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9 de maio de 2011
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05:29

Para se repensar a legislação anti-drogas

Por
Sul 21
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O relatório da Comissão Brasileira Sobre Drogas e Democracia (CBDD), recém divulgado, constitui alerta importante sobre a inoperância do combate às drogas e oferece oportunidade excelente para se reabrir a discussão sobre a política de drogas adotada hoje no Brasil e em boa parte do mundo.

Segundo o relatório, “alcançar um mundo sem drogas, como proclamado pela ONU em 1988, revelou-se um objetivo ilusório. A produção e o consumo clandestinos mantêm-se apesar do imenso esforço repressivo. Além dos cultivos, uma nova geração de drogas sintéticas espalhou-se mundo afora. O estigma dificulta a prevenção e o tratamento, que são fundamentais. (…) No Brasil, o mercado de drogas ilícitas age abertamente, oferecendo seus produtos à luz do dia. Esse mercado, altamente capitalizado, consegue sobreviver inclusive graças a seu poder de corromper nossas instituições. A associação entre drogas ilícitas e armas gera um ambiente de grande violência e insegurança”.

Dados do Ministério da Justiça do Brasil corroboram as conclusões do relatório da CBDD. De acordo com as informações divulgadas por aquele órgão federal, desde 2006, quando entrou em vigor a nova Lei de Drogas no Brasil, verificou-se um aumento vertiginoso das prisões por tráfico de drogas ilícitas no país sem que tenha ocorrido diminuição significativa do seu consumo. Nos últimos quatro anos, o número de pessoas que estavam encarceradas por este tipo de crime passou de cerca de 45 mil para 86 mil. Crescimento que foi ainda mais significativo entre as mulheres, cujo número de encarceradas por envolvimento com o tráfego de drogas aumentou de 23% das detidas em presídios em 2006 para 50% em 2010.

Pesquisa publicada em 2009 pela Secretaria de Assuntos Legislativos (SAL) do mesmo Ministério da Justiça, tratando das peculiaridades das condenações por tráfico de drogas no Brasil (“Tráfico e Constituição, um estudo sobre a atuação da Justiça Criminal do Rio de Janeiro e do Distrito Federal no crime de drogas”), informa que “a maioria dos condenados por tráfico de drogas no Brasil são réus primários, foram presos sozinhos, com pouca quantidade de drogas e não tem associação com o crime organizado” – 70% dos processos nas varas criminais do DF referem-se a presos com quantias inferiores a 100 gramas de maconha enquanto que 50% dos processos no RJ são de presos com quantidade inferior a 100 gramas.

Não obstante este fato, dados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen) confirmam que os crimes de tráfico de entorpecentes constituem a segunda incidência nos presídios brasileiros, ficando atrás apenas dos crimes contra o patrimônio. Do total de 428.713 crimes tentados/consumados por detentos do sistema penitenciário brasileiro em dezembro de 2010, 106.491, ou 28,8%, eram relativos ao tráfico de entorpecentes enquanto 216.180, ou 50,4%, referiam-se a crimes contra o patrimônio.

A conclusão inevitável a que se chega é a de que os grandes traficantes não são presos nem punidos e de que o rigor das punições impostas aos pequenos traficantes tem sido insuficiente para coibir o tráfico e para impedir o consumo das drogas ilícitas. O que se tem produzido é o aumento constante da população carcerária e da necessidade de construção de novos presídios, ao mesmo tempo em que se aumenta a delinquência e a violência na sociedade, na alimentação de um círculo vicioso, perverso e interminável.

É mais do que hora de se repensar, sem preconceitos, a política anti-drogas no país. A experiência acumulada com a repressão ao consumo de álcool e de fumo deveria ser aplicada agora para se adotar uma nova postura na repressão ao consumo das drogas. A imposição da “lei seca” – nos EUA, na década de 1930, ou na Inglaterra, no século XIX – gerou um aumento descontrolado tanto do consumo quanto da violência e das doenças decorrentes do uso do álcool.

Foi apenas com a descriminação e a regulamentação da produção e do consumo do álcool, definindo-se locais e horários em que ele podia ocorrer, bem como se impondo um eficiente controle de qualidade na sua produção e um elevado nível de taxação à sua fabricação e consumo que se conseguiu diminuir a violência e as mazelas decorrentes de seu uso, bem como gerar recursos públicos para financiar o tratamento dos seus dependentes.

O consumo do tabaco, por sua vez, só passou a diminuir no Brasil e em todo o mundo depois que se passou a utilizar os recursos decorrentes de sua taxação em campanhas maciças de esclarecimento sobre os malefícios decorrentes do seu uso, tanto para os seus usuários quanto para os que convivem com eles, os chamados fumantes passivos. Também a incidência de doenças decorrentes do uso do tabaco começou a diminuir depois que se passou a regulamentar a produção e a adição de produtos à sua fórmula, bem como a dificultar a publicidade dos seus derivados, como os charutos, cigarros e cigarrilhas.


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