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27 de abril de 2011
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23:30

O dia em que Jânio abandona o poder dizendo ser vítima de forças terríveis

Por
Sul 21
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Militares não gostaram da condecoração dada por Jânio a Che Guevara – Foto: Reprodução

Rui Felten

O governador Leonel Brizola e os comandantes regionais do Exército, da Marinha e da Aeronáutica estavam com tudo pronto para receber a visita do presidente Jânio Quadros a Porto Alegre em 26 de agosto de 1961. Mas na sexta-feira, 25, um dia antes de ele aterrissar na Base Aérea de Gravataí (o aeroporto ficava no bairro Chácara Barreto, sendo que o fim da pista fse aproximava do Rio Gravatai,estando o Quartel General da Aeronáutica em Canoas), onde o avião presidencial Viscount deveria pousar às 11 horas do sábado, o país foi surpreendido pela notícia de que Jânio renunciara ao poder. Antes de o fato virar notícia nacional, Jânio despachou com assessores na manhã de 25 de agosto e depois, homenageado com honras militares e salva de canhões, assistiu ao desfile comemorativo do Dia do Soldado, em Brasília.

Encerrada a solenidade, comunicaria ao ministro da Justiça e de Negócios Interiores, Oscar Pedroso Horta, a sua decisão de deixar o governo, apenas sete meses depois de ter sido empossado com o aval da preferência de 5.636.632 eleitores — a maior votação, até aquele momento, obtida por um candidato a presidente da República no Brasil. A justificativa de Jânio foi exposta no último dos costumeiros bilhetes com os quais se comunicava com sua equipe e com parlamentares. De maneira objetiva, como sempre, afirmou que deixava o governo porque vinha sendo perseguido por “forças terríveis”.

Ministro da Justiça também entrega o cargo

Por volta das 16h, o presidente do Senado e do Congresso Nacional, Auro Moura Andrade (1915-1983), recebeu Pedroso Horta em seu gabinete. “O ministro parecia profundamente emocionado, e essa emoção pareceu-me crescer à medida que iniciava as suas palavras”, contou Moura Andrade, anos mais tarde, no livro “Um Congresso Contra o Arbítrio — Diários e Memórias — 1961-1967”, publicado depois de sua morte, em 1985, pela Editora Nova Fronteira.


Ministro da Justiça, Pedroso Horta, entregou o bilhete de Jânio ao presidente do Congresso – Foto: Reprodução

Moura Andrade, na verdade, já havia lido o bilhete, e o ministro percebera isso assim que lhe passou o papel, conforme está registrado no livro. Ao despedir-se, Pedroso Horta anunciou que, a partir dali, não era mais ministro, porque considerava cumpridos os últimos atos que o cargo lhe determinava. “Se a Câmara o desejar, que me processe pelos canais competentes”, concluiu. “Foi nesse instante que me dirigi a ele pela primeira vez”, relatou Moura Andrade. Disse o senador: “Senhor ministro Pedroso Horta, desejo indagar-lhe se o presidente Jânio Quadros está consciente das consequências que advirão, para a ordem econômica e social, militar e política do país, de seu gesto de renúncia”. A resposta foi de que Jânio estava perfeitamente consciente, mas não havia outra decisão a ser tomada.

Moura Andrade lançou outra pergunta: “Senhor ministro, o presidente Jânio Quadros está consciente de que o ato de renúncia que praticou é um ato de vontade e que, uma vez conhecido do Congresso Nacional, se torna irreversível?” Aparentemente surpreso, Pedroso Horta teria respondido: “Como Vossa Excelência e eu, o ex-presidente também é advogado. O senhor Jânio Quadros já não se acha em Brasília. Passou o governo aos três ministros militares às 10 horas da manhã, deixando ordem para que só se desse conhecimento de sua renúncia às 3 horas da tarde, e seguiu para São Paulo, onde se acha no Palácio dos Campos Elíseos, e para lá me dirijo neste momento, assim que deixe o gabinete de Vossa Excelência”.

Considerando insuficientes as explicações de Jânio naquele pequeno bilhete, Moura Andrade insistiu com Pedroso Horta para que ficasse mais um pouco e lhe falasse mais sobre as razões que haviam levado o presidente a abdicar. Ressaltou que, como presidente do Congresso, estava inteiramente à disposição para intervir, restabelecer a verdade constitucional e o mandato presidencial. “Isto lhe disse com firmeza e total convicção de que o Congresso não me faltaria para um ato desta ordem”, contou Moura Andrade. As últimas palavras que ouviu do ministro foi de que Jânio Quadros havia cometido um ato voluntário e que tudo era simples assim: “O presidente não quer mais ser presidente”.


Moura Andrade leu a renúncia de Jânio – Foto: Reprodução

Pedroso Horta cruzou a antessala do gabinete de Moura Andrade cercado por jornalistas sedentos por alguma informação ainda não revelada. Ele apenas entregou a um dos repórteres uma pasta, dizendo que ali estavam cópias do manifesto de Jânio. Rumou dali para o aeroporto, para embarcar a São Paulo.

Renúncia teria sido um blefe do presidente

Novamente sozinho com seus pensamentos, Moura Andrade estava convencido de que Jânio Quadro, ao renunciar, fizera nada mais do que exercer a sua vaidade, na expectativa de que retornaria ao poder reconduzido pelos militares, “para fechar o Congresso, cessar a democracia, revelar-se o que sempre foi: o vilão, a quem só faltava o bastão”. Avaliação idêntica é feita por Antonio Silveira da Silva, que na época era cadete do curso de Formação de Oficiais da Brigada Militar e participou das operações militares da Campanha da Legalidade, em que o governador Brizola mobilizou o país no enfrentamento às Forças Armadas, que não queriam o vice-presidente João Goulart no lugar de Jânio Quadros na presidência da República.

Com base no que observara e em depoimentos de Brizola e de oficiais da corporação militar gaúcha, o ex-cadete escreveu o livro “A Brigada Militar e a Legalidade” (Editora Nova Fronteira, 1989). Diz ele: “Jânio Quadros resolveu apostar em uma atitude desassombrada, mas que, infelizmente, para ele, não surtiu o efeito desejado e projetado. Renunciando, pretendia logo voltar ao poder com o apoio total do povo e, deste modo, com força suficiente para fechar o Congresso. Aconteceu, no entanto, que a nação, a qual com admiração e entusiasmo vira há tão pouco Jânio galgar o Palácio do Planalto, assistia, agora, com passividade e indiferença, à queda do presidente, antes tido como homem de inabalável prestígio”. Enfim, afirma Silveira da Silva, “Jânio Quadros calculou, jogou e deu-se mal”.


Golpe arquitetado por Jânio não deu certo – Foto: Reprodução

O então comandante do III Exército, general José Machado Lopes (1900-1990), que também escreveu um livro sobre o tema, com o título “O 3º Exército na Crise da Renúncia de Jânio Quadros” (Editorial Alhambra, 1980), é outro que se colocou na fileira dos que pensaram dessa forma. “Teria o senhor Jânio Quadros procurado dar um golpe, tão propício à sua índole, ou pensado em permanecer no governo, por imposição do povo, com todos os poderes de um verdadeiro ditador? Tudo leva a crer que era essa a sua intenção. Faltando-lhe a coragem necessária para fechar ou dissolver o Congresso, o expediente da renúncia talvez desse resultado”, pensava o general.

Mas ele afirmou também não restar dúvida de que a razão da renúncia estava, por outro lado, no espírito autoritário do presidente. Segundo Machado Lopes, Jânio não suportava críticas e muito menos que seus atos de governo fossem contestados. “Como suportar a voz do governador Carlos Lacerda [da Guanabara] recriminando a orientação de sua política externa? Tanto mais quando o mesmo governador denunciava à nação a tentativa do senhor ministro da Justiça, senhor Pedroso Horta, de aliciá-lo para um golpe político contra as instituições democráticas: um golpe branco pelo qual, colocando em recesso o Congresso Nacional, abrir-se-ia ao Executivo o campo para uma série de reformas, posteriormente submetidas a referendo nacional”, disse o comandante.

Lacerda e a UDN sentiram-se traídos

A denúncia de Lacerda a que Machado Lopes se referiu foi feita em rede estadual de televisão, na noite anterior à renúncia do presidente. O governador da Guanabara, que já vinha minando entre os militares e a opinião pública a convicção de que Jânio estava ao lado dos comunistas, disse na TV que tinha sido convidado por ele, por intermédio do ministro Pedroso Horta, a participar de um golpe.

Carlos Lacerda seria uma das “forças terríveis” das quais Jânio Quadros se dizia vítima. Embora tenha sido o grande articulador para que Jânio fosse o candidato apoiado pela conservadora UDN (União Democrática Nacional), Lacerda e o partido sentiram-se traídos por ele depois de eleito. Em vez de defender o latifúndio, a propriedade privada e o capital estrangeiro, por exemplo, como desejava a UDN, Jânio Quadros apresentou projetos de lei propondo reforma agrária e a taxação de 30% sobre os lucros das empresas, fossem eles nacionais ou internacionais. Não bastasse, prestou homenagem ao líder revolucionário Che Guevara e se declarava favorável à aproximação do Brasil aos países socialistas — tanto que reatou relações comerciais do país com a União Soviética e a China.


Carlos Lacerda: de amigo a inimigo de Jânio – Foto: Reprodução

Também o senador Padre Calazans, amigo de Jânio e que tinha sido um grande companheiro dele durante a campanha eleitoral, não estava gostando de suas atitudes como presidente. “Política se faz com seriedade, menos uísque e menos outras coisas”, teria dito logo depois da renúncia, numa clara ironia à fama de Jânio Quadros de abusar do álcool. Do ministro da Guerra, Odilio Dennys, Jânio teria recebido, um dia antes da renúncia, um manifesto das Forças Armadas contendo as discordâncias militares com a maneira como ele vinha tratando os países socialistas.

Na Base de Aérea de Cumbica, em São Paulo, onde ficou por 22 horas depois de ter comunicado sua decisão de não governar mais o país, Jânio teria afirmado ao secretário de Imprensa da Presidência da República, o jornalista Carlos Castelo Branco: “Não farei nada para voltar, mas considero a minha volta inevitável. Dentro de três meses, se tanto, estará na rua, espontaneamente, o clamor pela reimplantação do nosso governo”. Nem a população, nem o Congresso, e menos ainda os militares, fizeram qualquer movimento para mantê-lo no poder.


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