Opinião
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18 de dezembro de 2020
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11:44

Projetos da UFRGS abordam questão da saúde mental das professoras frente ao trabalho remoto

Por
Sul 21
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Projetos da UFRGS abordam questão da saúde mental das professoras frente ao trabalho remoto
Projetos da UFRGS abordam questão da saúde mental das professoras frente ao trabalho remoto
Reprodução/Instagram

Eduardo Marquezin Faustini, Fabíola de Carvalho Leite Peres, Gianluca Augusto de Oliveira, Jenifer Dias Ramos, Rafaela Fabricio Klein e Taciana Barcellos Rosa (*)

No início da pandemia, o projeto de extensão universitária Contraponto: debatendo política nas escolas e a Clínica de Atendimento Psicológico do Instituto de Psicologia, ambos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), uniram esforços para oferecer às professoras e aos professores da rede pública um grupo terapêutico virtual e gratuito. O objetivo do grupo foi ofertar um espaço de acolhimento, troca de experiências e construção de alternativas em um contexto de falta de assistência psicológica por parte do governo doEstado, parcelamento de salários e sobrecarga de trabalho.

O Contraponto é um projeto de extensão cujo objetivo é aproximar os jovens da rede pública de ensino da discussão sobre política. Nosso grupo, composto por estudantes de graduação e pós-graduação das mais diversas áreas de conhecimento, acredita na troca de experiências entre secundaristas e universitários como uma ferramenta para construir, coletivamente, uma visão mais crítica da sociedade em que vivemos.

Para nos aproximarmos de nossa proposta enquanto grupo de educação política, tendo em vista a impossibilidade de interagirmos diretamente com os alunos por conta da suspensão das aulas em razão da pandemia, decidimos expandir nosso público alvo. A partir de uma pesquisa nacional , realizada pelo Instituto Península, sobre a percepção dos professores a respeito da pandemia, a qual enfatizava a sobrecarga emocional desses profissionais, buscamos parcerias com instituições de atendimento psicológico de Porto Alegre. Nossa intenção foi promover espaços destinados ao acompanhamento psicológico para as professoras da rede pública, preferencialmente, aquelas que outrora tinham aberto as portas da escola para o Contraponto.

A iniciativa está inserida no contexto da dura realidade dos docentes em meio ao período de pandemia, agravada pelo descaso do governo estadual, que não garantiu a infraestrutura adequada e as orientações para a realização das aulas virtuais. É preciso ressaltar que as professoras vêm enfrentando aproximadamente seis anos de salários congelados e 56 meses de salários parcelados. De fato, o colapso na educação pública e o descaso do governo do Estado com o magistério não surgiu na pandemia. A crise sanitária expôs um sistema que já caminhava para o colapso, devido à falta de investimentos e de diálogo com a comunidade escolar.

Exemplo importante desse processo foi a greve pela regularização dos pagamentos dos salários realizada pelos professores do Estado no início do ano, movimento que recebeu forte repressão do governo local, em linha com a agenda econômica de austeridade do Governo Federal. Não bastasse esse contexto, é necessário ponderar o fato de que o trabalho remoto colocou mais um desafio, para além da infraestrutura e a questão tecnológica: a carga redobrada do trabalho doméstico e do cuidado com crianças e pessoas mais velhas, que, em meio a uma sociedade estruturalmente machista, tem uma maioria de mulheres responsáveis.

Como estratégia interventiva e de acolhimento, foi iniciado em maio, um grupo terapêutico com professoras conduzido por alunos do curso de Psicologia da UFRGS, sob orientação de psicólogos da instituição. Basicamente, o grupo propunha conversas sobre temáticas relacionadas à profissão na conjuntura pandêmica atual, além de discussões sobre ansiedades, medos e (des)esperanças ante a conjuntura e as mudanças.

“Perceber e ter contato com outras colegas que, mesmo distantes e até então desconhecidas, partilham as mesmas angústias, tem sido reconfortante. Dá para dimensionar melhor as nossas dores quando olhamos a dor do outro também. Estamos lidando com os nossos medos e os medos de pais, alunos… Direção e colegas. Ufa! Posso dizer que o grupo – ainda mais agora que estou completamente sozinha em casa – tem sido um sopro de alegria e de esperança!” (Professora participante).

Os encontros semanais, realizados online, possibilitaram algo bastante complexo de acontecer: a reunião de professoras de diferentes escolas, cidades, formações, raças e realidades psicossociais num mesmo grupo. A profusão de temas levantados pelo grupo foi desde a função da professora na pandemia até os vínculos da comunidade escolar, sem deixar passar a precarização da carreira docente, a alienação do trabalho imposta pelo patrão-Estado e os ideais sociais – inalcançáveis – de ser professora. Com o grupo foi possível auxiliá-las na reflexão sobre esses temas, visando a diminuição do sofrimento mental das professoras.

A discussão traz luz à urgência da lei federal 13.935/2019 , que trata da obrigatoriedade de psicólogos e assistentes sociais nas equipes multiprofissionais de ensino-aprendizagem das escolas. Este trabalho pode ser feito internamente, em cada escola, a fim de dirimir o sofrimento da equipe pedagógica e fomentar sua organização interna, com efeitos diretos no trabalho docente, que resultam na melhoria de sua qualidade de vida e de dinâmicas de trabalho. Isso pode ser traduzido em aprimoramento do ensino, e portanto, auxiliar na aprendizagem dos alunos.

A parceria entre projetos da UFRGS que deu origem ao grupo terapêutico com as professoras foi uma medida urgente que buscou acolher, ainda que de forma modesta, as demandas dessas profissionais por melhores condições de trabalho e mais voz nas decisões que afetam a categoria. Não é por desconhecimento que o governo não age, mas pela fidelidade a um programa de sucateamento da educação pública em prol de interesses privados. Segundo a narrativa de que o Estado está “quebrado” e que “precisa colocar as contas em dia” são as professoras da rede pública, as quais possuem um dos piores salários do país, que precisam arcar com a conta. A pandemia expôs de forma brutal o resultado dessa política, que parece não deixar espaço para alternativas. Nesse contexto é necessário que não apenas o magistério, mas toda a sociedade, que depende profundamente das professoras e professores, saiba se articular e demandar novas políticas para a educação. Políticas que sejam construídas com base no diálogo e na participação democrática e inclusiva das professoras.

17 de Dezembro de 2020

Autoras(es):

Eduardo Marquezin Faustini , mestrando em Políticas Públicas na UFRGS e membro do Contraponto

Fabíola de Carvalho Leite Peres , mestranda em Antropologia Social na UFRGS e membra do Contraponto

Gianluca Augusto de Oliveira , mestrando em Psicologia na UFRGS e psicólogo do Instituto de Psicologia da UFRGS

Jenifer Dias Ramos , doutoranda em Ecologia e Evolução da Biodiversidade na PUCRS, professora de Ciências e membra do Contraponto

Rafaela Fabricio Klein , graduanda em Psicologia na UFRGS

Taciana Barcellos Rosa , doutoranda em Políticas Públicas na UFRGS e membra do Contraponto


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