Para religiosos, Papa não indicou nenhum candidato

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Para religiosos, Papa não indicou nenhum candidato
Para religiosos, Papa não indicou nenhum candidato

Fabio Pozzebom/ABr
Foto: Fabio Pozzebom/ABr

Felipe Prestes

Religiosos brasileiros afirmam que o papa Bento XVI não tinha o objetivo de favorecer um dos candidatos à presidência República ao dizer, nesta quinta-feira (28), a bispos brasileiros, que os sarcedotes devem emitir opinião políticas. Eles afirmam que o Papa pediu que os sacerdotes deem orientações para que os fiéis procurem saber se o que defendem os candidatos não vai de encontro ao que diz a doutrina da Igreja.
Em encontro realizado no Vaticano, Bento XVI disse a uma delegação de quinze bispos da região Nordeste que eles têm o “grave dever de emitir juízo moral, mesmo em matérias políticas” quando a questão envolver “os direitos fundamentais da pessoa”. Em seguida, fez alusão a “projetos políticos que contemplem, aberta ou veladamente, a descriminalização do aborto ou da eutanásia”, dizendo que estes projetos ferem os ideais democráticos. O Papa fez ainda apelo à manutenção de símbolos religiosos no espaço público e do ensino religioso nas escolas públicas no Brasil.

O bispo de Rio Grande, Dom José Mário Stroeher, acredita que o líder maior da Igreja Católica não fez referência indireta a qualquer candidato. O sacerdote argumenta, por exemplo, que as posições dos dois candidatos à presidência – a petista Dilma Rousseff e o tucano José Serra – quanto ao aborto divergem da posição do Papa. “Em questões de aborto existem reservas com os dois, porque um normatizou o aborto dentro daqueles casos permitidos por lei. Enquanto o outro uma vez declarou ser a favor da descriminalização, quando hoje declara que não é mais”, diz.

O bispo descarta, porém, que, por esse motivo, os católicos devam rejeitar os dois candidatos e lembra que não é o presidente quem poderia definir mudanças na legislação sobre o aborto. “A Igreja não diz que não votem, que se abstenham ou que votem em branco, mas que examinem bem a sua consciência. E depois nós sabemos também que não é o presidente que faz as leis. Não depende dele”.

Dom José Mário Stroeher afirma ainda ser contrário a que a Igreja indique ou vete candidatos a qualquer cargo eletivo. “Sou absolutamente contra que eu diga ou que os padres falem que não se vote em candidato A, ou se vote em candidato B. Isso seria posição político-partidária. Seria voto de cabresto. A Igreja, como tem fiéis em todos os partidos e quer que as pessoas sigam a sua consciência, é a favor de uma cidadania”, garante.

O bispo acredita que Bento XVI tenha, sim, feito referência indireta ao pleito eleitoral do próximo domingo (31), mas no sentido de que os católicos reflitam acerca das posições de cada candidato sobre questões em que a Igreja tem posição definida e também como um alerta aos dois candidatos. “Que as pessoas pensem bem e alertando os dois candidatos do segundo turno que estejam atentos à doutrina da Igreja. (…) Esta é a orientação da Igreja. Para os fiéis entenderem que sempre tenham em conta a vida”.

A Igreja não tem partido

O bispo de Jales-SP, Dom Demétrio Valentini, entendeu o recado do Papa de forma semelhante. “A fala dele não pode ser instrumentalizada. Não pode ser achado que ele falou sobre tal situação, ou tal outra situação. Ele nem cita candidatos. Ele coloca princípios. A dignidade da pessoa humana como referência mais importante”, afirma. O sacerdote acredita que a fala de Bento XVI pode ter tido como base um documento de João Paulo II. “A fé e a razão são como duas asas pelas quais o ser humano busca a verdade. Ele (o documento) diz que a fé pode prestar um bom serviço à política, iluminando as razões para o voto. Se alguém tem fé, pode se valer da luz que a fé projeta sobre a realidade um motivo a mais para fazer a sua opção política”;

Dom Demétrio explica que a tomada de posição política, do ponto de vista eclesiástico, não deve ser indicando candidatos. “A Igreja não tem partido, não aponta candidato. A Igreja não recomenda nem veta, nem partido nem candidato. Então tomar posição na política não é assumir um partido ou assumir um candidato. Mas ajudar a trazer referências importantes, preocupações com a justiça social, por exemplo”.

O bispo também estranha que o Papa tenha citado a questão dos símbolos religiosos. “(Bento XVI) lembrou uma realidade que, de leve, foi questionada tempos atrás. Ninguém está a fim de tirar símbolos religiosos aqui no Brasil. Alguém deve ter assoprado ao Papa uma preocupação que não causa tanta preocupação. Ninguém está a fim disso no Brasil”.

Presidente do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic), o pastor sinodal Carlos Augusto Möller ressalta não ter lido a íntegra da declaração do Papa. Apesar disso, não acredita que Bento XVI indicaria em quem votar. Möller destaca que a Igreja Luterana se manifestou, após o primeiro turno, contra a “guerra santa” nas eleições. Documento assinado pelo presidente da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), Walter Altmann, no dia 14 de outubro, manifesta repúdio a “tentativas de ‘sacralizar’ o embate político, sobretudo qualquer tentativa de ‘satanizar’ ou ‘demonizar’ pessoas ou forças políticas adversárias”.

O documento, também, orienta os fiéis da Igreja Luterana a examinar com sobriedade “à luz dos valores” da convicção evangélica “a qualidade de vida que temos e pretendemos alcançar” e “as propostas de programa da candidata Dilma e do candidato Serra”. Mas o documento explicita critérios mais seculares que religiosos. “Em que consistem (os programas dos candidatos)? Qual seu alcance e resultado? Avançam a justiça e a solidariedade no país? São exequíveis ou apenas promessas de campanha? Assim, decida cada qual em sua consciência”, finaliza o documento.

O pastor sinodal Carlos Augusto Möller defende que Bento XVI possa fazer sua manifestação, orientando critérios, como faz o documento dos luteranos. “A Igreja deve oferecer subsídios a seus seguidores, mas não influenciar em quem votar ou deixar de votar”. Möller destaca que o caráter laico do estado deve ser preservado, mas ressalta que dentro desse estado laico há pessoas que seguem determinada religião e estas pessoas têm o direito a manifestar suas opiniões de acordo com a doutrina de sua igreja.

Igreja em guarda e políticas sociais

Para o bispo de Rio Grande, Dom José Mário Stroeher, o recado do Papa não diz respeito apenas ao momento de eleições presidenciais. Trata-se de um alerta para que a Igreja mantenha-se preocupada com questões como a descriminalização do aborto, que continuarão sendo debatidas após o pleito. “Nós sabemos que hoje na sociedade há um movimento forte a favor do casamento homossexual, de descriminalização do aborto. A Igreja não pode baixar a guarda. Tem que ficar alerta especialmente no Congresso e nas conferências de saúde e direitos humanos, para que o direito dos indefesos seja salvaguardado”.

Stroeher também demonstra preocupação especial com o bem-estar da mulher, afirma que é preciso garantir os direitos básicos para que as mulheres não optem pelo aborto. “Tem que ser contra o aborto, mas a favor da mulher. As mulheres têm que ser assistidas, acompanhadas. Deve haver uma orientação segura, programas a favor da mulher”.

Dom Demétrio Valentini também relaciona a questão do aborto com políticas sociais: “Não basta ter a intransigente defesa teórica da vida, desde a concepção até a morte natural. Mas tem que ter a coerência de garantir condições dignas de vida. Senão uma espécie de aborto continua ao longo da realidade social de uma criança que não pode ir para a escola, que não tem alimentação adequada”.

Avançou o sinal

A cientista política da Ufrgs Maria Izabel Noll defende o direito de manifestação do Papa, do ponto de vista democrático, da livre expressão, e também por ser o líder espiritual de uma religião que é seguida por grande parte dos brasileiros. Noll questiona, contudo, o fato de Bento XVI não ser brasileiro. “Acho que ele se difere um pouco dos pastores de outras igrejas que se manifestaram nesse respeito, porque esses pastores e igrejas são brasileiros. Eles, ao mesmo tempo, são cidadãos e líderes espirituais. Estão dando opinião sobre um tema de seu país. No caso do Papa, não é o país dele”, afirma. A cientista política analisa também que o fato de o Papa ser um chefe de estado traz algum constrangimento para sua interferência nas decisões políticas de outro estado. “Ele como chefe de estado fica em uma posição no mínimo constrangedora”.

Noll avalia também que a interferência do Papa vem em um momento em que a Igreja Católica tem sido cobrada devido aos recorrentes casos de pedofilia envolvendo sacerdotes. “Acho que a Igreja fica em uma situação bastante difícil com relação ao tema do aborto principalmente em uma época em que ela está sendo profundamente cobrada por um comportamento, em termos éticos e morais, muito complicado que é a pedofilia”. Para a cientista, a declaração de Bento XVI vem em um momento errado e pode gerar maiores cobranças contra a Igreja. “A exposição dele foi extemporânea na medida em que abre espaço para que questões de ordem moral e de caráter ético possam ser muito mais cobradas da própria Igreja”.

Maria Izabel Noll lembra ainda que o Papa não é a pessoa mais adequada para citar “ideais democráticos”, já que o Vaticano não é uma democracia. “(O Vaticano) é um estado construído em função de uma ordem teocrática. Então vem falar em democracia, acho que aí ele pisou na bola”.

A cientista política acredita que a declaração do pontífice não deve ter maiores efeitos sobre o eleitorado. Ela avalia que os eleitores que poderiam ser atingidos por esse discurso já foram atingidos em momentos em que esteve bem mais acirrado esse debate, especialmente no final do primeiro turno – quando a discussão ocorria no seio das igrejas, mas não havia chegado à imprensa, nem às campanhas dos candidatos haviam detectado de forma clara esse fenômeno. Além disso, Maria Izabel Noll observa uma reação negativa dos católicos à declaração do Papa. Segundo ela, grande parte dos seguidores do catolicismo entenderam que o pontífice avançou o sinal.


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