Opinião
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12 de janeiro de 2021
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17:05

Nos 160 anos da Caixa, o futuro bate à porta (por Caroline Heidner)

Por
Sul 21
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Nos 160 anos da Caixa, o futuro bate à porta (por Caroline Heidner)
Nos 160 anos da Caixa, o futuro bate à porta (por Caroline Heidner)

Caroline Heidner (*)

A Caixa Econômica Federal completa 160 anos nesta terça, dia 12 de janeiro, tendo cumprido um papel histórico durante a pandemia de coronavírus com o atendimento da população beneficiária do Auxílio Emergencial. Há duas semanas, o banco finalizou os últimos pagamentos do benefício que, por sinal, deveria ser estendido pelo governo para garantir dignidade aos brasileiros, enquanto a pandemia perdurar.

Caroline Heidner (Divulgação)

Do começo caótico do processo de cadastramento e início do pagamento, que expôs empregados e demais trabalhadores das agências, bem como os próprios clientes, a aglomerações que colocavam vidas em jogo por potencializar o risco de contágio, até o último pagamento, nove parcelas depois, passaram pela Caixa 67,7 milhões de brasileiros assistidos pelo Auxílio Emergencial.

Foi muito mais do que um grande feito do ponto de vista organizacional. Foi, por parte dos empregados da Caixa, em especial os das agências, um esforço físico e emocional, motivado pelo compromisso que temos com o povo brasileiro. E nos cabe aproveitar o momento de celebração do aniversário do banco para olhar o que ficará desta enorme empreitada para o futuro da Caixa e do país.

Pouco antes da pandemia iniciar, no meio financeiro se falava em multibancarização, ou seja, quando o cliente bancário usa serviços e produtos em mais de uma instituição financeira. No Brasil, 6 em cada 10 pessoas bancarizadas e com acesso à internet se enquadram no conceito. Mas, no mesmo Brasil, ainda há milhões de adultos não bancarizados.

O Auxílio Emergencial acelerou a velocidade da bancarização dos mais vulneráveis economicamente. De março até aqui 11,8 milhões de brasileiros passaram a ter relacionamento bancário, no levantamento do Banco Central. A maioria na Caixa, e muitos vivem fora dos grandes centros urbanos. Estima-se que ainda temos 36 milhões de brasileiros adultos sem relacionamento com instituições bancárias, ou seja, ainda não bancarizados.

Esses milhões de novatos no sistema financeiro estrearam seu relacionamento bancário já no ambiente digital, através das poupanças digitais no aplicativo Caixa Tem. Junto com os recém bancarizados, outros milhões de clientes tiveram abertura de conta digital na Caixa em 2020. Em dezembro, o Caixa Tem bateu a marca de 105 milhões de contas.

No entanto, o governo de Bolsonaro e Paulo Guedes pretende usar o Caixa Tem para criar um banco digital desmembrado da Caixa, na estratégia de privatização disfarçada. Trata-se da criação de outra empresa, uma subsidiária, que ficará com as 105 milhões de contas digitais e terá operação centrada em três eixos: fará o pagamento dos benefícios sociais, irá atuar no microcrédito e também no crédito imobiliário para famílias de baixa renda.

A jogada do governo, se levada a cabo, pode representar um xeque-mate na Caixa, na “empresa mãe”. A direção da Caixa estima uma avaliação em R$ 100 bilhões para o banco digital e quer, tão logo consiga a autorização do Banco Central para a sua criação, o que é esperado para o primeiro trimestre deste ano, abrir o seu capital. A intenção, inclusive, é fazer o IPO em dupla listagem – serão ofertadas ações em bolsa tanto no Brasil quanto no exterior.

É de amplo conhecimento que a gestão de Pedro Guimarães, presidente da Caixa, também está operando os processos de IPO da Caixa Seguridade, Caixa Cartões e Caixa Loterias. A abertura de capital de qualquer uma dessas subsidiárias, se concretizada, afetará negativamente a sustentabilidade da Caixa, portanto o processo privatista como um todo precisa ser combatido pelos empregados em conjunto com a sociedade. É nossa tarefa organizar a resistência, informar e envolver a população e acumular forças para o embate.

Porém, no caso do banco digital os prejuízos com a abertura de capital adquirem consequências ainda mais dramática. Afinal, quem cuidará, por exemplo, da educação financeira desses milhões de novos bancarizados? Por certo o apetite por lucro dos futuros acionistas do banco digital não será nada educativo para esses clientes. A quais produtos e serviços financeiros esses clientes terão acesso? Aos que efetivamente atendam suas necessidades, com um custo justo e melhorando sua qualidade de vida, ou aos que forem mais lucrativos no curto prazo para os acionistas? Qual o zelo que esse banco com acionistas inclusive estrangeiros terá pelos benefícios sociais do povo brasileiro?

O desmembramento da Caixa com o banco digital, planejado sob medida para os grandes investidores do mercado, é um profundo ataque à sustentabilidade financeira e ao papel social da Caixa. Mas também representa a destruição do legado de inclusão bancária que o Auxílio Emergencial poderia deixar. A destruição de um futuro mais inclusivo no sistema financeiro. Afinal, ainda que em números e estatísticas tratemos bancarização de forma muito rasa, olhando apenas se a pessoa tem ou não relacionamento com alguma instituição bancária, bancarização para valer é muito mais do que isso.

Bancarizar é ampliar a cidadania, é proporcionar inclusão social e econômica real, é abrir possibilidade de independência financeira. Bancarizar é democratizar e dinamizar o crédito, é dar educação financeira, é empoderar as pessoas e estimular o empreendedorismo social. Bancarizar para valer é investir num futuro menos desigual, e isso é trabalho para a Caixa 100% pública, não para uma S/A desmembrada da Caixa.

Que nos 160 anos do banco sejamos capazes de, mais uma vez, resistir na luta pela Caixa pública, entendendo os novos desafios que estão colocados para nós! Que a nossa luta seja vitoriosa e dê frutos através de uma Caixa cada vez mais forte e presente na vida dos brasileiros!

(*) Caroline Heidner é economista, empregada da Caixa e diretora do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e da Fetrafi-RS.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21. 


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