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29 de abril de 2011
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23:50

“Da esperança, restou-nos uma enorme e frustrante decepção”

Por
Sul 21
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Franklin Cunha: notícia e convocação para luta vieram por meio de um telefonema

Nubia Silveira

Em 1961, o médico e escritor Franklin Cunha cursava o segundo ano da Faculdade de Medicina da Ufrgs. Soube o que se passava no país ao ser convocado para uma assembleia dos universitários. E logo se incorporou no pelotão da Medicina.

Sul21 — Como o senhor soube da renúncia de Jânio e do início da Legalidade?
Franklin Cunha —
Recebi a notícia através de um telefonema do Marco Aurélio Garcia. Ele me relatou o que estava acontecendo no país e me convocou para uma assembléia geral no RU.

Fui até lá e encontrei muitos estudantes universitários e secundaristas no pátio dos fundos e na frente do prédio, treinando ordem unida. Como os pelotões eram divididos segundo a faculdade que frequentavam, me incorporei ao da Medicina, comandado por Moacyr Scliar (Mico, seu apelido). Ele, logo que me viu, alcançou-me um cabo de vassoura — um eufemístico, porém, nobre fuzil. Como sabia que eu fora piloto da Varig até o primeiro ano da faculdade, de pronto me nomeou seu primeiro auxiliar nos exercícios de ordem unida.

Sul21 – Para o senhor, qual foi o fato mais marcante da Campanha da Legalidade?
F.C. —
Foi o comício da Praça da Matriz, onde milhares de pessoas aguardavam, com ansiedade e entusiamo, a chegada ao Piratini de Jango, que vinha da China, via Montevideu. Aguardávamos as armas que Brizola iria disitribuir à população. E, também, uma palavra incisiva e de luta para a qual o novo presidente da Nação iria, certamente, nos convocar.

Lembro-me, ainda hoje, as lágrimas que rolavam dos olhos e os gritos que saiam da boca de jovens e velhos ao ver Jango aparecer na sacada do Palácio.

Aí vem o fato marcante: o homem do momento, que poderia ter alterado os destinos da nação, que estava sendo apoiado pelas bases populares e pelos homens e mulheres oprimidos de Norte a Sul do Brasil, ficou cerca de meia hora agitando os braços em direção a milhares de cidadãos, que percebiam o golpe militar patrocinado pelas elites econômicas e políticas e … ficou só nissso. Da esperança, restou-nos uma enorme e frustrante decepção.

Sul21 — Que princípios, o senhor diria, orientaram a Campanha da Legalidade?
F.C. —
A Legalidade foi orientada pela obediência aos principios constitucionais: à queda de um presidente, sucede-o, óbvio, o vice. O fato de que nem o Congressso, nem os militares, nem os donos do poder econômico respeitariam esses princípos, impondo a ditadura e provocando um retrocesso social, econômico e institucional, levou a nossa luta e princípios a se orientarem pela antilógica do golpe militar, que era apoiado pelas forças mais conservadores e sócio-politicamente mais retrógradas do país.

Sul21 — Estes são princípios que ainda permanecem na política brasileira?
F.C. —
Sim, os princípios de legalidade e obediência constitucionais persistem no país, embora com certas dificuldades, devido às desorientações ideológicas, impostas pelas grandes armas que o poder econômico maneja. Estas poderosas armas são os meios de comunicação de masssas, totalmente manipulados.


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