Opinião
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11 de novembro de 2020
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13:15

Por cidades protetoras de vida: todas e todos têm direito de pedalar em segurança! (por Cristiano Lange dos Santos)

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Sul 21
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Por cidades protetoras de vida: todas e todos têm direito de pedalar em segurança! (por Cristiano Lange dos Santos)
Por cidades protetoras de vida: todas e todos têm direito de pedalar em segurança! (por Cristiano Lange dos Santos)
Ciclovia na Avenida Goethe, em Porto Alegre. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Cristiano Lange dos Santos (*)

A morte da estudante Marina em São Paulo e o atropelamento do Mateus em Porto Alegre revelam uma questão muito debatida mas pouco executada pelos governos municipais, que é a de se construir cidades sustentáveis, seguras, inclusivas e que garantam a vida.

Apesar de distantes geograficamente, os dois acontecimentos em muito se aproximam, pois tratam de dois ciclistas que foram atropelados por condutores de automóveis sem prestar socorro nas últimas semanas. Episódios como esses são recorrentes e demonstram que a violência no trânsito é mais uma das diversas formas de manifestação de poder no meio social.

Muito embora os dados estatísticos expressem que os índices de acidentalidade têm diminuído, a sensação de quem usa a bicicleta é o oposto, uma vez que dividir o espaço com o carro na rua ganha contornos de provocação.

Essa condição se agrava em razão de dois fatores que se complementam. Em primeiro é o fato de que as cidades continuam a ser priorizadas para o modal motorizado sem planejamento adequado para o modal não-motorizado. E aqui a medida mais simples para superar esse entrave é política de incentivo ao compartilhamento das ruas, porque a infraestrutura cicloviária não vai conseguir alcançar a todas as ruas de uma cidade. Um dado que realça esse fator do carrocentrismo é o aumento da taxa de motorização no Brasil, que passou de 37,1 em 2008 para 65,7 milhões de automóveis em 2018. Em segundo é a cultura de poder e status que o automóvel continua a representar na sociedade brasileira e que ainda inferioriza a bicicleta. Esse fator está relacionado com o preconceito classista e com as nossas diferenças sociais, mas principalmente pela intolerância e não respeito à diversidade de escolha de deslocamento. Infelizmente, vivemos um contexto de autoritarismo em que a opção do diferente não tem sido bem aceita pelo outro.

Ainda assim, quer queira quer não, a bicicleta é um veículo de propulsão humana, segundo o Código de Trânsito, e sobre ela há uma vida que deve ser protegida. O World Naked Bike Ride – Pedalada pelada – reconhece a fragilidade dos corpos de ciclistas contra a cultura da velocidade na cidade e denuncia os perigos do trânsito de forma lúdica e divertida, com o slogan: obsceno é o trânsito, a falta de comprometimento político e a violência.

É importante lembrar que há nove anos, Porto Alegre ficou conhecida internacionalmente pelas imagens de violência do atropelamento coletivo de ciclistas da Massa Crítica na Cidade Baixa, o que forjou o debate público sobre a execução de um plano que já existia por meio da Lei Complementar 626, de 15 de julho de 2009, que prevê a implantação de 395 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas, mas essa agenda foi protelada pelos governos municipais e, gradativamente, sendo esquecida.

O movimento cicloativista de Porto Alegre se mobilizou e a partir deste evento negativo construiu agendas positivas que foram capazes de estimular o uso de bicicletas como um alternativa econômica e sustentável  de mobilidade urbana. O Fórum Mundial da Bicicleta (WBF), iniciada em aqui, ganhou o mundo e se encontra na 9ª edição, passando por Colômbia, Chile, México e Katmandu. Além disso, inúmeras outras iniciativas surgiram, mesmo sem o apoio do Poder Público.

Se hoje milhares de pessoas fazem uso da bicicleta como modal de transporte público, seja para deslocamento urbano, seja para lazer na Orla do Guaíba, essa prática se deu em razão do ativismo dos movimentos organizados e das pessoas que pedalaram individualmente e mesmo sem o apoio dos governos municipais, confrontaram a cultura do automóvel e se colocaram contra a cultura carrocentrica.

Muito embora a pauta das cidades seguras tenha ganhado atenção com a pandemia do coronavírus e medidas de distanciamento social, no Brasil o tema da mobilidade urbana e da configuração das cidades pós-covid tem sido pouco mencionado, até mesmo pelas candidaturas a prefeitos e vereadores, que vão ter de administrá-las. Paris, por exemplo, aproveitou para construir mais 650 quilômetros de ciclovias e promover políticas de incentivo ao uso da bicicleta, retirando milhares de vagas de estacionamento.

É chegado o momento de avaliar quais candidaturas se comprometem a garantir cidades seguras e que protejam a vida, independentemente de qual modal seja utilizado para se deslocar pela cidade.

Que os crimes cometidos contra Mariana e Mateus sirvam de exemplo para os governos, em especial o municipal, que tem como atribuição promover cidades capazes de proteger as pessoas e garantir a vida.

Afinal, todas e todos têm o direito de pedalar em cidades com segurança.

(*) Conselheiro do Fundo Municipal de Apoio à Implantação do Sistema Cicloviário (FMASC) pelo Laboratório de Políticas Públicas e Sociais (LAPPUS) e integrante da Mobicidade (Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta).

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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