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24 de maio de 2011
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01:46

“Só um incentivo populista levanta as massas”

Por
Sul 21
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Brizola fala ao povo de uma das sacadas do Piratini - Foto: Acervo Fotográfico do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

Melchíades Stricher F°

Hoje, quando alguns analistas políticos mais antigos dizem que as raízes do Rio Grande foram trabalhistas, neste século, muitos duvidam. O Movimento da Legalidade mostrou que só um incentivo populista levanta as massas. Getúlio Vargas, na sua clarividência de Estadista, já entendera que as forças trabalhadoras são o cerne da política: É muito mais fácil às lideranças acenarem com melhores condições de vida ao operário — geralmente um esperançado — do que às hoje chamadas classes médias, que precisam aparentar, mesmo não sendo. O trabalhador sempre se considera, ou procura ser, classe média.

O governador do Rio Grande do Sul, em 1961, Leonel Brizola, era, e hoje ainda mais, é um conhecedor profundo do pensamento do trabalhador. Quando Getúlio Vargas, na frente da Prefeitura, levantava com o seu “Trabalhadores do Brasil” milhares de pessoas, nada mais fazia do que Brizola, agora, sugestionando milhões de pessoas pelos melhores meios de comunicação, com o seu mais íntimo chamamento de “companheiros” .

Getúlio, como Brizola, conhecia a força do povo

O trabalhismo obrigara-se a eleger a dupla jan-jan por necessidade política. O fenômeno Jânio Quadros era imbatível e João Goulart não estava suficientemente maduro politicamente para um salto maior. Jango aceitava, como pacato fazendeiro guindado à política, ser vice. Simplesmente vice. Viajava ao exterior fazendo política de boa-vizinhança. Resignadamente. Era um bom fazendeiro, na acepção da palavra.

Jânio Quadros, cada vez mais isolado no poder por medidas drásticas de impacto que contrariavam acintosamente muitos interesses, depois de galgar o governo pela esmagadora maiora do povo brasileiro, via o poder escapar-lhe das mãos na medida em que as pressões cresciam em progressão geométrica. Tentou uma grande cartada, o poder absoluto. Renunciou, na esperança de ser dissuadido, ao mesmo tempo em que planejava instalar seu governo no Rio Grande do Sul. Não contava
que, em São Paulo, Adhemar de Barros determinasse a mudança da tripulação do avião da Aerovias Brasil, empresa da qual era grande acionista, que traria o “renunciante” a Porto Alegre.

No Palácio Piratini o Movimento da Legalidade, que nem o governador pensava fosse o que foi, começou de mansinho com papos de políticos do PTB reclamando a altos brados — dentro do Palácio — para a barbaridade que se prentendia cometer. Todos, entretanto, sabiam que precisavam da anuência do comandante do III Exército, general Machado Lopes, para defender a Constituição. Os Comandos do Exército, como era praxe na época, mascaradamente tinham tendências político-
partidárias. O comandante do III Exército, entretanto, era militar de carreira, conhecido por seu amor à caserna, à hierarquia e à disciplina. Políticos nem falar. Política, muito menos.

Machado Lopes com Brizola no Palácio Piratini - Foto: Acervo Fotográfico do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

O papo, então, no Palácio, era de convencer o general — que nessa altura tinha poucos canais com outros comandos do Ministério — que Jango era o presidente constitucional, embora com artifícios políticos se procurasse outra solução. O general, contra os políticos, teria de ser convencido, por políticos, que outros políticos queriam rasgar a Constituição.

Os sistemas de comunicações da época, em relação aos de hoje, eram obsoletos. Tanto no que se refere às assessorias de comunicação dos Ministérios e organismos oficiais, como no que se referia à técnica propriamente dita. Nos Ministérios o esquema era o mesmo do DIP de Getúlio (aliás o inventor da divulgação no Brasil, com deficiência) e na parte técnica chegamos ao cúmulo de que a simples retirada do cristal da rádio, tirava-a do ar. Por esta razão, as notas oficiais da Marinha, da Aeronáutica e de Unidades do Exército, eram providencialmente contestadas e duvidadas pelas escutas das rádios aqui, totalmente dominadas e ocupadas pela “Cadeia da Legalidade”. A comunicação, no Rio Grande, principalmente pelo rádio, começava a assumir a importância de sua força, embora no momento nenhum de nós, comunicadores, alcançasse a importância disso. Por incrível que pareça, Brizola entendeu antes de nós. Desde o marechal Denys até o mais simples comandante de Regimento, se deixara influenciar e dimensionar mal sobre o que era a resistência no Rio Grande. Na verdade, em termos militares, ela não resistiria a nada.

Machado Lopes acreditava ter o monopólio da informação com o serviço de rádio-transmissão do Exército, transmitindo em Morse. Na Rua Veador Porto os estafetas se revezavam para levar, em mão, as novidades ao QG. Na reunião do Piratini, entretanto, pelo desenvolver da conversa com Brizola, ele entendeu que o que ele sabia, o governador também sabia. Ele não contava que, nos Correios e Telegráfos, o eficiente João Guaragna interceptava tudo e passava para Hamilton Chaves.

Conversei com Jango, a quem conhecera em São Borja, na Ilha do Bananal. Ele já era presidente da República, depois do plebiscito. Disse-me ele: “Getúlio descobriu a força de vocês da imprensa, o Brizola testou na Legalidade e eu usei no plebiscito. Política, Melchíades, daqui pra diante, sem imprensa, não vai mais”. Isto, dito em 1986, pareceria pueril mas, na época, ninguém se arriscava. Tive oportunidade de, sinceramente, traçar a minha imagem de Jango, quando de sua morte, no Diário de Notícias. Aliás, um dos poucos que se atreveu a tal.

João Goulart (D): "Getúlio descobriu a força da imprensa, o Brizola testou na Legalidade e eu usei no plebiscito" - Foto: Acervo Fotográfico do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

Quando me pediam este texto, pensei em escrever vivências da Legalidade. Do jovem na época que se sentiu cheio de razão com um “38 Taurus” na cintura. Do “homem” que enfrentaria a tudo e a todos por uma ideia. Hoje, as ideias se confundem. O ideal, não. O ideal não é político. As ideias deixaram a desejar. Brizola, mais maduro, promete até que meus filhos poderão ter a esperança que eu tive. Terão?

Para finalizar, lembro um fato da legalidade: um boca-suja da época, trabalhista conceituado na zona da fronteira, também conhecido por seu destempero verbal, quando Brizola tentava, desesperadamente, ser ouvido por Jango, em Montevidéu, e vice-versa, foi chamado para falar ao telefone. Diga-se de passagem que quando ele entrava na telefônica (a maioria dos telefones era a magneto), as telefonistas debandavam. “Jango, Jango… fala mais alto… parece quem tem um sorete atravessado na linha” … Voltou-se para Brizola, suando, e confirmou: .. “Ele chega amanhã, às sete da noite”.

O general Machado Lopes suspirou e foi para a sacada do Palácio. Abanou para a multidão e foi ovacionado. A Legalidade estava vitoriosa.

Melchíades Stricher F°, já falecido, era, na época, repórter político do Diário de Notícias. Trabalhou em vários jornais de Porto Alegre. Quando da publicação deste texto, trabalhava em Zero Hora e era assessor do prefeito municipal de Porto Alegre.

Texto publicado no livro Legalidade — 25 anos, A Resistência Popular que Levou Jango ao Poder, da editora Redactor


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