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22 de abril de 2011
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16:11

Brizola foi batizado Itagiba, mas virou Leonel por admiração às revoluções

Por
Sul 21
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Rui Felten

O mais novo dos cinco filhos dos camponeses José e Oniva, nascido em 22 de janeiro de 1922, no vilarejo de Cruzinha – hoje interior de Carazinho e que na época pertencia ao município de Passo Fundo (RS) -, foi batizado com o nome de Itagiba de Moura Brizola. Um dia, enquanto brincava com uma espada de madeira, a irmã, Francisca, ouviu dele: “Eu sou Leonel Rocha”. Dali em diante, virou para sempre Leonel de Moura Brizola.

O Leonel com o qual o garoto sonhava se identificar tinha sido um caudilho que estivera à frente da Revolução de 1923 contra o governo continuísta de Borges de Medeiros, do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), e a favor de Joaquim Francisco de Assis Brasil. O conflito se prolongou por 11 meses e se encerrou com um acordo de paz – o Pacto de Pedras Altas, firmado na residência de Assis Brasil. Borges de Medeiros, vencedor de uma eleição acusada de fraudulenta, cumpriria o mandato até 1928, mas a Constituição (promulgada em 1891) foi alterada, extinguindo as reeleições e as indicações de intendentes (prefeitos) e dos vice-presidentes do Estado.

Vocação precoce para o combate

Leonel Brizola

A admiração  precoce de Brizola (que tinha apenas um ano e três dias quando começou a Revolução de 1923) pelo líder revolucionário já  revelava sua vocação para o combate na defesa do que acreditasse. Ainda menino, durante um passeio com Francisca – a Quita, como era chamada a irmã -, ele se mostrou indignado ao passar pelo prédio inacabado de uma escola pública estadual. A irmã respondeu: “Então estuda bastante, te forma engenheiro e te elege governador. Aí, tu terminas a escola”.

Dito e feito. Em fevereiro de 1949, Brizola concluía o curso de Engenharia Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Até chegar lá, o caçula de José e Oniva foi alfabetizado pela mãe e por uma professora de nome Tereza, estudou em uma escola do povoado de São Bento (onde a família também morou) e depois em Passo Fundo.

Aos 14 anos, conseguiu uma passagem de trem de segunda classe com a prefeitura de Carazinho (que se emancipara de Passo Fundo em 1931) e embarcou para Porto Alegre. Para ganhar o bilhete, teve a ajuda do reverendo metodista Isodoro Pereira, que o hospedara por um tempo em Carazinho enquanto ele estudava em um colégio da congregação.

O religioso  havia acomodado Leonel na igreja e lhe matriculado na escola depois que o garoto bateu a sua porta dizendo que queria estudar e que as despesas poderiam ser pagas com a venda de leite de uma vaca que ele tinha e estava aos cuidados do padrinho, Otávio. Também se colocou  à disposição para ajudar em tarefas domésticas. “Ele era um menino muito patriótico”, disse certa vez o prefeito de Carazinho naquela época, Albino Hildebrand, recordando que desde cedo o menino já fazia discursos entusiasmados.

A chegada à Capital sem conhecer ninguém

Brizola não conhecia ninguém ao desembarcar na Capital. “Na Estação da Viação Férrea, havia uma enorme agitação, uma gritaria de atordoar. De repente, percebeu alguém que gritava: Hotel Guaíba. E lá se foi para o hotel da Rua Voluntários da Pátria [Centro da cidade]”, lembra o ex-diretor regional da então Repartição Geral dos Telégrafos João Carlos Guaragna, autor do livro “Brizola, A Revoada do Exílio – Histórias de um Pombo-Correio” (Editora Rigel). A obra, lançada em 1992, começou a ser pensada por estímulo de Dona Neusa, mulher de Brizola e irmã do ex-presidente João Goulart, durante uma visita de Guaragna, em 1974, à fazenda La Manguera, em Villa Carmem, no Uruguai, onde o casal se exilou depois do golpe militar de 1964, quando Brizola era deputado federal pelo estado da Guanabara e foi cassado pelo novo regime. Ele foi o décimo nome de uma lista de 100 pessoas que tiveram os direitos políticos impedidos.

É Guaragna quem conta também como foi a vida do jovem Brizola logo na chegada a Porto Alegre: “ Ao procurar a Escola de Engenharia, foi informado de que ela havia sido extinta e, em seu lugar, surgira a Universidade Técnica do Rio Grande do Sul. Tudo havia mudado. Chegara fora de época e já não havia oportunidade para mais nada. Voltar para Carazinho, no seu entendimento, seria uma desmoralização. Decidiu enfrentar a adversidade e aguardar a reabertura das matrículas”.

Determinado a trabalhar no que fosse preciso para se sustentar, Brizola engraxou sapatos e foi ascensorista na Galeria Chaves (na Rua da Praia). O Hotel Guaíba, ele trocou por uma pensão de aluguel mais barato. Por algum tempo, fez o curso de técnico rural no Insituto Pinheiro Machado, no Morro Sant’Ana, e depois foi para a Escola Técnica de Agricultura de Viamão. Saiu com o diploma aos 17 anos.

Certa época, deparou-se com um anúncio no Parque da Redenção oferecendo emprego de jardineiro, para o qual ele se candidatou. Aceito na vaga, ganhou autorização para morar no pavilhão administrativo do parque. “Levou consigo seu amigo Genuíno [carpinteiro Genuíno Sordi, que dividira com ele um quarto de pensão na Voluntários da Pátria], fez um puxadinho, comprou um colchão e foi ficando. Fazia as refeições pela redondeza e à noite guardava os pavilhões da Diretoria de Parques e Jardins”, conta Guaragna.

Na faculdade, o envolvimento com política

Reprodução

Durante os estudos na Escola de Engenharia da UFRGS – onde ingressou aos 22 anos, em 1945, depois de concluir o curso Científico (equivalente ao segundo grau de hoje) -, Brizola envolveu-se na movimentação política que se desenrolava dentro e fora do ambiente universitário. Haveria eleições em 2 de dezembro, e um movimento chamado Queremismo (com o grito de “Queremos Getúlio”), com a participação de sindicalistas e operários, apoiava a permanência de Getúlio Vargas no poder. Brizola aliou-se ao sindicalista José Vecchio, líder do movimento. E depois que Vargas foi deposto, em 29 de outubro, ele ajudou o militante a organizar o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) no Rio Grande do Sul. Coligados, o PSD (Partido Social Democrático) e o PTB elegeram presidente o general Eurico Gaspar Dutra naquele ano.

Brizola disputou sua primeira eleição em 1947, elegendo-se deputado estadual constituinte aos 25 anos, com a 11ª colocação em número de votos (3.839). Na eleição seguinte, em 1950, concorreu novamente a deputado estadual e foi o candidato mais votado – teve a preferência de 16.691 eleitores. Foi também nesse ano, no dia 1º de março, que se casou com Neusa Goulart, na Fazenda de Iguariaçá, de propriedade do cunhado João Goulart, em São Borja, tendo Getúlio Vargas como padrinho.

O saldo de empreendimentos para a História

Em 1954 – três anos depois de ter perdido a eleição para prefeito de Porto Alegre por pouco mais de 1% dos votos -, Brizola conquista uma cadeira na Câmara Federal, de novo como candidato mais votado (103.000 indicações). Dois anos depois, derrota Euclides Triches e elege-se prefeito da capital gaúcha com 65% dos votos. Vitorioso também no pleito para escolha do governador em 1958, ele comandaria, três anos mais tarde, a Campanha da Legalidade, enfrentando a contrariedade das Forças Armadas e mobilizando milhares de pessoas a exigir que o vice-presidente João Goulart assumisse a presidência da República, abandonada por Jânio Quadros sete meses depois de ter sido empossado. Antes de ter que deixar o país, após o golpe de 1964, foi eleito deputado federal pelo estado da Guanabara com 300 mil votos.

Os investimentos em Educação ficaram na memória coletiva como o maior legado da carreira política de Brizola, que incluiu o cargo de secretário de Obras Públicas do Rio Grande do Sul, entre 1952 e 1954. Nos quatro anos em que governou o Estado, por exemplo, ele construiu 5.902 escolas primárias, 278 escolas técnicas e mais 131 unidades para abrigar ginásios, colégios e escolas do curso Normal (para formação de professores primários). Mas o reconhecimento vai além. “A administração do engenheiro Leonel Brizola como governador do Rio Grande do Sul notabilizou-se pela fecundidade em todos os setores e deixou um saldo de empreendimentos tão grande, talvez como nenhum outro em toda a história do Estado, que seus adversários nunca ousaram negar”, diz o autor do livro “Brizola e o Trabalhismo”, Moniz Bandeira.


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