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17 de maio de 2011
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23:14

Movimento popular preferiu apelar por Jango a chorar por Jânio

Por
Sul 21
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Movimento popular preferiu apelar por Jango a chorar por Jânio
Movimento popular preferiu apelar por Jango a chorar por Jânio


Lorena Paim

Povose concentra em frente ao Palácio Piratini, na defesa da Constituição e da liberdade - Foto: Acervo Fotográfico do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

Quando Jânio Quadros renunciou, em 25 de agosto de 1961, não aconteceu o clamor popular que, talvez ele pensasse, iria reconduzi-lo ao poder. Na cobertura da imprensa, o que se vê é um ex-presidente solitário, que logo pega um navio em Santos (SP) para levá-lo à Europa junto com sua família. As fotos mostram manifestações isoladas, alguns abraços, poucos carros acompanhando-o no trajeto de São Paulo ao litoral.

No Rio de Janeiro, os jornais noticiam a greve dos ferroviários da Leopoldina, que abrange a Guanabara, Minas Gerais e Espírito Santo, num apelo para que Jânio reconsidere sua decisão. O Movimento Popular Jânio Quadros também pede o retorno do ex-presidente, assim como o fazem dirigentes de sindicatos de trabalhadores e de servidores da Guanabara. Mas a greve da Leopoldina é logo suspensa. E a reação popular volta-se à pressão pela posse do vice, João Goulart, que estava em viagem ao exterior.

Definida e sacramentada a posse de Ranieri Mazzilli, fica claro que Jânio não voltará a governar o país. Estudantes e líderes sindicais formam a Frente de Resistência Democrática (FRD), e aparecem, a todo instante, manifestações de apoio à legalidade – da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da União Nacional de Estudantes (UNE), de intelectuais como Alceu Amoroso Lima, Aurélio Buarque de Holanda, Darcy Ribeiro, Jorge Amado, Dinah Silveira de Queiroz. No livro A Rebelião da Legalidade, o autor Vivaldo Barbosa conta sobre seu sentimento, ao dirigir-se à Cinelândia, centro dos protestos no Rio: “Interessante é que ninguém comandava, ninguém liderava, tudo ia por instinto”.

Enquanto na Guanabara (atual RJ) a repressão do governo Carlos Lacerda colocou a polícia nas ruas e censurou a imprensa, no Rio Grande do Sul a sociedade pôde reagir livremente. Foi decretado feriado bancário no país, as escolas fecharam e a população saiu às ruas, principalmente em Porto Alegre. A direção da UNE se refugiara no estado, após a destruição de sua sede no Rio. A constituição dos comitês de resistência democrática permitiu a expansão do movimento pelo estado. Na sede do prédio do Mata-Borrão, em Porto Alegre, a movimentação acontecia dia e noite. Os chamados batalhões populares percorriam as ruas: dos universitários, dos tranviários (dos bondes), dos marítimos, dos ferroviários, dos CTGS, dos escoteiros, dos bancários, dos intelectuais e muitos outros, segundo cita Vivaldo Barbosa.

Intelectuais e estudantes protestam

A Associação Profissional dos Jornalistas do Distrito Federal foi uma das muitas entidades a pregar a solução constitucional para o país. Em Porto Alegre, a categoria foi mais adiante: muitos jornalistas que faziam a cobertura no Palácio Piratini acabaram aderindo à causa da Legalidade.

Erico Verissimo: "Ficai ao lado da legalidade nesta hora dramática da vida nacional "

Um dos destaques em Porto Alegre foi a divulgação nos jornais de um manifesto do escritor Erico Verissimo. A seguir, um trecho:

“Aos meus amigos e leitores de todo o Brasil: de Porto Alegre, onde vivo e trabalho; de Porto Alegre, de onde vos mando meus livros, nos quais sempre deixei bem claro meus desejos de justiça social e de respeito aos direitos humanos, eu vos dirijo um apelo e vos dou conhecimento de um protesto. O apelo aqui está. Ficai ao lado da legalidade nesta hora dramática da vida nacional exigindo que seja cumprida a Constituição. O protesto eu o lanço na face daqueles que, por meio do golpe de Estado ridículo e ao mesmo tempo sinistro, tentam interromper o processo democrático, ameaçando atirar o país numa guerra civil”.

O Teatro de Equipe transformou-se em comitê de artistas e intelectuais. No local, eram produzidos cartazes, textos de propaganda e até o Hino da Legalidade, composto pelo ator Paulo César Pereio e a poetisa Lara de Lemos. Eles integravam o Comitê de Resistência Democrática dos Intelectuais, que tinha gente de teatro, de cinema, radialistas, jornalistas, escritores. Como a mobilização era intensa, o pequeno teatro no centro da capital gaúcha suspendeu as apresentações da peça O Despacho, de Mário de Almeida, já que o elenco e os técnicos estavam dedicados a outro tipo de atividade. As informações sobre esse engajamento eram dadas pela coluna de Teatro do jornal Folha da Tarde, assinada pelo diretor e crítico Fernando Peixoto. Das montagens do Equipe, participavam artistas como Paulo José, Paulo César Pereio, Ítala Nandi, Lilian Lemmertz, Milton Mattos e Ivette Brandalise.

Sem unidade

O professor de Sociologia Rodrigo Czajka, da Universidade Federal do Vale do Jequitinhonha e Mucuri (MG), que pesquisou a militância de intelectuais na década de 60, considera que não houve unidade em relação ao apoio à Legalidade. Segundo ele, muitos escritores “namoraram com a Legalidade”, como Antonio Callado, Otto Maria Carpeaux, Carlos Heitor Cony. Muitos desses nomes, diz ele, foram mais tarde participar da resistência ao golpe militar, por meio de várias ações.

Antônio Callado: escritor apoiou a Legalidade

Na visão do professor, o PCB – Partido Comunista Brasileiro “não via com bons olhos a campanha da Legalidade, apesar da efusão popular do período. Não vemos relação direta, de fato, entre as propostas do PCB e as de Brizola. Também influiu o fato de o movimento ter tido uma condensação no Sul. O PCB propunha uma aliança de classes de frente ampla, enquanto Brizola pensava em outra articulação que não passava pela negociação. Naquele momento da vida nacional, a radicalidade de Brizola era maior do que a do próprio PCB”, observa. No Rio Grande do Sul, no entanto, os comunistas estavam ao lado de Brizola, como contou, em seu testemunho, o jornalista João Aveline.

Prontos para lutar

O jornalista Norberto Silveira, em seu livro Reportagem da Legalidade, calcula que “mais de cem mil civis em todo o Estado, sem contar inativos e reformados das Forças Armadas, já se alistaram prontos a lutar …” Na capital gaúcha, funcionavam, por exemplo, o Batalhão Praiano, o Batalhão Universitário, o Batalhão das Vilas Populares, o Batalhão Tiradentes. Os estudantes tinham seu posto central no Restaurante Universitário e ali organizaram o Serviço Médico da Legalidade, com a participação de acadêmicos de Medicina, Enfermagem, Farmácia e Odontologia.

Alunos do Colégio Júlio de Castilhos acreditaram no movimento

O colégio estadual Júlio de Castilhos foi um dos mais atuantes. Hoje, aos 74 anos, Paulo Luís Boer da Silva, o Paulo Joalheiro, lembra, em entrevista ao Sul 21, que era o presidente do grêmio estudantil daquela escola, embora fosse mais velho que os colegas. Ele retornara ao Julinho, depois de um período fora da escola. Cursava o terceiro ano do Clássico. “Naquela época a gurizada viveu aquilo com amor. A gente apoiou a Legalidade e todo mundo saía em passeatas, indo até o Palácio Piratini. Eu acreditava que o movimento estava certo. Aliás, os estudantes participavam de tudo o que julgavam sério. Os professores nos respeitavam e alguns nos apoiavam, não abertamente, para não entrar em conflito com a direção”.

Adesão e preparativos

A preparação para um eventual enfrentamento com as Forças Armadas envolvia o Hospital de Pronto Socorro, a Cruz Vermelha Brasileira e a colocação de veículos das repartições públicas à disposição do governo Brizola. “Mais de cem jornalistas receberam revólveres de grosso calibre e farta munição para enfrentar qualquer ataque à cidadela da legalidade”, diz o autor Norberto Silveira. Segundo ele, era “incalculável” o número de mensagens de apoio que chegavam ao governo: “os telegramas e ofícios amontoam-se em diversas repartições do Palácio Piratini, e grande número de funcionários foram destacados unicamente para classificá-los”. O escritor relata curiosidades: “Em Soledade, os CTGs mobilizados mas sem armas resolveram de forma simples o problema de encarar qualquer refrega. Das tradições farroupilhas, recuperaram a ideia das lanças de madeira e as fabricaram em grandes quantidades”.

Dom Luís Vítor Sartori, bispo de Santa Maria, ofereceu abrigo a João Goulart

Também foi importante o papel da Igreja, no sentido de achar uma solução pacífica e constitucional. E mais: “O bispo de Santa Maria, D. Luís Vítor Sartori, oferece-se para abrigar João Goulart no palácio episcopal daquela diocese”. De Sapucaia, cidade da Região Metropolitana, saiu uma procissão em direção ao túmulo do Padre Reus, em São Leopoldo, num trajeto de oito quilômetros, para rezar pela paz.

Mas, mesmo assim, o temor de uma guerra civil assustou parte da população de Porto Alegre, que fugiu para o interior do estado. Norberto Silveira constata que, em épocas normais, saíam pela Estação Rodoviária em média três mil pessoas a cada fim de semana; naquele agosto/setembro de 1961 esse número subiu para dez mil.


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