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29 de maio de 2021
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10:45

O keynesianismo do Plano Biden (por Fernando Ferrari Filho)

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Sul 21
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O keynesianismo do Plano Biden (por Fernando Ferrari Filho)
O keynesianismo do Plano Biden (por Fernando Ferrari Filho)
Joe Biden, presidente dos Estados Unidos. (Foto: Gage Skidmore/Wikimedia Commons)

Fernando Ferrari Filho (*)

O Plano Biden visa, no curto prazo, recuperar a economia norte-americana de sua pior recessão desde a Segunda Guerra Mundial – no ano de 2020 o PIB encolheu 3,5% – e sustentar, ao longo dos próximos oito anos, o crescimento econômico dos Estados Unidos. Juntamente com a célere campanha de vacinação contra o COVID-19 – diga-se de passagem, cerca de 100 milhões de pessoas tinham sido vacinadas até o final de abril passado –, o referido Plano foi o centro das atenções nos 100 primeiros dias do governo Joe Biden.

Dividido em duas partes, por um lado, o Plano aloca aproximadamente US$ 1,9 trilhão tanto para reforçar o combate à COVID-19 quanto para socorrer as famílias que ficaram desamparadas devido ao processo de lockdown. Por outro lado, o Governo promete destinar US$ 2,3 trilhões para investimentos públicos em infraestrutura geral e residencial, cujos recursos deverão surgir do aumento de impostos para as grandes empresas e sobre os ganhos de capital e a renda da população mais rica.

A reação ao Plano Biden foi imediata e previsível: os republicanos e segmentos mais conservadores da sociedade norte-americana entendem que o Governo está abandonando o princípio da “austeridade fiscal expansionista”, o que, por sua vez, pode gerar um processo inflacionário futuro, bem como as políticas econômicas intervencionistas, não somente elevam o déficit fiscal e a dívida pública, mas, principalmente, criam externalidades negativas para o setor privado; os democratas e  simpatizantes – eleitores ou não – de Biden afirmam que o Plano vai na direção das medidas implementadas durante o New Deal – sob a presidência de Franklin Roosevelt – e que foram exitosas para recuperar a economia norte-americana no período pós-Grande Depressão.

Explorando a segunda reação, aqueles que apoiam o Plano Biden afirmam que o Presidente e seus policymakers tornaram-se keynesianos. Será? Apesar de alguns artigos de economic policy recentemente publicados na mídia terem analisado a relação entre o Plano e as prescrições econômicas keynesianas, não é demais apresentarmos nosso ponto de vista sobre a referida relação.

Muito sucintamente, segundo o economista inglês John Maynard Keynes, a dinâmica da atividade econômica é determinada pela demanda efetiva e o investimento é a variável-chave para determinar sua trajetória. A tomada de decisão do investimento, por sua vez, é baseada nas expectativas sobre os resultados esperados de lucros. Todavia, como as perspectivas de lucros futuros são incertas, a demanda por moeda torna-se preferível à realização de bens de capital, evidenciando, assim, a preferência dos empresários pela liquidez. Assim, ocorre um processo de insuficiência de demanda efetiva que acaba reduzindo a atividade econômica, a ponto, inclusive, de ocasionar, em situações extremas, recessão e desemprego.

Para evitar essa situação, Keynes, em sua principal obra, The General Theory, Employment, Interest and Money (GT), escrita em 1936, propõe, através de políticas fiscal e monetária ativas, a intervenção do Estado na Economia, não no sentido político-ideológico, mas de forma pragmática, para, por um lado, ancorar as expectativas dos empresários e, por outro lado, criar “ambiente institucional favorável” à tomada de decisão de seus gastos de investimento. Para tanto, expansão dos gastos governamentais, reestruturação da política tributária, maior elasticidade do crédito e redução das taxas de juros devem ser operacionalizadas para mitigar as crises de insuficiência de demanda efetiva. Nas palavras de Keynes:

“I conceive, therefore, that a somewhat comprehensive socialization of investment will prove the only means of securing an approximation to full employment.” (GT, 1936: 378)

“I see […] the rentier aspect of capitalism as a transitional phase which will disappear when it has done work […] I am advocating […] the euthanasia of the rentier.” (GT, 1936: 376)

Voltando ao Plano Biden, as medidas propostas vão na direção e até ampliam, especialmente as voltadas às políticas públicas, as políticas econômicas keynesianas contracíclicas que foram implementadas na maioria dos países, inclusive nos Estados Unidos, para mitigar os impactos da crise do subprime, 2007-2008. Diga-se de passagem, nos Estados Unidos tais políticas vigoraram no período 2009-2016 e foram negligenciadas durante a presidência de Donald Trump (2017-2020), quando a agenda econômica neoliberal, baseada na “mão invisível” smithiana e no supply side economics, visou conduzir – mas, não necessariamente atingiu – a atividade econômica norte-americana para o seu ponto de equilíbrio.

Concluindo e parafraseando o título de um livro de Robert Skidelsky, publicado em 2009, o Plano Biden representa o Return of the Master (Keynes).

(*) Professor Titular da UFRGS e Pesquisador do CNPq.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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