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19 de maio de 2011
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23:32

Última Hora teve papel histórico no movimento

Por
Sul 21
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Última Hora de 17 de agosto de 1961 - Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Lorena Paim

Jornalista e escritor gaúcho, Flávio Tavares foi um dos tantos profissionais da imprensa que viraram militantes durante a Legalidade. Aos 27 anos de idade, ele trabalhava na editoria de Política da Última Hora, empresa que tinha sede em seis cidades, inclusive em Porto Alegre. O diário vespertino voltou-se totalmente à defesa da posse do vice João Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros.

“A Última Hora foi quem lançou o movimento da Legalidade, já sob a ameaça do golpe, por meio de sua edição extra do dia 27 de agosto de 1961, um domingo, dia em que normalmente não circularia. Ela se posicionou antes das emissoras de rádio”, garante Tavares. Ele lembra que aquela edição foi feita nos porões do Palácio Piratini, onde o governador Leonel Brizola articulava a reação dando inúmeros telefonemas. Como a redação da UH ficava perto dos quartéis militares, na rua 7 de Setembro, temia-se que o Exército interviesse — pois no Rio de Janeiro o governador Lacerda já havia censurado a imprensa. O jornal contava com um serviço de moto para levar o material redigido até a redação, a fim de fazer a edição final, e dali às oficinas, na rua Duque de Caxias, acrescenta Tavares.

Flávio Tavares: "A Legalidade foi o último grande movimento de rebelião de massas no Rio Grande do Sul e no Brasil”
Flávio Tavares: "A Legalidade foi o último grande movimento de rebelião de massas no Rio Grande do Sul e no Brasil”

Dessa edição histórica, de oito páginas, diz ele, participaram, entre outros, o diagramador Aníbal Bendati e o jornalista Jorge Miranda Jordão, este como editor do material, na redação. O tabloide circulou de madrugada. Tavares conta que a ideia de tirar a edição extra “partiu de um sujeito que tinha a mania de ser jornalista… o próprio Brizola, que inclusive já havia colaborado com o jornal Clarim, anteriormente. O governador falou com Neu Reinert, que era o diretor de redação da UH, e fez a sugestão”. Segundo o jornalista, “mostramos assim que não ficávamos a favor do delito, que era o golpe”. O que ficou claro com a manchete seguinte: “Golpe contra Jango!” . E posteriormente: “Jango: vou voltar para assumir ou morrer”.

Edição de 28 de agosto de 1961 - Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Flávio Tavares diz que a UH contrabalançava a posição mais conservadora dos jornais da Companhia Caldas Jr. — Correio do Povo e Folha da Tarde. A começar pelo seu editorial, que falava: “o golpe é uma bofetada na face do Rio Grande”, referindo-se à posição dos ministros militares de vetar a posse de Jango. Este contundente editorial foi o único não escrito por alguém da UH, mas pelo jornalista Franklin de Oliveira, que era assessor de Brizola: “foi um grande editorial, se o lemos hoje, embora retórico demais”, analisa. Também se refere a um fato que considera inédito: “o jornal saiu às ruas protegido pela Brigada Militar — numa Kombi e num jipe — para garantir sua efetiva distribuição”.

Tavares recorda, em especial, da fala emocionada de Brizola, no Palácio Piratini, na madrugada de sábado (26 de agosto) para domingo. “Esse pronunciamento foi transmitido pelo telefone para as rádios Gaúcha, Farroupilha e Difusora. O governador falava e alguém colocava o telefone junto ao microfone, para reproduzir o som às rádios”. Foi nessa ocasião que Brizola declarou que não ia aceitar um “golpe por telefone”. Aí as rádios foram retiradas do ar; menos a Guaíba, que não tinha transmitido o pronunciamento, acrescenta Tavares.

Ameaça de ataque

Flávio Tavares transformou-se em militante. “Eu e os demais jornalistas que ficavam no Palácio. Nos sentimos ameaçados pelo ataque que pretendiam fazer. Saíamos às ruas armados. Quando achamos que viria o ataque, fiquei mais de uma hora em uma janela da frente do Palácio, com uma arma. Foi no domingo, o dia mais dramático de todos. Fizemos barricadas. O major Walter Nique, que estava ao meu lado, de metralhadora e pistola na mão, me disse: ‘Flávio, se eu cair, tu assumes”. Como a situação era de perigo, “a Praça da Matriz foi esvaziada pela Brigada Militar, sendo que alguns renitentes não queriam sair, muitos com cartazes na mão, emocionados. Outros manifestantes impediram que dois jipes do Exército, que circulavam em reconhecimento, chegassem até a frente do Palácio.”

Para acompanhar Brizola, muitos jornalistas dormiam no Palácio Piratini - Foto: Acervo Fotográfico do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

Tavares lembra que ficaram por cerca de cinco horas nessa expectativa, com caminhões de um supermercado trancando a rua Duque de Caxias, onde se localiza o Palácio, a fim de evitar a chegada de veículos do Exército. “O pior era a tensão. Luzes apagadas nas ruas. O Palácio com luz reduzida para tapar o alvo. De segunda para terça-feira, continuaram as luzes apagadas, pois um avião da Base Aérea de Florianópolis sobrevoava o local, jogando panfletos”.

A situação começou a melhorar, diz ele, com o apoio do comandante do III Exército à Legalidade, o que aconteceu depois que alguns generais do Rio Grande do Sul se manifestaram neste sentido. Quando teve certeza da posição do comandante Machado Lopes é que Brizola desceu aos porões do Palácio e fez seu pronunciamento pela Rádio Guaíba.

Como a maioria dos jornalistas ficava quase o tempo inteiro no Palácio, pois lá é que os fatos ocorriam, Tavares diz que continuou fazendo reportagens nos dias seguintes e também participando da Legalidade. “Dormia num dos sofás e comia a comida excelente que se fazia lá, todos os dias, para 40 ou 50 pessoas”.

Nesse período, recorda, a Última Hora “fugiu aos parâmetros de diagramação das páginas. A quarta página era sempre da Política. Mas isso foi mudando e a cobertura aumentou”. Tavares considera que pode ter sido, até, força de expressão a manchete de uma das edições: Jango: vou voltar para assumir ou morrer. “O fato é que foi um jornal militante, que tomou posição diante do golpe que queriam cometer naquele ano de 61”.

Concessões

Naquele momento da vida nacional Flávio Tavares achava que Brizola estava com a razão, “que tínhamos que ir até Brasília lutar pela posse de Jango”. Depois, “vendo que não tínhamos maioria, que precisávamos fazer concessões, acho que a decisão de Jango, ao aceitar o parlamentarismo, foi acertada. Essa decisão dele foi fruto de sua inconstância, e a inconstância leva à prudência. Então, resolveu-se a situação em tempo curto, que era o mais acertado a fazer”.

Jango tomou a decisão certa, segundo Flávio Tavares

Atualmente o jornalista está escrevendo um livro sobre a Legalidade, mas não sabe se terá tempo de terminá-lo até agosto/setembro de 2011. “Não é descritivo, é muito pessoal, com um tom memorialista do que vivi”, informa. Aquele movimento em 61 mudou-o muito, reconhece. “Todos nós mudamos. Aprendemos a ser mais participantes; até os jornalistas estrangeiros da época queriam lutar. Foi uma chamada de atenção no sentido de que a mobilização pode impedir o crime, que no caso era um golpe de estado. A Legalidade foi o último grande movimento de rebelião de massas no Rio Grande do Sul e no Brasil”.


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