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20 de abril de 2021
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17:29

Tuberculose: uma epidemia silenciosa e invisível (por Elsa Roso e Nilson Lopes)

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Tuberculose: uma epidemia silenciosa e invisível (por Elsa Roso e Nilson Lopes)
Tuberculose: uma epidemia silenciosa e invisível (por Elsa Roso e Nilson Lopes)
A tuberculose é uma doença infecto-contagiosa, profundamente relacionada à desigualdade social. (Facebook/Comitê Estadual de Enfrentamento da Tuberculose)

Elsa Roso e Nilson Lopes (*)

A tragédia humanitária causada pelo coronavírus e vivida desde o final de 2019 é sentida de uma forma ainda mais cruel no Brasil, país que se vê mergulhado em uma crise política e econômica sem precedentes, responsável por boa parte das quase 400 mil mortes por COVID-19. Aqui, enquanto a fome se faz presente na vida de 19 milhões de brasileiros, o seleto grupo de bilionários cresce, favorecido pelo parasitismo do capital financeiro e por uma elite local subserviente. À tragédia da fome, somam-se outras: 14 milhões de desempregados, quase 6 milhões de desalentados, praticamente metade da população economicamente ativa vivendo na informalidade. Agregue-se a isso o estrangulamento dos serviços públicos provocado pela Emenda Constitucional 95 e agravado por um governo federal que age a favor da pandemia e, deliberadamente, contra os interesses do povo e do meio ambiente, esvaziando as conquistas constitucionais de 1988.

Em função desse cenário de terra arrasada, vivenciamos o aumento da população em situação de rua (de acordo com o IPEA o aumento foi de 140% entre 2012 e 2020) e o aumento do encarceramento, que em 20 anos triplicou a população carcerária no país, majoritariamente jovem e preta. Estamos falando de dois dos segmentos mais atingidos por uma epidemia silenciosa: a tuberculose, conhecida também como a “doença da pobreza”.

A tuberculose é uma doença infecto-contagiosa, profundamente relacionada à desigualdade social, sendo uma das enfermidades mais prevalentes entre as pessoas em situação de pobreza no mundo. Em 2018 foram 1,5 milhão de óbitos por tuberculose (OPAS, 2019), sendo 4,5 mil somente no Brasil, o que coloca o país na 20ª posição entre os trinta países prioritários para o combate à doença. O Estado do Rio Grande do Sul ocupa a 8ª posição em incidência da doença entre todos os estados da federação e Porto Alegre é a primeira capital em casos de coinfecção tuberculose-HIV/Aids.

As pessoas que vivem na rua têm 56 vezes mais chances de contrair tuberculose e, aquelas privadas de liberdade, 34 vezes mais. Outras características elevam o percentual de risco de contaminação pela bactéria que transmite a doença: a população indígena, com risco três vezes maior de contágio, e pessoas que vivem com HIV/Aids, com risco 25 vezes maior e que têm na tuberculose a principal causa de morte. Tanto a população indígena quanto a que vive com HIV/Aids têm sido diretamente afetadas pelo descaso do governo federal, seja ao favorecer a exploração de territórios demarcados e negligenciando a saúde dos povos indígenas durante a pandemia, seja por meio de uma política moralista e conservadora que impõe décadas de retrocessos na defesa dos direitos das pessoas que vivem com HIV/Aids.

No Brasil a pobreza é invisível. Por esta razão, a tuberculose – doença basicamente dos pobres e que ainda não ultrapassou a fronteira com a classe média – é também invisível. Nascer pobre já é uma situação de risco. Nas vilas, favelas, embaixo dos viadutos ou em tantos outros lugares insalubres para a vida humana, a precariedade da moradia e das condições de vida favorece a transmissão intrafamiliar e comunitária da doença. A miséria é uma pandemia permanente que mata pessoas todos os dias, das mais diversas formas: pela desnutrição, pelas doenças relacionadas à pobreza, pelo tráfico de drogas e ou pela polícia. Quem vive na rua sempre soube o que é distanciamento e isolamento social. A pandemia da miséria também tem o poder de contágio.

Buscando dar conta desta realidade, foi criado em 2013 o CEETB/RS-Comitê Estadual de Enfrentamento da Tuberculose do RS, que tem por missão articular governo e sociedade civil em ações de enfrentamento contra a tuberculose e coinfecção TB/HIV em nosso estado. Faz parte de seus objetivos estabelecer parcerias com instâncias necessárias para o cumprimento de sua missão. Nesta linha, foram construídas relações com o CES/RS-Conselho Estadual de Saúde, CEAS/RS-Conselho Estadual de Assistência Social, CEDH/RS-Conselho Estadual de Direitos Humanos, CONSEA/RS-Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Saudável e CELGBT/RSConselho Estadual de promoção de Direitos LGBT.

No último dia 16 de abril, foi realizado o Seminário Instrução Operacional Conjunta n° 01/2019 no enfrentamento da Tuberculose e coinfecções-Caminhos para potencializar o cuidado de populações em situação de vulnerabilidade social, envolvendo as redes de saúde e assistência social de municípios de mais alta carga de tuberculose do RS, gestores, conselheiros de direitos, integrantes do CEETB/RS e representação dos Ministérios da Saúde e da Cidadania, com vistas a implementação da referida IOC 01/2019 em nosso estado.

Por tudo o que foi exposto defendemos que lutar contra a tuberculose é também lutar por direitos, por políticas sociais de qualidade, por justiça social. Doenças historicamente negligenciadas são também uma forma de extermínio dos “de baixo”. Em tempos de necropolítica, lutar pela vida é uma forma de resistência.

(*) Elsa Roso Assistente Social é servidora do Hospital Sanatório Partenon (SES/RS) e integrante da Presidência do CEETB/RS-Comitê Estadual de Enfrentamento da Tuberculose/RS. Nilson Lopes é Coordenador do Fórum Municipal de Usuários do SUAS de São Leopoldo, militante do Movimento Nacional da População de Rua e representante do segmento PopRua no CEETB/RS.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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