Opinião
|
3 de janeiro de 2021
|
21:11

2021 – A Luta Anti-Racista na Câmara Municipal de Porto Alegre (por Florence Carboni e Mário Maestri)

Por
Sul 21
[email protected]
Foto: Maia Rubim/Sul21

Florence Carboni e Mário Maestri (*)

O Hino Rio-Grandense é Racista? Ou melhor, as estrofes que propõe “Povo que não tem virtude/ Acaba por ser escravo” são racistas? Em um primeiro grau, não. Em um segundo, podemos dizer que são classistas, e, apenas em um terceiro, racistas. Mas não racistas anti-negro, como sugeriu o vereador-historiador porto-alegrense negro, apenas eleito. Ao menos no sentido da emissão original do texto, diversa da eventual recepção atual pela comunidade rio-grandense, sobretudo negra.

Os “escravos”, na estrofe, não se referem a trabalhadores escravizados africanos ou crioulos. A letra foi desenvolvida no espaço da simbologia do século 19, tributária das representações da época sobre o mundo greco-romano. Como comprovam as estrofes retiradas do verso: “Entre nós/ reviva Atenas/ para assombro dos tiranos/ Sejamos gregos na glória/ e na virtude, romanos.”

Na escravidão clássica greco-romana, boa parte dos cativos eram “germanos”, de tranças loiras, primos distantes da Merkel, na época desprezados por sua “inferioridade racial” pelos romanos, napolitanos e sicilianos da época, meio-africanos. Há descrição clássica de um escravista da Itália meridional, possivelmente de pele escura, sobre o fenótipo germano que, segundo ele, denotava  a inferioridade racial!

Entretanto, a visão de “escravo” como aquele que não tem virtude, ou seja, a qualidade suficiente —coragem, consciência, etc.— para lutar por sua liberdade, de viés platônico, propõe a inferioridade de todo ser submetido,  “escravo”, “servo”, “proletário”,  pelo pretenso ato de se submeter, e não de ser submetido. Na elaboração narrativa, desaparece, assim, a ação daquele que submete, o escravizador, o senhor feudal, o burguês, etc. Em todo caso, a visão platônica já era uma evolução e avanço em relação ao sentido aristotélico de “escravo”, um ser inferior por natureza, que nasceu inferior, visão dominante em boa parte da escravidão colonial americana.

A enorme midiatização do ato do vereador Matheus Gomes, da bancada negra do PSOL de Porto Alegre, deve-se possivelmente em boa parte ao preciosismo da denúncia. O fato de se ter mantido sentado quando tocaram o Hino do Rio-Grande do Sul deve ser vivamente aplaudido e apoiado, sobretudo como denúncia do regionalismo que corre solto no Sul e, ainda mais, por irritar a tal comandante Nádia. Não é uma Brastemp, mas …

Certamente a bancada  do PSOL terá o mesmo comportamento quando da execução do Hino Nacional, da Semana da Pátria e, sobretudo, quando das celebrações farroupilhas, rememoração de levante dos estancieiros escravistas rio-grandenses. E, em vez de ficarem elogiando os “lanceiros negros”, que aceitaram lutar pelos seus senhores, homenagearão finalmente aos milhares de quilombolas e negros ‘fujões’ da Era Farroupilha.

Aproveitamos o ensejo para encomendar, à bancada negra da Câmara Municipal de Porto Alegre, movimento para trocar o nome do Arquivo Municipal “Moisés Velhinho”, racista entre os racistas!

(*) Florence Carboni, 68, linguista ([email protected]), & Mário Maestri,  72, historiador  ([email protected]), são autores de “A linguagem escravizada: língua, história, poder e luta de classes”. São Paulo: Expressão Popular. 

§§§

As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora