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10 de dezembro de 2019
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09:05

Conselho Municipal denuncia ‘desmonte total’ na Assistência Social em Porto Alegre

Por
Sul 21
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Orçamento destinado para atendimento à população em situação de fragilidade vem caindo nos últimos anos. (Foto: Luiza Castro/Sul21)

Marco Weissheimer

Os recursos para a Assistência Social em Porto Alegre vêm sofrendo sucessivos cortes nos últimos quatro anos, impactando a qualidade dos serviços oferecidos a diferentes setores mais vulneráveis da população da Capital, bem como as condições de trabalho dos servidores. Segundo os relatórios de execução orçamentária da Prefeitura de Porto Alegre, os valores pagos à Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC) caíram de R$ 92.412.018,77, em 2016, para R$ 66.829.863,94, em 2019 (dados atualizados até o último dia de novembro de 2019). De 2016 para cá, segundo os números de execução orçamentária disponibilizados pela Prefeitura, a tendência é de queda progressiva no orçamento destinado para a Assistência Social.

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Na avaliação de Angela Aguiar e Jucemara Beltrame, integrantes do Conselho Municipal de Assistência Social, representando os trabalhadores, o setor está em processo de “desmonte total” na gestão do governo de Nelson Marchezan Júnior (PSDB). “Sob a máxima da economia nos cofres públicos, os servidores vêm sendo atacados em suas carreiras e, com isso, os serviços também estão acabando ou sendo terceirizados na cidade. Os avanços até então conquistados desde a implantação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) em Porto Alegre estão ameaçados. O reordenamento da FASC, órgão gestor da política de assistência social da cidade não foi respeitado pela atual gestão. Pelo contrario, vem sofrendo fortes desmontes”, afirmam as conselheiras.

Na Proteção Social Especial de Alta Complexidade,  apontam ainda, os serviços de acolhimento institucional para crianças e adolescentes já foram terceirizados, “voltando a modelos de funcionamento avaliados como negativos, sob a gestão de entidades privadas, as quais seguem sua ‘missão’ ao invés de primar pela concepção pública da política de assistência social”. Em 2018 toda a rede de acolhimento de criança e adolescente foi repassada para “parceiros”. Hoje, não há nenhum serviço próprio municipal. “No campo de serviços para adultos, o acolhimento institucional de famílias em situação de rua foi fechado da manhã para a tarde, sem nenhuma consideração aos usuários que lá estavam e tampouco com os servidores que trabalhavam há anos no serviço”, assinala Jucemara Beltrame.

Recursos para a FASC caíram de R$ 92.412.018,77, em 2016, para R$ 66.829.863,94, em 2019. (Foto: Luíza Castro/Sul21)

Ainda segundo as conselheiras, os Centros POP para adultos em situação de rua e o albergue municipal também deixaram de ser equipamentos públicos para serem entregues ao setor não governamental, ensejando um processo que deixa a desejar na própria aceitação da demanda de pessoas em situação de rua. Usuários que buscavam serviços sob efeito de SPA (substâncias psicoativas) nos equipamentos antigos, exemplificam, hoje não mais podem acessar esses serviços no modelo das “parcerias” pois não são aceitos, segundo as regras das instituições. Do mesmo modo, acrescentam, pessoas trans também não estariam mais encontrando lugar para pernoitar, tendo que permanecer nas ruas, sofrendo violências e desproteção social.

Nos serviços de Proteção Social Básica, prestados nos CRAS, o relato das conselheiras do CMAS é de que a maioria das equipes técnicas e administrativas foi parceirizada, o que fere a Lei de reordenamento da FASC, que previa o chamamento de servidores públicos. O Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, em seu relatório de auditoria referente aos anos de 2017 e 2018, apontou uma série de insuficiências e irregularidades neste serviço. Entre elas, destacam-se: equipes de referência em desacordo com o previsto nas normas de funcionamento do SUAS; número de famílias superior à capacidade dos CRAS, com equipes insuficientes para o atendimento; fragilidade na articulação em rede; ausência da oferta de serviços essenciais da Proteção Básica, como o serviço de convivência de 0 a 6 anos e a Proteção Social Básica no Domicílio para pessoas com deficiência e idosas; falta de manutenção predial nos CRAS; não atendimento às condições de acessibilidade e Ausência de regulamentação dos benefícios eventuais.

Os cortes no orçamento para 2020 da FASC, diz ainda Jucemara Beltrame, apontam para uma redução considerável de recursos para o funcionamento dos Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) de crianças e adolescentes, com a justificativa de que a gestão desses recursos seria repassada para a política de educação. A conselheira define essa decisão como outro retrocesso “pois os SCFV são serviços tipificados pela política de assistência social e seus objetivos não são os mesmos do turno inverso da educação, sendo inclusive o serviço que acolhe o que se chama de público prioritário, ou seja, as crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade e risco social e que por muitas vezes estão até mesmo fora da escola”.

“A situação é muito séria e requer atenção da sociedade em geral”, alertam conselheiras do CMAS. (Foto: Luiza Castro/Sul21)

E todo esse processo, aponta o Conselho Municipal de Assistência Social, vem sendo feito de maneira autoritária, sem nenhum debate com os espaços de controle social como o CMAS e  mesmo com o corpo de servidores técnicos da FASC, onde os projetos sempre foram pensados e elaborados sob a concepção e diretrizes do SUAS.  “Ao contrário, a atual gestão está fazendo um desserviço para a cidade pois suas ações são um enorme retrocesso ao voltarem-se para uma gestão clientelista, conservadora, que só menciona custos sem levar em conta a realidade social da cidade”, afirma Jucemara Beltrame.

As conselheiras do CMAS defendem que os impactos desse conjunto de medidas estão expostos na cidade, nas condições precárias dos serviços de proteção social e na situação das pessoas em situação de rua. “Nas comunidades onde os CRAS e CREAS se encontram  a pobreza vem aumentando consideravelmente e as famílias chegam cotidianamente revelando seu estado de miserabilidade e fome, pois a realidade econômica e a perda de benefícios sociais tem sido grande. O Programa Bolsa Família é cortado para vários beneficiários, assim como novas famílias não estão mais conseguindo ingresso no Bolsa. Idosos estão perdendo seu Benefício de Prestação Continuada pelas novas regras adotadas pelo governo. A situação é muito séria e requer atenção da sociedade em geral”, alertam Angela e Jucemara.

No dia 26 de setembro deste ano, a Frente Gaúcha em Defesa do Sistema Único de Assistência Social e da Seguridade Social apresentou, durante audiência pública na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, uma série de recomendações, entre elas o cumprimento da Lei de Reordenamento do SUAS mediante a retomada do chamamento dos trabalhadores concursados confirme cronograma estabelecido em lei e o respeito ao papel e às deliberações do CMAS. Na ocasião, as entidades que integram a Frente lembraram que o CMAS, conforme legislação nacional e municipal, é a instância que delibera sobre a política de Assistência Social e sobre o Fundo Municipal da Assistência Social. No entanto, protestaram “o que vem se configurando em toda a gestão do atual governo é a total falta de transparência na aplicação dos recursos, o aprofundamento do contingenciamento e centralização pelo Centro de Governo dos recursos da Assistência”.

Abrigo que acolhia famílias inteiras foi fechado por falta de repasse do valor do aluguel por parte da prefeitura. (Foto: Luiza Castro/Sul21)

O relatório da Frente também apontou ataques frequentes ao trabalho desenvolvido de abordagem social pelo Ação Rua, por parte do governo municipal, através da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, que estaria priorizando somente a retirada da população  e não o trabalho pautado na valorização do vínculo e dos direitos de cidadania, inclusive de ficar e permanecer na rua. O fechamento do Abrigo de Família foi classificado como “extremamente grave”, pois feito “de forma abrupta, sem preparação dos moradores e dos trabalhadores  decorrente de atraso de pagamento de aluguel por parte da FASC”.

“Não vamos admitir uma praça cheia de morador de rua”

A relação com a população em situação de rua é um dos aspectos mais polêmicos da política de Assistência Social do governo Nelson Marchezan Júnior. Em maio deste ano, a então secretária de Desenvolvimento Social e Esporte de Porto Alegre, Comandante Nádia, disse, durante uma entrevista coletiva que “morador de rua não tem o direito de ter cadeira, cama, mesa, banho, tudo na rua”. E acrescentou: “Nós não vamos admitir uma cidade, uma praça que esteja cheia de morador de rua. É um lugar público e as pessoas não podem levar seus filhos, seus pets. Não têm condições de caminhar nem em uma calçada, porque uma pessoa se acha no direito de morar na rua”.

Na avaliação de integrantes do CMAS, essa visão acabou se materializando em ações da Prefeitura. Os dois albergues que abriram para cobrir o albergue municipal, que foi fechado, não estariam dando conta de acolher todo mundo. “Não acolhem as pessoas alcoolizadas, inclusive idosos, que o albergue municipal acolhia, e quando a pessoa é suspensa de um não pode entrar em outro. As pessoas acabam se concentrando no entorno, dando problemas com a comunidade, que, inclusive já foi até o prefeito Nelson Marchezan, levar um abaixo assinado e pedir providências”, relatou uma conselheira que preferiu não se identificar.

Moradores do entorno do albergue do Bairro Floresta questionaram “condições de segurança” pela presença de pessoas em situação de rua. (Foto: Joel Vargas/PMPA)

No dia 4 de outubro, o prefeito Nelson Marchezan Júnior recebeu moradores do bairro Floresta, que pediram a realocação do albergue Acolher 2 (localizado na rua 7 de Abril), que havia sido inaugurado há 32 dias pela Prefeitura. Os moradores questionaram as condições de segurança motivadas pelos albergados que chegam para usufruir do serviço social a partir das 19h.  Na ocasião, Marchezan disse que o abrigo ajudou a “reduzir problemas gerados pelo trânsito de moradores de rua no bairro durante a noite”. O prefeito disse aos moradores que pediria à Guarda Municipal que acrescentasse em sua ronda a área onde se localiza o albergue. Além disso, pediria à Brigada Militar um reforço da fiscalização da região.

A transferência do serviço de solicitação de abordagens sociais da FASC para a área da Segurança da Prefeitura de Porto Alegre é outro tema que preocupa o CMAS, por indicar um viés de criminalização da pobreza. Ao longo do ano, o Conselho recebeu diversas denúncias de repressão, recolhimento de pertences e expulsão das pessoas em situação de rua de vários locais na cidade, especialmente nas imediações do Gasômetro e em outros pontos centrais, como o Viaduto Otávio Rocha.

O Sul21 entrou em contato com a Prefeitura de Porto Alegre, solicitando um balanço do Executivo sobre as ações realizadas na área da Assistência Social, em 2019, indicando os resultados e principais problemas a serem enfrentados. Até o fechamento dessa reportagem, o Executivo não havia encaminhado essas informações.


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