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10 de maio de 2011
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23:43

Jango pediu que sua viagem à China fosse autorizada por escrito

Por
Sul 21
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João Goulart: brinde ao imprevisídel - Foto: Acervo Fotográfico do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

Lorena Paim

A viagem do vice João Goulart à República Popular da China, à União Soviética e a outros países do Oriente, em 1961, foi apoiada pelo presidente da República. Nesse sentido, Jânio Quadros foi um visionário, pois acreditava que a aproximação com os chineses traria benefícios econômicos aos brasileiros. O PTB de Jango, por sua vez, vinha defendendo o reatamento das relações com a China comunista e, assim, a programação foi de consenso.

O que não se sabia era que, em meio a este périplo, o País ficaria sem seu presidente eleito e a sucessão natural estaria ameaçada. João Goulart, que viajou como chefe de uma missão econômica e parlamentar, levou 31 dias para voltar ao Brasil, onde só desembarcou com a certeza de que assumiria a presidência no lugar de Jânio, mesmo que sob o regime parlamentarista.

Na madrugada do dia 26 de agosto, quando se encontrava em Cingapura, um dos pontos do roteiro, Jango recebeu a notícia da renúncia de Jânio. Seu secretário de imprensa, Raul Ryff, bateu forte à porta do quarto para lhe transmitir a preocupante novidade. E um telefonema da agência internacional de notícias Associated Press chegaria logo no Hotel Raffles, onde se hospedava, ratificando a informação.

Na hora do café da manhã, o senador Barros Carvalho, integrante da comitiva, sugeriu abrir uma garrafa de champanha para brindar ao novo presidente do Brasil. Cauteloso, como era de seu temperamento, Jango observou que a situação ainda estava indefinida. E disse: “Se você quer tomar champanhe vamos tomar. Não sou contra. Mas não para saudar o novo presidente da República, e sim o imprevisível.” (ou o imponderável, segundo algumas fontes).

Encontro com Mao

Os acontecimentos políticos daquele agosto de 1961 foram tão fortes que pouco se falou, posteriormente, sobre os resultados da missão à China. Os defensores dessa viagem lembram que o pioneirismo valeu, pois o ex-presidente Richard Nixon só aceitou a inclusão do mercado chinês e da própria China nas relações com os Estados Unidos, dez anos depois.

A viagem dos brasileiros começou a ser definida quando, em 5 de julho, a Câmara de Deputados autorizou a presença do vice-presidente na delegação econômica ao Leste Europeu e Oriente. O convite para visitar a China teria sido feito ao próprio Jango. Este, precavido, pediu que a autorização para a sua viagem fosse transmitida por escrito. O que acabou acontecendo, com um comunicado neste sentido endereçado ao Itamaraty.

Em Paris, o vice se juntou aos demais integrantes da missão: quatro representantes do Congresso (os senadores Franco Montoro e Antônio de Barros Carvalho, e os deputados Dix-Huit Rosado e Gabriel Hermes), além de Evandro Lins, Dirceu de Pasca, João Etcheverry, Raul Ryff e os componentes da missão comercial.

O filme do cineasta Silvio Tendler, Jango, começa mostrando a visita de Jango à China — às cidades de Hangchow, Cantão e Pequim, sendo recebido pessoalmente por Mao Tsé-Tung. Em Hangchow, Mao recepcionou a comitiva com um almoço composto por variados pratos da culinária local. Depois, o líder comunista e Jango tomaram chá e conversaram bastante sobre os respectivos países, com perguntas interessadas por parte do anfitrião. No contexto da Guerra Fria, essa aproximação revelaria a independência da política externa brasileira. O vice-presidente foi o primeiro político latino-americano a desafiar o alinhamento automático com os EUA, por causa de sua visita à URSS e à China.

Ao discursar no Congresso do Povo, durante a programação oficial, João Goulart declarou, enfático: “Viva a amizade cada vez mais estreita entre a China Popular e os Estados Unidos do Brasil, viva a amizade dos povos asiáticos, africanos e latino-americanos!”.

Cada um com sua responsabilidade

Diante das incertezas sobre o que fazer, após tomar conhecimento da renúncia, João Goulart teria dito: “Está encerrado o assunto. Vou para o Brasil, vou tentar assumir, mas que cada um assuma a sua responsabilidade perante a história. A minha, de acordo com a Constituição brasileira, é ir para o Brasil para assumir a presidência. É o que eu vou fazer. O resto não está me interessando no momento.”

Depois de muitos telefonemas, a vários interlocutores políticos (mas não a Brizola), Jango apressou sua volta. Chegou a Paris com pretensão de regressar imediatamente ao Brasil. Mas recebeu, no hotel George V, onde estava, informações telefônicas de que os ministros militares ameaçavam prendê-lo tão logo desembarcasse no País. Na capital francesa, recebeu a visita de políticos brasileiros que foram prestar solidariedade e sondá-lo sobre os próximos passos.

Jango chegou a Porto Alegre vindo de Montevidéu em um Caravelle da Varig - Foto: Acervo Fotográfico do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

Jango preferiu fazer a rota aérea de volta pelo Pacífico, a fim de chegar ao Brasil pelo Rio Grande do Sul, onde poderia contar com o apoio da Legalidade coordenada pelo governador Brizola. Em escala em Nova Iorque, concedeu entrevista à imprensa. Mas, ao chegar a Buenos Aires, ficou retido no aeroporto durante três horas, em virtude do dispositivo militar armado pelo governo argentino. Conseguiu ir para um hotel, mas, como percebeu que não estava seguro no país, resolveu seguir viagem. Não sem antes declarar a um jornalista: “Vou ao Brasil tomar posse”.

Partiu então para Montevidéu, onde era esperado no aeroporto pelo ministro das Relações Exteriores do Uruguai. Também pôde contar com o apoio de manifestantes que estavam no local. Na embaixada do Brasil, manteve longa conversação com os deputados Tancredo Neves e Hugo de Faria, que lá se encontravam para convencê-lo a aceitar a adoção do regime parlamentarista.

Em 1º. de setembro, a bordo de um avião Caravelle, Jango desembarcou em Porto Alegre, sendo recebido com enorme manifestação popular. O Caravelle, providenciado por Brizola com a Varig, saíra do Uruguai com o vice, acompanhado por outro avião repleto de jornalistas que faziam a cobertura da crise. Da capital gaúcha, após milhares de quilômetros voados, noites insones e dezenas de entrevistas a jornalistas brasileiros e estrangeiros, João Goulart partiu em direção a Brasília, para assumir o governo federal.


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