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23 de maio de 2021
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11:28

Paulo Freire e o meio ambiente (por Gerson Almeida)

Por
Sul 21
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Paulo Freire (Foto: Escola de Gestão Socioeducativa Paulo Freire – RJ)
Paulo Freire (Foto: Escola de Gestão Socioeducativa Paulo Freire – RJ)
Paulo Freire (Foto: Escola de Gestão Socioeducativa Paulo Freire – RJ)

Gerson Almeida (*)

O professor Ernani Fiori definiu Paulo Freire como “um pensador comprometido com a vida, que não pensa ideias, pensa a existência”. Uma forma sensível e arguta de tratar a obra de quem jamais pensou a vida como dissociada do mundo, do lugar das vivências humanas.

Como o pedagogo da liberdade e da autonomia, ele se opõe a qualquer ideia que nosso destino seja algo dado, independente de nosso agir e pensar, mas “algo que precisa ser feito e cuja responsabilidade não posso me omitir”.

Não é por outra razão que Paulo Freire considera o processo de aprendizado como não restrito às salas de aulas, por mais relevantes que elas sejam, pois é vivendo que aprendemos e ganhamos consciência do mundo.

Para ele, a vida é um “texto para ser constantemente “lido”, interpretado, “escrito” e “reescrito”, num processo de conhecimento que só pode ser plenamente realizado ao agir no mundo.

Ao nos ensinar que agir no mundo é a nossa forma de pensar e tomar consciência de nós mesmos e da sociedade em que vivemos, esse mundo só pode ser compreendido como o lugar de encontro da sociedade e da natureza, o espaço no qual ambas estão em permanente processo de criação e recriação.

A pedagogia que pensa a vida, age como um verdadeiro aríete contra o “a ideologia fatalista e imobilizante que anima o discurso neoliberal”, o “discurso acomodado”, que está sempre tentando nos fazer crer que “não há nada que fazer”.

Esse discurso da “desesperança”, contra o qual a pedagogia da liberdade se insurge é a ideologia neoliberal, fatalista e acomodada, que deseja suprimir a “força criadora do aprender” e, portanto, de transformar.

Como a vida não acabou, há história e, portanto, há futuro para ser construído, um futuro que segundo Paulo Freire, pode ser “problemático, mas não inexorável”, pois a sua sabedoria nos mostrou que “onde há vida, há inacabamento” e, portanto, espaço para construção do novo, para mudanças.

Para ele, é da natureza dos seres humanos ir além dos condicionamentos, pois somos dotados da “força criadora do aprender” e, portanto, de transformar, pois o futuro nunca é algo dado, ele está para ser construído. Contra a desesperança, portanto, a pedagogia Freiriana afirma a esperança, afirma a natureza humana.

Mesmo que nossa existência seja condicionada por fatores culturais, de organização do poder e pelo ambiente natural, isto não significa que somos “determinados”. Nós somos capazes de perceber que “os obstáculos não se eternizam” e, portanto, são passíveis de superação pela ação coletiva e consciente no mundo.

Hoje, sequer a história natural é tida como o campo das determinações. Ela é compreendida como sendo sujeita a desvios, incertezas e bifurcações, o que faz dela, nas palavras do Prêmio Nobel de Química, Ilya Prigogine “uma criação de possibilidades, as quais algumas se realizam, outras não”.

Portanto, a verdadeira conexão entre história natural e história humana é a incerteza e o espaço pedagógico no qual tomamos consciência daquilo que somos é a vida, onde o mundo social e o natural se encontram. Onde a vida se realiza.

A consciência se constitui como consciência do mundo, conforme as palavras do professor Ernani Maria Fiori e ninguém se conscientiza separadamente dos demais, pois a consciência é um ato social.

Em um dos seus últimos escritos, Paulo Freire mostra a urgência de assumirmos a luta pelos princípios éticos fundamentais como o respeito à vida dos seres humanos, à vida dos outros animais, à vida dos pássaros, à vida dos rios e das florestas.

Ele afirma não crer “na amorosidade entre mulheres e homens, entre os seres humanos, se não nos tornamos capazes de amar o mundo”. Para ele, assim, a ecologia ganha uma importância fundamental neste fim de século.

Não é por outra razão que a obra de Paulo Freire é um dos principais alvos desse momento de intolerância ao saber, à ciência, à proteção ambiental. Sua vida e sua obra são uma crítica radical ao fatalismo que tenta impor o mundo presente como o único possível.

A nau da insensatez que apoia a necropolítica em curso no país combate Paulo Freire com furor, pois a sua pedagogia é subversiva da ordem vigente, que só admite um ensino que ajude a perpetuar a obscena desigualdade social e a imensa degradação ambiental.

É por não amarem a vida que eles querem menos Paulo Freire. De nossa parte, ficamos com Freire e seus ensinamentos, pois eles passarão, nos passarinhos.

(*) Sociólogo, conselheiro da Agapan

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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