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26 de abril de 2011
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22:15

Unidos pela Liberdade!

Por
Sul 21
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Povo se concentra em frente ao Piratini - Foto:José Abraham

Rafael Guimaraens

Sou dos que considera o Movimento pela Legalidade, se não o principal, o mais interessante episódio político da história gaúcha do século 20. Uma espécie de curta-metragem da Guerra dos Farrapos. Em vez de dez anos de luta incessante contra o poder imperial, foram apenas dez dias de enfrentamento a uma tentativa de golpe, dos quais emerge a figura altiva e corajosa de Leonel Brizola, mas também uma série de outras coisas geralmente subestimadas.

A síntese reducionista que costuma aprisionar o episódio da Legalidade à biografia de Brizola dificulta a compreensão de uma história muito rica e decisiva para a formação de uma ideia de cidadania perfeitamente incorporada ao perfil dos porto-alegrenses, que anos mais tarde redundaria na escolha da cidade como sede do Fórum Social Mundial.

Esta proposta de uma abordagem leva em conta duas questões principais.

Primeiro: quem era o Brizola que liderou a Campanha da Legalidade?

Segundo: quem eram os porto-alegrenses que foram para a frente do Palácio Piratini manifestar sua indignação e ali se mantiveram, mesmo com ameaças de bombardeio?

Brizola estava envolvido em uma acirrada disputa política e pessoal contra o governador da então Guanabara Carlos Lacerda, uma esgrima de réplicas e tréplicas através da imprensa. Lacerda, que fora decisivo para a vitória eleitoral de Jânio Quadros, passou a combater o presidente eleito, em função de sua aproximação com o mundo comunista. Brizola, que apoiara o candidato derrotado Humberto Lott, tornou-se aliado político de Jânio e nesta condição integrou a delegação brasileira na Conferência Pan-Americana de Punta Del Este.

Brizola andava pelo Palácio armado com uma metralhadora - Foto: Reprodução

Conheceu Che Guevara e assistiu seus vigorosos e apaixonados discursos serem derrotados pela Aliança para o Progresso, a forma pela qual os Estados Unidos encheriam de dólares os países latino-americanos para evitar novas revoluções no continente.

Brizola voltou do Uruguai indignado e o espírito rebelde em efervescência.

Há exatos 10 anos, escrevi um livro chamado Pôrto Alegre Agôsto de 61 em que tento reproduzir o cotidiano da cidade no mês que culminaria com a renúncia de Jânio Quadros e a resistência ao golpe. Foi um mês especial. Como todos os brasileiros, os moradores da capital sentiam no seu orçamento a acelerada elevação dos preços de gêneros de primeira necessidade, mas não permaneceram quietos. Pela primeira vez na história foi criado um Comitê contra a Carestia, que uniu sindicalistas, estudantes e associações de moradores. Sofriam ainda com as constantes quedas de luz e abastecimento de gás, sem falar que o mês começou com uma greve dos motorneiros de bonde e que várias outras categorias importantes de trabalhadores — inclusive os servidores públicos estaduais — se encontravam mobilizadas em seus respectivos dissídios salariais.

No dia em que Jânio renunciou e, logo a seguir, os ministros militares vetaram a posse de João Goulart, quando Brizola telefonava para o centro do país em busca de mais informações, uma multidão se reunia na Praça Montevidéu, diante da Prefeitura. A perplexidade de todos estava na voz de sindicalistas, com discursos ainda imprecisos. Muitos se dirigiram dali para o Palácio Piratini, antes que Brizola anunciasse a resistência.

A Legalidade não aconteceria se estivesse no Piratini outro governador sem a ousadia de Leonel Brizola, assim como seu chamamento à resistência teria menos efeito se a população de Porto Alegre — ou boa parte dela — não estivesse propensa à mobilização a partir de questões reais de seu cotidiano. Este estado de ânimos produziu uma enorme frustração popular com o desfecho da Legalidade — a posse de Jango casada com a emenda parlamentarista — algo que tem sido também subestimado. Como na Guerra dos Farrapos, é muito mais conveniente a ideia de um movimento heróico e vitorioso.

O episódio fez renascer a profunda divisão do país que marcou o segundo governo de Getúlio Vargas e esteve subsumida no desenvolvimentistas e abrangentes anos JK e nos confusos meses JQ. De um lado, alinham-se com o novo presidente os setores favoráveis às reformas: grupos nacionalistas, sindicatos, movimentos pela reforma agrária e estudantes. De outro, consolida-se o pensamento de Direita, organizado pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), criado por Golbery do Couto e Silva logo após a Legalidade. Terá como base a classe média com pretensões de ascensão social, cujo anticomunismo será alimentado diariamente pelas manchetes dos grandes jornais.

Esta é a abordagem que desenvolvo no livro Unidos Pela Liberdade!, a ser publicado em breve pela Editora Libretos.

* Jornalista, autor dos livros Pôrto Alegre Agôsto de 61, Tragédia da Rua da Praia, Trem de Volta — Teatro de Equipe, Teatro de Arena — Palco de Resistência, Tragédia da Rua da Praia, Abaixo a Repressão, A Enchente de 41 e Rua da Praia — Um Passeio no Tempo.


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