas do Corpo de Bombeiros. O Exército, em contrapartida, mandou soldados da Companhia de Guardas, chefiados pelo capitão Pedro Américo Leal, para confiscar o cristal da torre de transmissão, sem o que a emissora não poderia funcionar. Diante da iminência de um confronto com a BM e depois de ouvir interlocutores cautelosos, o comandante do III Exército, general Machado Lopes mandou suspender a operação, quando os homens já se encontravam perto do local dos transmissores.

O Regimento Bento Gonçalves (RBG) — hoje 4º Regimento de Polícia Montada –, que era responsável pela guarda do Palácio Piratini, foi destacado para a sede do governo, que se transformou numa verdadeira cidadela, nas palavras de Brizola. Sob o comando do coronel Átila Escobar, o RBG foi reforçado com contingentes dos municípios vizinhos de Porto Alegre. No momento mais crítico, diante da ameaça de bombardeio, eram cerca de 300 homens guardando o Palácio. Metralhadoras foram posicionadas em pontos estratégicos do prédio e barreiras montadas nas ruas de acesso à Praça da Matriz. Parte da Catedral (prédio vizinho) foi tomada pela Brigada Militar à revelia do arcebispo Dom Vicente Scherer e suas torres ocupadas com metralhadoras. Sacos de areia foram colocados em vários locais, com o objetivo de amortecer o poder das balas.

Relato de um guardião do Palácio

Um dos integrantes do Regimento Bento Gonçalves em 1961, o então terceiro sargento Eduardo Requia foi um dos brigadianos que estiveram durante a Legalidade posicionados no terraço do Palácio Piratini. Atualmente na reserva, o tenente relembra da ação:

Alguns militares usavam o capacete, adotado havia pouco pela BM l Foto: Acervo Fotográfico do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

“Eu tinha vindo de Santa Maria para Porto Alegre. Estava com 23 anos e também era atleta: participei como corredor de diversas rústicas. Vim para o RBG — Regimento Bento Gonçalves, localizado na avenida Aparício Borges. Como fazíamos a guarda do Palácio, todos os dias ia uma guarnição para lá, cumprir uma rotina de 24 ou 48 horas de serviço.Quando estourou a Legalidade, nos colocaram (cerca de 40 homens) no porão do Palácio, com toda espécie de armamento, e era onde Brizola praticamente fazia expediente, também portando a Lurdinha, como chamavam a submetralhadora INA .45. Em certo momento, correu a notícia de que o porta-aviões Minas Gerais atacaria pelo Guaíba e os aviões da Base Aérea de Canoas estavam preparados também para o ataque. O III Exército ainda estava indefinido sobre que posição adotar. Fomos mandados então para o terraço. Éramos oito lá em cima. Escolheram para isso o pessoal mais jovem, solteiro, sem família. Deram uma metralhadora Schwarzlose, que era uma arma estranha para nós. Alguns usavam capacete, que recém tinham sido lançados na BM; outros, o casquete ou bico de pato. Os sacos de areia serviam como proteção. Quando o comandante do III Exército chegou, foi uma correria da multidão, pois alguns achavam que ele vinha prender Brizola. A partir do apoio dele, a situação começou a ficar mais calma. Mas ficamos cerca de 12 dias no terraço. A comida vinha do RBG e alguém do povo nos alcançava sanduíches também; a população adorava a Brigada. Para dormir, botávamos a arma de lado e nos enrolávamos nos capotes e nas mantas. Quando terminou o movimento, houve um grande desfile em Porto Alegre. Nós, os sargentos, comandamos um pelotão na frente da tropa. O povo todo aplaudindo e cantando o Hino da Legalidade. Foi muito emocionante”.

Armas usadas pelos brigadianos em 61 vão ser expostas pela BM l Foto: Acervo Fotográfico do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

Dione Kuhn, no livro Brizola, da Legalidade ao Exílio, conta que no interior do estado um plano foi armado, mas não chegou a ser colocado em prática. Como estava precisando de armas, a Brigada Militar em Carazinho “foi orientada a assaltar o quartel do Exército em Passo Fundo”. Para isso, seria preciso conter as tropas que sairiam de Cruz Alta para socorrer o quartel passo-fundense. “Divididos em grupos, os legalistas procuraram impor obstáculos em todos os trechos… Trilhos da estrada de ferro foram besuntados com azeite, uma ponte sobre o Rio Jacuizinho ficou abarrotada de dinamite e as mulheres da cidade decidiram preparar um suculento lanche, para atrasar os soldados”.

Existem controvérsias sobre o poder de fogo das armas utilizadas pela BM na Legalidade. A chefia militar recuperou armamentos importados — ou contrabandeados, dizem alguns — da Checoslováquia por Flores da Cunha, em 1937. Eles nunca foram usados. Os fuzis e metralhadoras haviam permanecido guardados em depósitos, sem que se soubesse de sua existência. Até serem recuperados em 1961.

Uma operação mista em Torres

Quando o general Machado Lopes resolveu apoiar Brizola, este colocou todas as forças sob o comando do chefe do Exército. “Neste momento, general — disse o governador — eu entrego a Brigada Militar ao seu comando. Passo a partir de agora a atuar exclusivamente no campo político”. Nessa reunião, o comandante da BM, coronel Diomário Moojen, pediu a palavra e se dirigiu ao general: “Comandante, eu peço ao senhor que reserve à Brigada Militar a área mais decisiva na defesa do Estado”. Moojen fez mais tarde uma proclamação a todos os milicianos do país, através de correspondência dirigida aos comandantes das Polícias Militares, conclamando-os a lutar pela causa da Legalidade.

Efetiva foi a ação conjunta entre as forças militares, em defesa do território próximo à divisa com Santa Catarina. Foram destacados reforços da Brigada para o Litoral Norte, sob o comando do coronel Heraclides Tarrago, com o objetivo de evitar o desembarque de tropas federais contrárias à Legalidade. Os militares da BM colocaram-se à disposição da 6ª Divisão de Infantaria do Exército, chefiada pelo general Silvio Santa Rosa.

Soldados dormiam no Palácio l Foto: Acervo Fotográfico do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

O 1º Batalhão de Guardas da Brigada Militar recebeu a orientação de deslocar-se para a região de Torres, na linha do Rio Mampituba, com a finalidade de barrar qualquer ataque pelo mar, bem como para guarnecer e vigiar todo o litoral. Entre seus integrantes, estavam alunos veteranos do Centro de Instrução Militar (CIM), o curso de formação de oficiais. Essa constituição híbrida resultou no Batalhão de Operações da Brigada Militar, conhecido como Batalhão Tarrago. Sua formação era de cerca de 600 homens. O Exército, por sua vez, em sua missão alcançou a divisa com Santa Catarina.

No dia 2 setembro, antes de partir, o coronel Tarrago falou do perigo da missão: “Caso seja desfechado um ataque ao nosso estado, nossa missão será de guerra”. E abriu uma opção: “Quem não quiser seguir em frente, pode sair de forma, que o Comando não tomará nenhuma medida punitiva”. Ninguém desistiu. Houve, até, número superior ao efetivo previsto, pois brigadianos de outras unidades, inclusive da reserva, haviam se juntado à tropa. E também civis do DAER — Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem, muitos dos quais foram como motoristas.

No trajeto, perto de Três Cachoeiras, as tropas encontraram um comboio motorizado, vindo em direção contrária, que parou e apagou as luzes. Os militares mandaram uma patrulha de reconhecimento até eles. Surpresa: era um bando de ciganos que vinha para o Sul dar apoio a Leonel Brizola.

Sacos de areia eram usados para amortecer o poder das balas l Foto: Reprodução

Os soldados enfrentavam chuva intensa e frio. Passaram os dias abrindo trincheiras e construindo abrigos subterrâneos. As notícias indicavam a aproximação do porta-aviões Minas Gerais, que, segundo se dizia, iria atacar os legalistas. Na noite de 5 de setembro de 1961, circulava a notícia sobre o “mar grosso”, ou seja, de que as águas estariam cheias de fuzileiros navais. “A invasão não aconteceu, mas entrou para história da Brigada Militar como a Lenda do Mar Grosso” — conta o tenente-coronel reformado Antônio Silveira da Silva, que escreveu um livro sobre o assunto.

No regresso da missão, em 10 de setembro, os soldados da Brigada Militar foram homenageados em Porto Alegre com um desfile de reconhecimento ao papel desempenhado.

Como a BM vai comemorar

O comando da Brigada Militar vai comemorar os 50 anos do movimento da Legalidade com o lançamento de uma revista — a previsão é 25 de agosto — contando a participação da instituição no movimento. Vários brigadianos que viveram aquela época dão seu depoimento.

Também está prevista uma exposição, a cargo do Museu da Brigada Militar, dirigido pela major Najara Santos da Silva. Além de banners com imagens, serão mostradas armas usadas durante a resistência gaúcha em 1961: a submetralhadora INA, calibre .45, a metralhadora Schwarzlose e o fuzil-metralhadora Zbrojovka.


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