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24 de maio de 2011
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01:44

Parlamentarismo, a saída negociada para garantir posse de Jango

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Sul 21
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O Parlamentarismo foi a solução para Jango assumir a presidência. Ao seu lado, Tancredo Neves, escolhido como primeiro-ministro - Foto: reprodução

Lorena Paim

A solução possível, em 1961, para a grave crise instalada no Brasil com a renúncia do presidente Jânio Quadros, foi a instituição do parlamentarismo. A ideia vinha sendo defendida desde 1946 pelo deputado federal gaúcho Raul Pilla, que pertencera à UDN e presidia o Partido Libertador. Ele apresentou cinco emendas à Constituição, sem jamais ter obtido sucesso. Em 1961, porém, a proposta foi aprovada facilmente, em poucos dias. O novo sistema garantiu, afinal, a posse do vice João Goulart na presidência da República, tendo Tancredo Neves como primeiro-ministro.

Logo depois de Jânio ter deixado, inesperadamente, o cargo, surgiram duas vertentes para enfrentar a crise. Uma delas, o movimento da Legalidade, liderado pelo governador Leonel Brizola, no Rio Grande do Sul. A outra, a proposta parlamentarista, que apareceu logo depois, para desfazer o grande nó do veto dos ministros militares à posse de Jango.

Segundo apurou o historiador Hélio Silva, o presidente em exercício, Ranieri Mazzilli, ao ouvir dos ministros militares a afirmação sobre a “inconveniência” da volta de Jango do exterior, decidiu convocar para uma reunião, no Palácio do Planalto, todos os 12 líderes políticos. “Foi a partir desse momento que surgiu a ideia de fazerem uma Emenda parlamentarista, para limitar os poderes do presidente da República, e assim minimizar os inconvenientes apresentados pelos Ministros militares” — teria dito Mazzilli.

Dois blocos opostos

O temor das Forças Armadas em relação a João Goulart tinha a ver com o clima de Guerra Fria que estava em vigor no mundo. O período, que começa após a II Guerra Mundial (1945), se caracteriza por disputas entre os Estados Unidos e a União Soviética (URSS) e suas respectivas zonas de influência. Se um governo socialista fosse implantado em algum país do Terceiro Mundo, ele seria visto pelo governo norte-americano como uma ameaça à sua hegemonia.

Em 1961, ocorreu a fracassada invasão da Baía dos Porcos pelos EUA, com o objetivo de derrubar o regime cubano de Fidel Castro, aliado dos soviéticos. A situação ficou mais grave quando a URSS instalou mísseis em Cuba, em 1962, o que foi considerado uma forte ameaça pelos norte-americanos. Dentro desse contexto, setores militares e civis viam em Jango — um trabalhista, ex-ministro de Getúlio Vargas — uma ameaça comunista que precisava ser combatida. E dificilmente, o governo norte-americano aceitaria, sem intervir, a instalação de um novo governo na América Latina, que escapasse à sua órbita de infulência.

Em 1961, o clima era de guerra fria. Os norte-americanos haviam sido derrotados na invasão da Baía dos Porcos, em Cuba

A virada decisiva do Congresso em direção ao parlamentarismo aconteceu quando os deputados tiveram de se manifestar sobre o impeachment de João Goulart, desejado pelos militares. O líder do PTB, deputado Almino Affonso, um dos presentes àquela reunião com o presidente interino Mazzilli, fez um comunicado que precipitou o exame da questão. No livro 1961- Que as armas não falem (de Paulo Markun e Duda Hamilton), Almino conta que o próprio Jango, ainda em viagem, teria recebido de Afonso Arinos, ministro das Relações Exteriores do governo Jânio Quadros, a sugestão de examinar a hipótese de parlamentarismo. E teria sido simpático à ideia. Almino acabou dando esse recado durante a reunião, embora não fosse a sua escolha pessoal. Logo a discussão a esse respeito começou, e ironicamente, Raul Pilla, o velho líder do PL, manifestou-se em contrário. Não concordava com a implantação do parlamentarismo tão repentinamente.

A renúncia de Jânio aconteceu numa sexta-feira, 25 de agosto. O final de semana seguinte foi de intensas reuniões no Congresso. Uma comissão mista de deputados e senadores foi nomeada para examinar a situação, com a tarefa de apresentar solução no prazo de 48 horas. Oliveira Brito era o relator, Jefferson Aguiar, o presidente.

O parecer final foi de que a emenda parlamentarista fosse à votação, com adaptações, e que se observasse o tempo mínimo para sua tramitação. O documento foi aprovado por 264 votos a favor e apenas dez contra. Nesse meio tempo, no dia 31, chegavam a Brasília seis governadores (SP, BA, MG, ES, PA e PE) para uma reunião com os ministros militares, que não foi decisiva para mudar o quadro.

Na madrugada de sábado, 2 de setembro, começava a votação da emenda parlamentarista na Câmara. Em segunda votação, foi aprovada por 233 votos favoráveis e 55 contra. Daí passou pelo Senado sem problemas: 48 votos a 6 (Juscelino Kubitschek (PSD), Saulo Ramos (PTB), Guido Gondim (PRP), Cunha Melo (PTB), Ari Viana (PSD) e Jarbas Maranhão (PSD)). Promulgada no domingo, 3, em sessão do Congresso Nacional, a Emenda Constitucional nº 4 estabelecia que o Poder Executivo seria exercido pelo presidente da República e pelo Conselho de Ministros.

Juscelino: voto contra o parlamentarismo

Com os poderes minimizados, João Goulart pôde voltar ao Brasil e assumir o cargo. Os ministros militares haviam concordado com essa solução, depois de examinarem bem a minuta do texto e se certiticarem de que ele não poderia extrapolar do poder. Todos os setores envolvidos no conflito entenderam que a adoção do parlamentarismo era a saída mais viável para evitar o risco de uma guerra civil.

Duas tentativas no País

O parlamentarismo foi implantado em duas oportunidades no País, mas não prosperou. Durante a Monarquia, em 1847, um decreto criou o cargo de presidente do Conselho de Ministros, indicado pessoalmente pelo Imperador. Inspirado no modelo inglês, nada tinha a ver com ele, entretanto, pois o Poder Legislativo não nomeava o Executivo, mas subordinava-se a ele, no caso ao Imperador. Este, na verdade, centralizava o poder, junto com seus ministros. O poder moderador exercido pelo monarca permitia-lhe nomear primeiros-ministros mesmo sem o apoio da maioria parlamentar.

Na República, de setembro de 1961 a janeiro de 1963, o Brasil viveu sob o sistema parlamentarista. Cabia ao presidente a indicação do primeiro-ministro e a formação do Gabinete, que deveria ser aprovado por 2/3 do Congresso Nacional. O primeiro Gabinete foi liderado por Tancredo Neves e reuniu representantes dos principais partidos políticos, em especial a UDN e o PSD. O presidente era quem indicava ao Parlamento o nome do primeiro-ministro, e a direção do país, na prática, continuava nas mãos dele. Foi uma solução casuística, uma medida de emergência que não levou em conta o debate político e popular.


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